Lei 11.690/2008 E As Provas Ilícitas Derivadas

Luiz Flávio Gomes

Por força da teoria ou princípio dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree teory) a prova derivada da prova
ilícita também é ilícita. O § 1º do novo art. 157 do CPP (com redação dada
pela Lei 11.690/2008) diz: "São também inadmissíveis as provas
derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras".

 

Pelo que ficou proclamado neste último dispositivo
legal (§ 1º do art. 157) a prova derivada exige nexo de causalidade entre a
prova ilícita (precedente) e a subseqüente. Exemplo: confissão mediante
tortura que conduz à apreensão da droga procurada.

 

Lendo-se esse texto legal em sua integralidade
podemos dele extrair três regras: 1ª) comprovando-se o nexo de causalidade
entre a prova ilícita e a subseqüente, esta última também é ilícita (prova
ilícita por derivação); 2ª) não evidenciado o nexo de causalidade entre a
prova ilícita (precedente) e a subseqüente, esta última é válida; 3ª) mesmo
evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita (precedente) e a
subseqüente, esta última é válida quando puder ser obtida por fonte
independente.

 

Da
terceira regra que acaba de ser citada (teoria da fonte independente)
cuidaremos em outro artigo. No que diz respeito à primeira regra (prova
ilícita por derivação) o fundamento legal anterior que permitia também a
declaração da sua nulidade residia no art. 573, § 1º, do CPP ("A
nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele
diretamente dependam ou sejam conseqüência").

 

Deste dispositivo legal se extrai o chamado princípio
da contaminação, ou seja, um ato nulo acaba contaminando outro ato, que
dele dependa diretamente ou que lhe seja conseqüência. Se da confissão
obtida por tortura encontra-se a res furtiva em razão do que foi
confessado, essa segunda prova também é ilícita (por derivação) (cf.
FERNANDES, Antonio Scarance, Processo penal constitucional, 3. ed., São
Paulo: RT, 2202, p. 90).

 

A segunda prova acaba sendo contaminada. Aliás, essa
contaminação possui vasos comunicantes: a prova ilícita (precedente)
contamina a derivada, que contamina o processo ou o ato isolado (uma sentença,
v.g.), que contamina o juiz (que dela tomou conhecimento). Essa é a lógica
da contaminação.

 

A polêmica que pode surgir (no tocante à prova
ilícita por derivação) diz respeito ao "nexo de causalidade"
(entre a prova precedente e a posterior). Nossos tribunais, enquanto não
havia dispositivo legal expresso como agora, tinha entendimento muito
restritivo. Mas essa postura jurisprudencial, com certeza, deve ser
reavaliada.

 

Doravante, comprovado o nexo de causalidade, ainda
que mínimo, por força de dispositivo legal expresso (§ 1º do art. 157 do
CPP) é também ilícita a prova derivada. Sendo ilícita, deve ser declarada
nula (CPP, art. 573, § 1º) e desentranhada dos autos (CPP, art. 157, caput).
Isso é o que se infere da teoria dos frutos da árvore envenenada, que é
adotada pela Corte norte-americana desde 1919 (essa doutrina foi construída
pela Suprema Corte norte-americana no caso Silverhome Lumber v. United
States e depois desenvolvida no caso Nardone v. United States, em 1939). De
forma mais restrita também essa é a posição da Corte alemã, que fala no
"efeito à distância" (leia-se: provas derivadas).

 

No que diz respeito ao nosso STF cabe sublinhar que
ele sempre entendeu (antes ou depois de 1988) que a prova ilícita por
derivação é também prova inadmissível:  HC 74.116-SP, rel. Min.
Maurício Corrêa; RTJ 122/47 e HC 69.912-0-RS, Sepúlveda Pertence, DJU de
25.03.94; STF, HC 75.007-9, Marco Aurélio, DJU de 08.09.00, p. 5; veja
ainda RTJ 155/508.

 

Prova totalmente independente da prova ilícita: por força
da segunda regra acima mencionada, desde que não comprovado nenhum vínculo
(nexo) entre a prova ilícita precedente e a posterior, não há que se falar
em nulidade desta última (ou em prova ilícita por derivação). Exemplo:
houve confissão mediante tortura, mas ao mesmo tempo uma outra equipe de
investigação encontrou a res furtiva de forma totalmente independente (ou
seja: se não existe nenhum vínculo ou nexo entre a confissão extorquida e a
apreensão, não há que se falar em prova ilícita por derivação). A prova
totalmente independente não se sujeita às regras da prova ilícita por
derivação. Se a segunda prova foi obtida de forma inteiramente independente
da primeira (ilícita), não há que se falar em nulidade ou contaminação (da
segunda prova).

 

Tudo se resume,
como se vê, à análise do "nexo de causalidade". Uma vez
constatado esse nexo, já não existe nenhuma margem para o juiz (ou
tribunal) admitir (ou não) essa prova ilícita por derivação. Aplicando-se a
teoria ou princípio dos frutos da árvore envenenada (fruits of the
poisonous tree), a prova derivada diretamente da prova ilícita também é
ilícita.

 

Comprovado
esse nexo a segunda prova é ilícita e, portanto, inadmissível (devendo ser
desentranhada dos autos do processo). Não comprovado o nexo, conclui-se que
se trata de prova totalmente independente (e válida). Para a exclusão da
prova ilícita dos autos do processo é o habeas corpus instrumento idôneo.

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