Por Diogo Malan -
Fatores tais como o fascínio despertado pela criminalidade envolvendo pessoas públicas, sexualidade, mistério e/ou violência no imaginário popular, a revolução tecnológica, o exercício do poder punitivo como referência quase hegemônica dos meios de comunicação social etc. vêm facilitando a recorrência dos julgamentos midiáticos (trials by media).
Trata-se de fenômeno mundial, havendo grandes dificuldades em se chegar a soluções normativas que atinjam equilíbrio satisfatório entre valores potencialmente conflitantes representados pela liberdade de imprensa, direito ao julgamento justo e direitos da personalidade do acusado.
Na prática judiciária, não é rara estratégia persecutória jurídico-midiática, baseada na parceria entre polícia judiciária, Ministério Público e segmentos do jornalismo investigativo. Nessa estratégia, atos de coação cautelar sobre bens, domicílio, liberdade pessoal, valores etc. do acusado, sua família ou empresa, ou elementos informativos, são propositadamente vazados para o parceiro midiático. Este, em troca, dá ampla publicidade à versão policial-ministerial dos fatos investigados, como se ela fosse uma verdade absoluta transitada em julgado. Tal publicidade, por sua vez, induz o Magistrado, jurados e opinião pública a presumir a culpa do acusado. Nesse vicioso ciclo de retroalimentação, a versão do acusado sobre os fatos tem espaço inexistente, ou desproporcionalmente inferior ao da acusação.
Ou seja, há publicidade opressiva do julgamento criminal, consistente em campanha midiática com as seguintes características: (i) cariz prejudicial de notícias opinativas que defendem implicitamente a condenação, pela divulgação parcial de fatos e versões, manipulação de dados, divulgação de provas ilícitas, ou intensidade da inserção de matérias em veículos da mídia durante certo lapso temporal; (ii) risco potencial de interferência no resultado do julgamento criminal; (iii) contemporaneidade do sobredito julgamento.
A legislação pátria não possui normas deontológicas, penais e processuais penais aptas a coibir essas práticas.
No âmbito da União Europeia, a Diretiva nº. 2016/343, do Parlamento Europeu e do Conselho, reforçou o direito fundamental à presunção de inocência, proibindo: (i) declarações públicas de autoridades que apresentem o acusado como culpado, enquanto sua culpa não for provada nos termos da lei (artigo 4º, § 1º); (ii) apresentação do acusado como culpado em tribunal ou em público, via medidas de coerção física (artigo 5º, § 1º) etc.
Não obstante, o recorte deste texto é focado em questões éticas, relativas ao papel Advogado nesse contexto do julgamento midiático. A esse propósito, o Advogado se vê diante de dilema ético e estratégico: atuar com discrição nos autos do processo criminal, ou defender seu cliente também no tribunal da opinião pública.
Nos Estados Unidos da América, a matéria em digressão está regulada pelo artigo 3.6 das Normas Modelo de Conduta Professional (Model Rules of Professional Conduct), da American Bar Association (ABA).
A regra geral é que o Advogado não pode prestar declaração extrajudicial que sabe, ou razoavelmente deve saber, que será disseminada pelos meios de comunicação social e terá probabilidade de prejudicar materialmente o procedimento de adjudicação sobre o objeto da declaração.
As exceções são as seguintes: (i) pedido, ofensa ou defesa aduzidos e, exceto quando proibido por lei, identidades dos envolvidos; (ii) informação contida em registro público; (iii) existência de investigação em curso; (iv) agendamento ou resultado de qualquer ato ou fase do litígio; (v) pedido de assistência para a obtenção de prova, e informação necessária para tanto; (vi) alerta sobre perigo decorrente do comportamento de envolvido, quando há razão para crer em probabilidade de dano individual ou público. Nos casos criminais, há as seguintes exceções adicionais: (i) identidade, residência, profissão e estado civil do acusado; (ii) informação necessária para auxiliar a captura do acusado; (iii) motivo, data e local da prisão; (iv) identidade dos agentes policiais responsáveis pela investigação ou prisão, e a duração da investigação.
Apesar dessas exceções, o Advogado pode fazer declaração necessária para proteger o cliente de indevido efeito prejudicial substancial, causado por publicidade recente, que não foi iniciada pelo Advogado nem seu cliente. Essa declaração deve se limitar à informação necessária para mitigar a publicidade adversa.
Esse marco regulador é criticado pela doutrina norte-americana, que aponta vagueza e limitação excessiva ao direito fundamental do acusado à uma defesa pública, nos termos da VI Emenda à Declaração de Direitos.
No caso Gentile v. State Bar of Nevada, o voto do Justice Anthony Kennedy da Suprema Corte incidentalmente menciona que os deveres do Advogado incluem a defesa da reputação do cliente, e a tentativa de demonstrar sua inocência no tribunal da opinião pública.
Destarte, há casos que apresentam riscos consideráveis não só à liberdade pessoal do cliente, mas também à sua carreira profissional, negócio etc. Há clientes que acreditam que uma boa campanha de relações públicas tem potencial para neutralizar a publicidade negativa emanada de autoridades públicas, e influenciar o deslinde da persecução penal.
Assim, naturalmente há crescente pressão desses clientes para que Advogados passem a exercer também o papel de defensores na arena da opinião pública.
Barry Slotnick entende que o múnus profissional do Advogado inclui sua eventual atuação como porta-voz da inocência do cliente. Segundo ele, tal atuação é necessária para: (i) mitigar efeitos negativos sobre Juiz e jurados das declarações do acusador sobre a culpa do cliente; (ii) atenuar efeitos desfavoráveis sobre a comunidade das sobreditas declarações; (iii) exercer o direito fundamental do acusado à liberdade de expressão; (iv) exercer o precitado direito fundamental do Advogado. Nesse sentido, como as autoridades públicas são cada vez mais midiáticas, cabe ao Advogado tentar contrapor tal publicidade, nivelando o campo de jogo processual penal.
Em sentido semelhante, Robert Bennett sustenta que Advogados representando pessoas públicas em casos midiáticos devem tentar, observados os regramentos éticos e legais, neutralizar a publicidade com potencial para gerar, ou recrudescer, desdobramentos processuais desfavoráveis ao cliente.
Possível estratégia para dar voz à versão da defesa no tribunal da opinião pública é a criação de comitê de defesa pela família do acusado. Esse comitê exerce três funções: (i) influenciar os responsáveis pela tomada de decisões durante a persecução penal, amenizando o efeito desfavorável da acusação e aumentando a percepção de escrutínio público sobre a justiça dos procedimentos; (ii) articular campanha de arrecadação de fundos para custear despesas (v.g. pagamento da fiança, de investigadores particulares, assistentes técnicos etc.); (iii) viabilizar o acesso da defesa técnica a um manancial de informações e fontes de prova relevantes.
Outra alternativa é a criação de página na rede mundial de computadores, para reagir à publicidade negativa haurida de autoridades públicas. Essa ferramenta pode ser criada sob medida para veicular, com precisão, a versão defensiva dos fatos, disponibilizar documentos etc., sem os riscos inerentes à entrevista jornalística – cuja dinâmica e imprevisibilidade podem gerar publicidade desfavorável.
Também é possível a divulgação de nota à imprensa, preferencialmente feita em conjunto com assessor de imprensa, a qual pode ser acompanhada de dossiê (espécie de memorial de relações públicas) contendo argumentos e documentos selecionados.
A forma mais tradicional é a entrevista dada pelo advogado.
Nada obstante, remanescem questões em aberto sobre os limites éticos da atuação do advogado na arena da opinião pública: (i) se a assessoria de imprensa é atividade profissional compatível com a advocacia; (ii) se é legítima a cobrança de honorários advocatícios pela atividade de assessoria de imprensa; (iii) se o Advogado pode orientar o cliente a dar declarações públicas sobre temas em relação aos quais o Advogado está proibido de declarar; (iv) se o Advogado pode prestar declaração pública que sabe ser falsa, ou capaz de induzir o Juiz, jurados, parte adversa ou a opinião pública em erro; (v) qual é o critério para ponderação entre interesses conflitantes do Advogado e do cliente perante a mídia; (vi) se é possível o compartilhamento de informações protegidas pelo sigilo profissional com assessores de imprensa, jornalistas etc.
É lícito concluir que o Código de Ética e Disciplina da OAB é excessivamente lacônico sobre os limites da atuação do Advogado fora da sala de audiência, gerando insegurança jurídica pela dúvida se os preceitos deontológicos aplicáveis à defesa em juízo são extensíveis à defesa perante o tribunal da opinião pública.
Assim, por ora é possível apresentar algumas propostas: (i) o direito à defesa pública pressupõe prévia acusação pública; (ii) o exercício desse direito é facultativo, dependendo da concordância expressa do cliente e cuidadosa análise da acusação pública e demais circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto; (iii) o direito em apreço não inclui a declaração pública que o Advogado sabe ser falsa, ou capaz de induzir o Juiz, jurados, parte adversa ou a opinião pública em erro; (iv) o exercício desse direito sempre deve visar ao melhor interesse do cliente, nunca do Advogado (v.g. autopromoção etc.).
Por fim, decerto há situações em que a melhor estratégia é o silêncio, pois a declaração pública — principalmente quando amadorística, feita na base do improviso — pode ser um tiro que sai pela culatra, prejudicando os interesses do cliente.