Pois é, no último artigo, falamos sobre o “cocô do cachorro” e a “periculosidade médica”; hoje vamos tentar falar sobre sua “irmã gêmea”, que é a “periculosidade jurídica”; e por que “tentar falar”? Porque, teoricamente,a periculosidade jurídica, como era conceituada até 1984, quando houve uma reforma no Código Penal, não existe mais.
Aqui preciso fazer uma explicação: é muito bom, para alguém que gosta e tenta ensinar alguma coisa, saber que seus discípulos desabrocharam, cresceram e estão também disseminando conhecimentos; tal é o caso desta “periculosidade jurídica”, pois fui à uma de minhas ex alunas (que hoje tenho o prazer de ter comigo ministrando aulas na faculdade), que me auxiliou na elucidação desta dúvida.
Continuando então, assim é que, depois de retirado do Código Penal o termo e o conceito de periculosidade, ele não mais tem sido usado com o era; hoje, o Código Penal considera, nos arts. 96 e 97, a previsão da internação e a possibilidade de retorno à internação, se o liberado voltar a dar sinais de “periculosidade” até após um ano da desinternação.
O conceito anulado, do código de antes da reforma de 1984, era muito interessante, pois considerava que havia dois tipos de periculosidade jurídica, que seriam:
art. 78 (Código antigo): (a periculosidade presumida em lei)
- os isentos de pena pelo (atual) artigo 26;
- os condenados por embriaguez habitual;
- a reincidência em dolo;
- os afiliados às associações de bandidos.
O comentário é que é fácil entender que os isentos de pena do art. 26, (que são os doentes mentais) têm implicitamente uma periculosidade; também aqueles indivíduos condenados por embriaguez habitual igualmente, pois, será que um indivíduo embriagado portando, por exemplo, um automóvel, não é alguém perigoso? Claro que o é.
Os reincidentes em dolo talvez merecessem uma consideração a mais, pois se o dolo já não pode ser considerado normal, o que dizer daquele que reincide nesta prática? Claro que está razoavelmente implícita a periculosidade do mesmo. Diria até que são “candidatos” a serem considerados portadores de alteração de personalidade, e aí, cairiam no art. 26, fechando, por assim dizer, o “circuito”; e por fim, “os afiliados a associações de bandidos” pode-se dizer que acabaram retirados do Código Penal porque não existiam em 84 como existem hoje e desta forma, não justificavam, a sua manutenção na lei como uma coisa importante. A pergunta que se faz é: e hoje como fica? Fica como ponto a se pensar...
Mas ainda existia outro conceito: o do art. 77 (Código Penal antigo), que falava da periculosidade “não presumida por lei”, onde se considerava que “se a personalidade e os antecedentes autorizam a suposição de que venha novamente a delinquir”.
Quer dizer, o código, da maneira que estava escrito, dava muito mais a possibilidade de que se estudasse a forma de ser do criminoso, sua personalidade e sua maneira de agir, para depois se fazer um diagnóstico penal e uma propositura de um tratamento penal adequado e direcionado adequadamente.
O mais engraçado é que, mesmo estando “fora” do Código Penal, os conceitos continuam a ser utilizados, agora de uma maneira informal; então duas perguntas surgem:
- se é para continuar a ser utilizado, porque tirar do Código?
E pior ainda,
- se as coisas vão informalmente ser utilizadas, mesmo sem estarem nos Códigos, para que Códigos?
Mas voltando, levava-se, é verdade, muito mais em conta a eventual ajuda que os técnicos em saúde mental pudessem trazer à elucidação dos casos e o encaminhamento dos mesmos, da forma mais adequada à condição da personalidade do preso; mas, infelizmente, isto faz parte de um passado, passado este que gostaríamos que retornasse, para o bom encaminhamento do cumprimento da pena e da eventual liberação do preso, e também para maior segurança social.
É isso.