Valéria Diez Scarance Fernandes -
“Não, porque sou homem”.
Essa foi a resposta de um homenzinho de 11 anos que se recusou a estapear uma garota durante a gravação do vídeo “Slap her: children´s reactions”. O vídeo, largamente divulgado na internet, exibe meninos consternados com a proposta do interlocutor de desferir um tapa na garota à sua frente. Visto por pessoas do mundo todo, houve críticas à postura da linda menina, que passivamente recebe carinhos dos meninos e depois aguarda sua reação ao inusitado comando de que a agridam. Mas é certo que o vídeo convence pela expressão de incredulidade dos meninos e por suas justificativas para não praticar a violência. Convence porque a informação e a educação são as principais formas de se prevenir violência contra as garotas de hoje e mulheres no futuro. Mais do que isso, leva à reflexão:
Como os jovens enxergam a masculinidade e agem diante da violência?
A masculinidade é construída. Aprende-se a ser homem e ser mulher. Marcos Nascimento refere que a masculinidade “não é outorgada pela natureza ou por essência masculina, ao contrário, é construída, afirmada, negociada e desconstruída ao longo da vida” (Masculinidade, juventude e violência contra a mulher: articulando saberes, práticas e políticas. In: Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014, p.216).
A construção da masculinidade está diretamente relacionada ao padrão de relacionamento dos jovens. Violência e discriminação de gênero representam um padrão comportamental aprendido e naturalizado em nossa sociedade. Na verdade, a violência tem início muito antes de o tapa ser desferido. Seu nascedouro está na forma como homens e mulheres, meninos e meninas lidam com a masculinidade e entendem seus direitos e responsabilidades.
No final de 2014, divulgou-se a pesquisa “Violência contra a mulher: o jovem está ligado?”, produzida pelo Instituto Avon e Data Popular. Foram entrevistados 2.046 jovens de 16 a 24 anos, de ambos os sexos, em 05 regiões do país. Na pesquisa, quase todos os jovens e as jovens afirmaram que aprovam a Lei Maria da Penha e reconhecem o machismo no Brasil. Será?
Grande parte desses jovens – os mesmos que repudiam o machismo e apoiam a Lei Maria da Penha - avalia o histórico sexual das mulheres. Revela a pesquisa que, para 41% dos entrevistados, a mulher deve se relacionar com poucos homens e, para 38%, não é adequada para namorar se teve muitos parceiros. O uso de saia curta e decote é apontado por 25% como um comportamento sugestivo da vítima para os homens.
Desde cedo, jovens incorporam violência e controle em seus relacionamentos. Assim, 53% dos entrevistados procuraram mensagens e/ou ligações no celular, 35% xingaram, 33% impediram de usar alguma roupa e 18% empurraram, sacudiram ou chacoalharam.
Por que motivo pessoas tão jovens já desenvolvem esse tipo de relacionamento?
Há inúmeros fatores. O “grupo de amigos, a turma, exerce forte influência sobre o comportamento e atitude” nessa fase da vida. Se o grupo tolera ou pratica violência contra a mulher, o jovem tenderá a agir deste modo. Ao revés, “grupos de pares não violentos, com atitudes de respeito e consideração em relação às mulheres também engendram atitudes respeitosas entre seus pares (Souza, 2003; Barker, 2005) (NASCIMENTO, Marcos. Op. cit, p. 221). Sob esse aspecto, as escolas têm papel fundamental de orientação e formação.
Outro importante fator é o convívio familiar. Presenciar a genitora ser agredida, menosprezada, ridicularizada e humilhada ensina um modelo de desrespeito e violência. A forma como os conflitos são geridos no seio familiar é um aprendizado.
Reconhecer a importância da família na raiz da violência significa olhar além do ato e enxergar o contexto que legitimou o comportamento. A conduta dos pais treina os filhos para o futuro. Sabe-se que a “experiência de conviver com a violência desde tenra idade faz com que esta seja percebida como algo natural e esperado nas relações”. Então, essa violência será “absorvida como fazendo parte da dinâmica familiar e como algo que não poderia ser evitado” (Koller, Silvia Helena; Narvaz, Martha Giudice. Famílias, gêneros e violências: desvelando as tramas da transmissão transgeracional da violência de gênero. In: Violência, gênero e políticas públicas. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2004, p. 162).
Jovens que presenciam a violência tendem a repetir esse padrão. Segundo a pesquisa citada, 64% dos entrevistados que praticaram violência haviam testemunhado violência contra a sua mãe. Ser submetido – direta ou indiretamente – à violência gera para a criança e jovem “mecanismos de identificação com aquele que a vitimiza e a introjeção da figura daquele que a vitimizou”. Futuramente, “nesse estado de inconsciência e negação da dor, resta a essas pessoas desempenhar o papel de vitimizador(a) mediante a repetição de ações violentas – a atuação como forma de alívio de uma possível dor da revivência” (VECINA, Tereza Cristina. Do tabu à possibilidade de tratamento psicossocial: um estudo reflexivo da condição de pessoas que vitimizam crianças e adolescentes. In: O fim da violência familiar. São Paulo: Ágora, 2002, p.205).
O caminho para desconstruir padrões é longo, mas satisfatório e necessário. Se queremos uma sociedade justa e sem violência, devemos ensinar aos jovens – com nossas condutas – o caminho do respeito e igualdade de gênero. Como se diz: “é vendo que se aprende”.