Hidemberg Alves Da Frota
1. INTRODUÇÃO
Ancorado
nas dimensões da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito
e na Teoria Geral do Direito Público, assim se compõe o princípio geral da
proporcionalidade:
(1)
Adequação – quando o ato estatal se revela, em dada situação, apto ao alcance
ou fomento¹ de
determinada finalidade legal de interesse público (BOROWSKI, apud SILVA,
2002, p. 36). Em termos mais amplos, preconiza o Tribunal Constitucional de
Portugal (primeira seção; acórdão n. 414/99; Relator, Conselheiro Vítor Nunes
de Almeida):
O
princípio da proporcionalidade impõe que exista uma adequação não só entre o
fim da lei e o fim do acto² como
entre o fim da lei e os meios escolhidos para alcançar tal fim. A adequação
terá ainda de manter-se entre as circunstâncias de facto que ocasionam o acto e
as medidas que vierem a ser efectivamente tomadas. A proporcionalidade abrange
assim não só a congruência, adequação ou idoneidade do meio ou medida para
realizar o fim que a lei propõe como também a proibição do excesso (PORTUGAL,
Tribunal Constitucional, Proc. n. 940/98).
(2)
Necessidade – verificada a adequação, somente se legitima o provimento
estatal que, dentre os vários existentes e dotados de mesma eficácia,
representar o meio menos oneroso (OLIVEIRA, 2006, p. 53) ou ofensivo aos
bens, interesses e direitos sacrificados em certa circunstância;
(3)
Proporcionalidade em sentido estrito – perscruta-se a relação
custo-benefício (BRAGA, 2006, p. 90) da medida estatal em apreço, ponderando-se
os danos causados em relação aos benefícios auferidos (BRAGA, 2006, p.90)
Avalia-se se, em dado contexto, os benefícios aos bens, interesses e direitos
priorizados superam os efeitos nocivos sobre os bens, interesses e direitos
preteridos. Em outras palavras, a proporcionalidade stricto sensu espelha
a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos
dos cidadãos (BARROSO, 2002, p. 224).
Caminhando
da Teoria Geral do Direito Público para o estudo da necessidade concreta da
sanção penal, este estudo amalgama as três dimensões do princípio geral da
proporcionalidade com o princípio da culpabilidade e os fins preventivos da
pena, intencionando matizar a apreciação da culpabilidade penal (posicionada na
dimensão da adequação) com o posterior exame da indispensabilidade preventiva
da pena (situado na dimensão da necessidade) e, em seguida, com a análise da
relação custo/benefício, por meio do contraste entre os efeitos positivos e
negativos da imposição da sanção penal (encaixilhado na dimensão da
proporcionalidade em sentido estrito).
2. DIMENSÃO DA ADEQUAÇÃO
Em sede
do estudo da necessidade concreta da pena, a dimensão da adequação expressa o
juízo de reprovação penal sob a ótica da culpabilidade finalista, presente
quando incide sobre autor de fato típico e antijurídico, em razão de ter essa
pessoa (um imputável), por meio de conduta omissiva ou comissiva, optado por contrariar
o Direito quando podia e devia respeitá-lo, e o respeitaria, se houvesse agido
de forma distinta e ajustada à ordem jurídica.
Consoante
ensina Hans Welzel, a culpabilidade diz respeito à reprovabilidade da
resolução de vontade (2001, p. 93), porquanto teria o autor podido
adotar, em vez da resolução de vontade antijurídica — tanto se dirigida
dolosamente à realização do tipo como se não correspondente à medida mínima de
direção final exigida —, uma resolução de vontade conforme a norma.
Ventríloquo
do princípio da culpabilidade, a pedra de toque desse critério da adequação
reside na exigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte, do
“poder-agir-de-outro-modo”, considerados os parâmetros usualmente indicados
pela experiência humana (TOLEDO, 2001, p. 328), conjugados com a análise do
caso concreto, averiguando-se se havia condições cognoscíveis mínimas para o
agente esboçar comportamento diferente e ajustado à ordem jurídica, o que
significa, inclusive, atestar a presença de condições cognoscíveis mínimas para
que o autor, à época, tivesse (e antes houvesse buscado obter) a consciência da
ilicitude do fato, tendo-se por parâmetro a análise conjunta das peculiaridades
do sujeito ativo do injusto, da situação com a qual deparou e das balizas da experiência
social.
Posto de
outra forma, em sede do estudo da necessidade concreta da pena, o critério da
adequação do princípio tridimensional da proporcionalidade, ao introjetar o
conceito finalista de culpabilidade, ocupa-se da capacidade de obrar de outro
modo (CALLEGARI, 2005, p. 91),
isto é, da capacidade de adotar uma resolução de vontade
diferente, de acordo com as exigências do ordenamento jurídico – resplandece
André Luís Callegari –, considerando, por um lado, o desenvolvimento ou
maturidade da personalidade e, por outra banda, determinadas condições
biopsíquicas que permitam ao sujeito conhecer a licitude ou ilicitude de suas
ações ou omissões e agir conforme a esse conhecimento.
Reputando
empiricamente indemonstráveis o “poder-agir-de-outro-modo” e o livre arbítrio
(ou liberdade da vontade), Claus Roxin (1986, p. 18) avulta, em lugar daqueles,
respectivamente, o agir ilícito apesar da idoneidade para ser destinatário
de normas (ROXIN, 2004, p. 57) e a capacidade de livre autodeterminação, que, ao
contrário daqueles, seriam acessíveis à comprovação forense (ROXIN,
2004, p. 60), uma vez que verificáveis por meio de métodos psicológicos ou
psiquiátricos (ROXIN,
2004, p. 58).
Para
Roxin, infere-se, bastaria indagar se a capacidade de autodeterminação do
agente teria facultado a este condições psíquicas suficientes para estimulá-lo
a pautar-se pelo dever-ser emanado da disposição normativa que acabou sendo
violada. Posto de outra forma, a culpabilidade não estaria alicerçada na
constatação de que o autor tinha à sua disposição várias modalidades de ação
(TAVARES, 2003, p. 185), e, sim, na percepção de que o agente possuía a
faculdade psíquica de se motivar ante o teor do comando normativo.
Reconhece
Juarez Tavares que a idoneidade para ser destinatário das normas aventada
por Roxin, em verdade, encarta conclusão de um juízo sobre a capacidade de
agir do sujeito em face da norma, o que, no fundo, pressupõe uma liberdade de
vontade, desde que motivada pela própria norma (TAVARES, 2003, p. 190).
Esse questionamento
acerca da plausibilidade do efeito motivacional da norma sobre a psique do
autor significa perquirir, em essência, se havia condições psíquicas para o
indivíduo se adequar à conduta incensada pela ordem jurídica, o que retorna o
cerne da discussão para o “poder-agir-de-outro-modo”, agora voltado à acessibilidade
normativa (TAVARES, 2003), à dirigibilidade normativa (SANTOS, apud
ROXIN, 2006, p. 87) ou à eficácia, na circunstância concreta, do apelo
normativo (SANTANA, 2005, p. 220) , a qual, a fim de ser aferida, requer, a
nosso juízo, a prévia existência do livre alvedrio – implica o ser humano à
época, encontrar-se apto, do ponto de vista psíquico, a administrar a própria
conduta, sem o que não há, desnecessário frisar, permeabilidade psíquica ao
apelo normativo (SANTANA, 2005, p. 87), nem capacidade de autodeterminação.
Ao verificar
se, nas circunstâncias em que agiu, o agente poderia conformar sua
personalidade de acordo com o determinado pelo sistema jurídico-penal (dirigibilidade
normativa) (NAHUM, 2001, p. 18), realiza-se exame minudente acerca da
possibilidade de o autor ter obrado de forma diversa (Jorge de Figueiredo Dias
considera a permeabilidade do agente ao apelo normativo outra forma de
se referir ao poder de agir de outra maneira na situação). (DIAS, 1999,
p. 275).
Tal
alternativa doutrinária contemporânea (lastreada na idoneidade para ser
destinatário das normas) ao tradicional conceito de “poder-agir-de-outro-modo”,
em realidade, não resulta na eliminação deste, e, sim, na salutar tendência
dogmática atual de incentivar que a aferição da culpabilidade se aproxime mais
da realidade fática da circunstância concreta (considerando fatores exógenos e
condicionamentos psíquicos a influenciarem, à época, o autor), distanciando-se
da cientificamente questionável (REALE JR., 2002, p. 182)³, concepção
idealizada de ser humano médio como parâmetro comparativo com o caso concreto.
Por isso,
vislumbra-se na formulação de Roxin o enfoque de mais uma faceta inerente ao
“poder-agir-de-outro-modo”, que deve ser analisada pelo julgador ao questionar,
no caso concreto, se podia o réu administrar a si mesmo em direção a
comportamento lícito – apreciação, se necessário, municiada de avaliações
técnicas de profissionais da Psicologia ou da Psiquiatria.
De todo
modo, em uma contemporânea noção de culpabilidade penal (em lição de Luiz
Flávio Gomes, influenciada pelo magistério de Roxin), trata-sede), se de juízo
de reprovação que recai sobre o agente do fato que podia se motivar de acordo
com a norma e agir de modo diverso, conforme o Direito (GOMES, 2007, p.
543-544, v. 2), e
que se alicerça nestes requisitos: (a) a capacidade de querer e de entender
(imputabilidade); (b) a consciência da ilicitude (consciência real ou potencial
da ilicitude) assim como (c) a normalidade das circunstâncias (exigibilidade
de conduta diversa) (GOMES, 2007, p. 581).
3. DIMENSÃO DA NECESSIDADE
No âmbito
do exame da necessidade concreta da pena, a dimensão da necessidade perscruta
a indispensabilidade preventiva da sanção penal.
Para Luiz
Flávio Gomes, após o julgador detectar a culpabilidade do agente, deve o
magistrado trazer a lume o princípio da necessidade concreta da pena,
isto é, ao juiz cabe analisar se o interesse estatal em punir o delito tem
pertinência ou não (GOMES, 2007, p. 574, v. 2). Exemplo: agente que pratica
roubo de um real valendo-se somente de ameaça. A jurisprudência não admite,
nesse caso, a aplicação do princípio da insignificância. Logo, o agente é
processado normalmente. Se foi preso em flagrante, tem bons antecedentes, já
está preso há alguns meses, houve arrependimento, é trabalhador, tem família
constituída etc., pode ser que a pena se torne desnecessária. Sendo assim, com
base no art. 59 do Código Penal, cabe ao juiz dispensar a pena, fundamentado no
princípio de sua (des)necessidade concreta (GOMES, 2007, p. 575).
Emoldurado
pela medida da culpabilidade, o campo de incidência da prevenção geral positiva
limitadora se delineia tendo como máximo o teto inexcedível da culpabilidade e,
como mínimo, o estritamente essencial ao resguardo de valores, bens e direitos
fundamentais (não apenas de estatura constitucional, como também de extrema
relevância jurídico-penal) violados.
Dentro de
tais limites, ou seja, circunscrita às balizas da prevenção geral positiva
limitadora, atua a prevenção especial, que definirá, por último, a medida da
pena, devendo conferir preponderância à prevenção especial positiva (voltada à
harmônica integração social do delinqüente), salvo quando a ausência de
perspectivas fundadas do potencial ressocializador da pena permitir somente
ponderar quanto à indispensabilidade quer da intimidação do apenado, quer, em
caso de pena privativa de liberdade, de sua temporária retirada do convívio
social. Reconhece-se que, dentre os plausíveis efeitos da aplicação da pena ao
caso concreto, pode, de fato, haver efeito intimidativo geral, ainda que
parcial.
A
prevenção geral positiva fundamentadora (a prevenção geral positiva
propriamente dita, incondicionada, exteriorizada em sua pureza, sem estar a
reboque do princípio da culpabilidade) tem em Günther Jakobs seu maior ideólogo
da atualidade. Segundo Jakobs, a culpabilidade e exigências de prevenção
geral são idênticas (ROXIN, 2006, p. 143), isto é, a culpabilidade de um
autor não depende de suas qualidades psíquicas, mas de ser a sua punição
indicada ou não para estabilizar a confiança na ordem social (estabilização
que consubstancia justamente a função de prevenção geral positiva da pena
preconizada por Jakobs).
Já a
prevenção geral positiva limitadora tem em Claus Roxin sua principal (apesar de
indireta) inspiração doutrinária – conquanto Santiago Mir Puig tenha
sido o identificador original da existência dessa modalidade de prevenção geral
positiva, bem assim de sua distinção da vertente fundamentadora (MIR PUIG,
1986, p. 55-56), e, além disso, não haja necessariamente integral coincidência
entre os magistérios de Mir Puig e Roxin4, a nosso juízo
se revela apropriado que o cerne da concepção de prevenção geral positiva
limitadora repouse, primeiro, na exigibilidade de culpabilidade, e, segundo, na
indispensabilidade preventiva como fatores limitantes à atuação do Estado,
tornando-se inafastável sua vinculação ao magistério de Roxin. Para este, as
exigências preventivas são consideradas após constatada a culpabilidade e
servem de freio ao dever-poder punitivo estatal. O mestre de Munique reconhece
que toda pena pressupõe culpabilidade, não podendo jamais ultrapassar-lhe a
medida (ROXIN, 2004, p. 65-66) e permite à sanção penal ficar aquém da
medida da culpabilidade se as exigências de prevenção fizerem desnecessária ou
mesmo desaconselhável a pena no limite máximo da culpabilidade.
Enquanto
Jakobs (2003, p. 43) fundamenta a culpabilidade nas exigências de prevenção
geral positiva (para o Mestre de Bonn, a culpabilidade constitui déficit de
fidelidade ao ordenamento jurídico – dessa forma, a culpabilidade é longa
manus da prevenção geral positiva), Roxin (2006, p. 157) limita a aplicação
da pena à presença, primeiro, da culpabilidade, e, segundo, da
indispensabilidade preventiva (grifo nosso).
Enquanto
a prevenção geral positiva fundamentadora torna exigível a imposição da sanção
penal mesmo quando desnecessária a proteção dos bens jurídicos (BITENCOURT,
2006, p. 124, v. 3) (Direito Penal hipertrofiado (MARQUES, 2000, p.
106)), a prevenção geral limitadora gradua a pena abaixo do teto inexcedível da
culpabilidade, acaso ausente imprescindibilidade preventiva a justificar se
atingir o máximo permitido pela culpabilidade, ao aplicar e dosar a sanção
penal tão-somente na medida do indispensável às necessidades preventivas da
pena, respeitada a medida da culpabilidade (Direito Penal mínimo (FÖPPEL
EL HIRECHE, 2004, p. 133).
Em
sintonia com a prevenção geral positiva limitadora revela-se a jurisprudência
do Poder Judiciário de Portugal, ao se apoiar, sobretudo, no magistério de
Jorge de Figueiredo Dias (notadamente em suas obras Direito Penal Português:
as conseqüências jurídicas do crime (DIAS, 2005, p. 72-73, 229-231,
332-333) e Temas Básicos de Direito Penal: sobre os fundamentos da doutrina
penal; sobre a doutrina geral do crime (DIAS, 2001, p. 104-111), por meio
do qual a judicatura lusitana consolidou o entendimento, sobremaneira explícito
no acórdão de 9 de maio de 2002 (Relator, Juiz Conselheiro Pereira Madeira), do
Supremo Tribunal de Justiça, de que a finalidade precípua da pena se situa na prevenção
geral positiva, orientada para o reforço da consciência jurídica
comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (DIAS,
2005 apud PORTUGAL, Supremo Tribunal de Justiça, Processo n. 02P1232),
ou, reprisando o magistério de Günther Jakobs, como estabilização
contrafáctica5 das
expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida (DIAS,
2005, p. 73).
Em
princípio, pode-se passar a impressão
de que Figueiredo Dias e, em conseqüência, a jurisprudência portuguesa estariam
alinhados com a prevenção geral positiva fundamentadora de Jakobs.
Entretanto,
os ensinamentos do mestre de Coimbra, mencionados no apontado aresto da Suprema
Corte lusitana, logo clarificam sua afinidade com a prevenção positiva
limitadora, ao sublinhar que a medida da culpa (DIAS, 2005, p. 73)
(culpa em sentido lato = culpabilidade) traduz incondicional proibição de
excesso (DIAS, 2005, p. 229-230) (grifo do autor), o limite inultrapassável de
todas e quaisquer considerações preventivas (DIAS, 2005, p. 230), portanto,
sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes
de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de
socialização, de segurança ou neutralização (grifo nosso).
Comparando-se
a citação do magistério de Jorge de Figueiredo Dias registrada no corpo deste
artigo com outra obra de sua autoria, vertida para o português brasileiro,
corrobora-se o indício fundado de que, de fato, no contexto em estudo, medida
da culpa corresponde à medida da culpabilidade: Num Estado de
Direito, de cariz social e democrático, a função do direito penal só pode
consistir, não na realização de qualquer idéia absoluta de retribuição, mas no
propósito de constituir uma ordem efetiva (se bem que subsidiária) de proteção
de bens jurídico-penais; é dizer, das condições comunitárias essenciais de
livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem.
Conseqüentemente, o momento inicial e decisivo de fundamentação da pena deve
residir na necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na
validade da norma violada, pela reafirmação das orientações culturais e dos
critérios ético-sociais de comportamento que naquela se contém. Por outro lado,
sendo a pena aplicada a uma pessoa humana, aquela não pode deixar de respeitar
o “axioma antropológico” da eminente dignidade desta e, por isso, de ser
fundamentada e medida pela culpabilidade do agente (DIAS, 1999, p. 267).
O
mencionado julgado do STJ lusitano se fundamenta no magistério de Figueiredo
Dias, segundo o qual a medida da pena deve, primeiro, respeitar as balizas da
culpabilidade, e, segundo, ater-se ao raio da prevenção geral positiva
(limitadora), a definir o espaço de liberdade ou de indeterminação (DIAS, 1999,
p. 267) (grifo do autor) correspondente à moldura de prevenção, em que atuam considerações
extraídas das exigências de prevenção especial de socialização (grifo
nosso).
Em outras
palavras, a medida da pena se atinge traçando-se, de início, o âmbito da
culpabilidade na circunstância concreta em apreço. Observado o teto da
culpabilidade, projeta-se o espaço, no caso concreto, da prevenção geral
positiva limitadora, onde, por conseguinte, se estabelecem os limites
consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (DIAS, 2005, p.
230), fixados entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente
suportável da medida da tutela dos bens jurídicos (DIAS, 2005, p. 230-231).
Entre tais pontos podem e devem actuar pontos de vista de prevenção
especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último
termo, a medida da pena (grifo nosso).
Meditando
acerca dessa faceta do pensamento do mestre de Coimbra, deduziu o Supremo
Tribunal de Justiça no acórdão de 2 de fevereiro de 2005 (Relator, Juiz
Conselheiro Henriques Gaspar):
A medida
da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está,
assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção
óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura
penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades
que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção,
conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao
agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Por seu
lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada
caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada
por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre
adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou
pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais
finalidades.
Nesta
dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as
circunstâncias e os critérios do artigo 71° do Código Penal têm a função de
fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais
elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida
adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do
facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham
provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como
para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial
(circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao
mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para
apreciar e avaliar a culpa do agente (PORTUGAL, Supremo Tribunal de
Justiça, Processo n. 04P4107) .
A fim de
facilitar a compreensão do posicionamento da jurisprudência portuguesa,
ancorado no magistério de Figueiredo Dias, propugnamos visualizá-la na forma de
três círculos concêntricos, camadas dentro de camadas, que limitam a medida da
pena: em primeiro plano, o círculo da culpabilidade, no qual se encastoa o
círculo da prevenção geral positiva limitadora, em que, por sua vez, se abriga
o círculo da prevenção especial de socialização, cujo alcance, no caso
concreto, determinará, por derradeiro, a medida da pena.
Em
retrospecto à perspectiva construída pelo Mestre de Coimbra, acolhida pelo
Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 17 de novembro de 2004 (Relator,
Juiz Desembargador Borges Martins), pode-se assim bosquejar:
(1) Cabe
à culpabilidade determinar o limite máximo e inultrapassável da pena (DIAS,
1993, apud PORTUGAL, Tribunal da Relação do Porto, Proc. n. 0415662);
(2)
Importa à prevenção geral positiva limitadora esboçar a moldura de prevenção, norteada
por limites máximo e mínimo. O limite máximo advém da medida óptima de
tutela dos bens jurídicos, respeitado o teto intransponível da
culpabilidade. O limite mínimo exsurge das exigências irrenunciáveis de
defesa do ordenamento jurídico (Idem);
(3)
Cumpre à prevenção especial encontrar o quantum exacto da pena, que,
observada a moldura de prevenção, melhor atenda aos imperativos
socializadores ou, em casos particulares, de advertência ou segurança (Idem),
do réu.
Almejando
dissipar quaisquer dúvidas remanescentes quanto ao cerne da concepção de
culpabilidade e da finalidade da pena albergada pelo magistério de Jorge de
Figueiredo Dias e pela jurisprudência portuguesa, denota-se conveniente a leitura
do parágrafo adiante reproduzido, pronunciado pelo Tribunal da Relação de
Coimbra no acórdão de 11 de maio de 2005.
Passando
à determinação da medida da pena, dir-se-á que a determinação da medida
concreta da mesma faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no art.
71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em
sede de Direito Penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a
reintegração do agente na sociedade – art. 40º, n. 1, do Código Penal –, sem
esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida
da pena – art. 40º, n. 2.
Efectivamente,
a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir
finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um
papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode
ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é
determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite
superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo
limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento
jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro
da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em
função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de
socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança
individuais. É este o critério da lei fundamental – art. 18º, n. 2 – e foi
assumido pelo legislador penal de 1995 (vide Figueiredo Dias, Temas
Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena
Criminal (2001), 104/111.) (PORTUGAL, Tribunal da Relação de Coimbra, Proc.
n. 1056/05).
4. DIMENSÃO DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO
Na
análise acerca da necessidade concreta da pena, a dimensão da proporcionalidade
stricto sensu insta o julgador a refletir se a aplicação da pena trará
ou não à sociedade benefícios superiores aos malefícios a serem causados à
integridade física, psíquica e moral do réu pela execução da sanção penal,
máxime em se tratando de pena privativa de liberdade, considerando, neste caso,
os eventuais custos do setor público e privado com o retorno do egresso ao seio
da coletividade e, por outro lado, o impacto social da ausência de aplicação da
pena de prisão.
A
despeito das severas e ponderáveis críticas criminológicas às finalidades
preventivas da pena (ZAFFARONI, 2003, p. 117), a nosso sentir ela é compatível
com o Estado democrático de Direito (art. 1º, caput, 2ª parte, da
CF/88), desde que considerada, de forma prudente e criteriosa pelo Poder
Judiciário, a parcela de anseios preventivos voltados (1) a retirar o
delinqüente, por determinado intervalo de tempo, do convívio social e assim
desencorajá-lo a delinqüir (prevenção especial negativa) (TORON, 1996,
p. 119), (2) a viabilizar a harmônica integração social do apenado e a
disponibilizar a este meios dignos para tornar sua mentalidade, conduta e
valores ajustados aos elementares padrões ético-jurídicos albergados pela
coletividade e pelo Direito positivo (prevenção especial positiva)
(Idem), (3) a convertê-lo em exemplo dissuasório para os que violam ou desejam
violar a ordem penal (prevenção geral negativa) (ZAFFARONI, 2003, p.
117) e (4) a reforçar a confiança da opinião pública na eficácia do sistema
penal e a defender os valores ético-sociais basilares (ZAFFARONI, 2003, p.
116-121), bem assim os direitos, bens e interesses fundamentais da sociedade
democrática (prevenção geral positiva).
Urge
averiguar se, em função da gravidade do delito, todas as indicadas aspirações
ponderáveis possuem tamanha relevância a ponto de compensarem (ou não), sob o
ângulo do princípio da supremacia do interesse público (máxime no que concerne
ao resguardo da segurança individual e coletiva, nos termos do caput dos
arts. 5º, 6º e 144, todos da Constituição Federal/88), a redução da eficácia do
princípio da dignidade da pessoa humana, em face das agruras por que passará o
autor do fato punível no sistema penitenciário e suas futuras dificuldades para
se (re)integrar à sociedade.
1.
Impõe-se sempre um juízo de ponderação entre a restrição à liberdade que vai
ser imposta (os custos disso decorrente[s]) e o fim perseguido pela punição (os
benefícios que se pode obter). Os bens em conflito devem ser sopesados (GOMES,
2006, p. 107).
2. As
penas devem visar à reeducação do condenado. A história da humanidade teve, tem
e terá compromisso com a reeducação e com a reinserção social do condenado. Se
fosse doutro modo, a pena estatal estaria fadada ao insucesso (BRASIL, STJ,
Proc. n. 2004/0127335-2).
Não se
ignoram as preciosas lições de Jorge de Figueiredo Dias, agasalhadas pela
jurisprudência portuguesa, ao encontro do magistério de Gustavo Octaviano Diniz
Junqueira e Oswaldo Henrique Duek Marques, ambos os penalistas a vislumbrarem
unicamente na prevenção geral positiva (limitadora) e na prevenção especial
positiva as finalidades da pena idôneas em Estado democrático de Direito.
Para o
magistério de Junqueira e Marques, apoiado no Direito Constitucional Penal, a
finalidade da pena de reprovação do crime, prevista no art. 59, caput, in
fine, do Código Penal brasileiro, traduz o limite para a pena, com base
na culpabilidade do infrator (JUNQUEIRA, 2006, p. 18), ao passo que a
finalidade da pena de prevenção do crime, contida no mesmo dispositivo legal,
cinge-se à prevenção geral positiva – reforçar a confiança na vigência da norma e na
manutenção das expectativas sociais, ainda que tal prevenção deva encontrar
limites nos direitos fundamentais previstos na Constituição (JUNQUEIRA,
2006, p. 48) e à prevenção especial positiva — recordam os autores que, segundo
preceitua o art. 1º, 2ª parte, da Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei
de Execução Penal, a execução penal deve proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado.
Com
efeito, na aplicação da sanção penal deve predominar, em regra, no tocante aos
fins da pena e na proporção do essencial, a defesa dos valores, bens e direitos
fundamentais (destarte, de estatura constitucional), de suma importância sob a
ótica jurídico-penal, secundada pela busca da harmônica integração social do
delinqüente.
No
entanto, em relação à prevenção geral negativa, é plausível supor que a pena
propicie efeito intimidativo geral, embora indireto, secundário ou residual,
mesmo que nem sempre eficaz e ainda que não seja esta a precípua finalidade
preventiva geral, dada a propensão da prevenção geral negativa de
instrumentalizar o ser humano (JUNQUEIRA, 2006, p. 18).
Já quanto
à prevenção especial negativa (em sede da finalidade preventiva especial da
pena privativa de liberdade), considerando-se o quadro caótico, violento e
criminógeno em que se encontra inserido não apenas o sistema penitenciário do
Brasil, mas também a própria sociedade brasileira, nota-se, invariavelmente, a
ausência de fundado embasamento fático e de efetivas condições gerais para que
a passagem pelo cárcere tenha o condão de proporcionar a adequada inserção social do
apenado – à luz da conjuntura penitenciária e social brasileira da atualidade,
muitas vezes, do ponto de vista da prevenção especial, resta aos órgãos de
controle penal e à coletividade a modesta expectativa de que a pena de prisão
suscite efeito dissuasório sobre o apenado (temor de retornar ao cárcere) ou,
ao menos, durante o período no qual estiver encarcerado, a sociedade seja
poupada de sua conduta criminosa.
A
respeito dos empecilhos fáticos para se implementar a prevenção especial
positiva, sublinhe-se o escólio de Luiz Flávio Gomes:
A pena de
prisão, na atualidade, longe está de cumprir sua missão (ou finalidade)
ressocializadora. Aliás, não tem cumprido bem nem sequer a função inocuizadora
(isolamento), visto que, com freqüência, há fugas no nosso sistema. A pena de
prisão no nosso país hoje é cumprida de maneira totalmente inconstitucional (é
desumana, cruel e torturante). Os presídios não apresentam sequer condições
mínimas para ressocializar alguém. Ao contrário, dessocializam, produzindo
efeitos devastadores na personalidade da pessoa. Presídios superlotados, vida
sub-humana etc. Essa é a realidade. Pouco ou nada é feito para se cumprir o
disposto no art. 1º da LEP (implantação de condições propícias à integração social
do preso) (GOMES, 2006).
Acentua
Roxin:
Não se
pode castigar — por falta de necessidade — quando outras
medidas de política social, ou mesmo as próprias prestações voluntárias do
delinquente6 garantam
uma protecção suficiente dos bens jurídicos e, inclusivamente, ainda que se não
disponham de meios mais suaves, há que renunciar — por falta de idoneidade —
à pena quando ela seja politica e criminalmente inoperante, ou mesmo nociva (ROXIN,
1986, p. 57-58). (Grifo do autor)
Em que
pese à lucidez e à propriedade do supracitado magistério do Mestre de Munique,
sobremaneira pertinente ao exame da necessidade concreta da pena, convém, no
bojo na dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ora analisada, sopesar
os eventuais efeitos nocivos
ao interesse público provenientes quer da aplicação, quer da não-aplicação da
pena ao caso concreto (cotejo cuja complexidade se acerba quando se trata de
pena privativa de liberdade), porquanto o princípio da proporcionalidade não
pode deixar de ser compreendido – para além de sua função como critério de
aferição da legitimidade constitucional de medidas que restringem direitos
fundamentais –, alerta Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 129), na sua dupla
dimensão como proibição de excesso e de insuficiência, já que ambas as facetas
guardam conexão direta com as noções de necessidade e equilíbrio.
Pode
ocorrer de a pena não possuir efeito educativo, sequer intimidativo, sobre o
apenado, mas revelar-se imprescindível como medida estatal que resguarde
direitos, bens e valores elementares à sociedade democrática e, ao menos,
assegure, durante determinado interregno, o isolamento do delinqüente do
convívio social – seria o caso, por exemplo, de homicidas e estupradores
contumazes que se mostram indiferentes aos efeitos dissuasórios e
socializadores da prevenção especial.
Ao
sopesar os aspectos favoráveis e desfavoráveis da execução da sanção penal, o
julgador deve conferir primazia (peso maior) à necessidade (ressaltada amiúde
pela jurisprudência penal portuguesa e pelo magistério de Jorge de Figueiredo
Dias) de tutela dos bens jurídicos violados e de se estabilizarem, de forma
contrafática, as expectativas da sociedade na vigência das normas jurídicas
ofendidas, de modo que, respeitada a barreira intransponível da culpabilidade,
a punição penal contenha (sirva de última barreira de contenção de) o ímpeto
extra-estatal (da sociedade, da vítima e dos afetos de sua alma) de praticar a
vingança, de arrogar para si a incumbência de fazer justiça à sua maneira
(SEBASTIÃO, 2005, p. 18).
5. CONCLUSÃO
Do ponto
de vista da Teoria Geral do Direito Público, o princípio tridimensional da
proporcionalidade assim se compõe:
•
Dimensão da adequação. Cogita-se o ato estatal, em dada situação, apto ao
alcance ou fomento de determinada finalidade legal de interesse público;
•
Dimensão da necessidade. Dentre os atos estatais adequados, escolhe-se o menos
ofensivo aos bens, interesses e direitos sacrificados em certa circunstância;
•
Dimensão da proporcionalidade em sentido estrito. Avaliam-se se, em dado
contexto, os benefícios aos bens, interesses e direitos lícitos priorizados
superam os efeitos nocivos sobre os bens, interesses e direitos lícitos
preteridos.
Ao
orientar o julgador acerca da necessidade concreta da pena, as dimensões da proporcionalidade
adquirem tonalidades peculiares à ambiência da dogmática penal, matizando a
apreciação da culpabilidade (critério da adequação) com o posterior exame da
indispensabilidade preventiva da pena (critério da necessidade) e, em seguida,
com a análise da relação custo/benefício, por meio do contraste entre os
efeitos positivos e negativos da imposição da pena (critério da
proporcionalidade em sentido estrito).
Em sede
do estudo da necessidade concreta da pena, a dimensão da adequação expressa o juízo
de reprovação penal sob a ótica da culpabilidade finalista, presente quando
incide sobre autor de fato típico e antijurídico, em razão de tal pessoa (um
imputável), por meio de conduta omissiva ou comissiva, ter optado por
contrariar o Direito quando podia e devia respeitá-lo e o respeitaria, se
houvesse agido de forma distinta e ajustada à ordem jurídica. Ventríloquo do
princípio da culpabilidade, a pedra de toque deste critério da adequação reside
na exigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte, do
“poder-agir-de-outro-modo”, considerados os parâmetros usualmente indicados
pela experiência humana, conjugados com a análise do caso concreto,
averiguando-se se havia condições cognoscíveis mínimas para o agente esboçar
comportamento diferente e ajustado à ordem jurídica, o que significa,
inclusive, atestar a presença de condições cognoscíveis mínimas para que o
autor, à época, tivesse (e antes houvesse buscado obter) a consciência da
ilicitude do fato, tendo-se por parâmetro a análise conjunta das peculiaridades
do sujeito ativo do injusto, da situação com a qual deparou e das balizas da
experiência social.
No âmbito
do exame da necessidade concreta da pena, a dimensão da necessidade perscruta a
indispensabilidade preventiva da sanção penal. Emoldurado pela medida da
culpabilidade, o campo de incidência da prevenção geral positiva limitadora se
delineia, tendo como máximo o teto inexcedível da culpabilidade e como
mínimo o estritamente essencial ao resguardo de valores, bens e direitos
fundamentais (não apenas de estatura constitucional, como também de extrema
relevância jurídico-penal) violados. Dentro de tais limites, ou seja,
circunscrita às balizas da prevenção geral positiva limitadora, atua a
prevenção especial, que definirá, por último, a medida da pena, devendo
conferir preponderância à prevenção especial positiva (voltada à harmônica
integração social do delinqüente), salvo quando a ausência de perspectivas
fundadas do potencial ressocializador da pena permitir somente ponderar quanto
à indispensabilidade quer da intimidação do apenado, quer, em caso de pena de
privativa de liberdade, de sua temporária retirada do convívio social.
Reconhece-se que, dentre os plausíveis efeitos da aplicação da pena ao caso
concreto, pode, de fato, haver efeito intimidativo geral, ainda que parcial.
Na
análise acerca da necessidade concreta da pena, a dimensão da proporcionalidade
stricto sensu insta o julgador a refletir se a aplicação da pena trará
ou não à sociedade benefícios superiores aos malefícios a serem causados à
integridade física, psíquica e moral do réu pela execução da sanção penal,
máxime em se tratando de pena privativa de liberdade, considerando, neste caso,
os eventuais custos do setor público e privado com o retorno do egresso ao seio
da coletividade e, por outro lado, o impacto social da ausência de aplicação da
pena de prisão. Ao sopesar os aspectos favoráveis e desfavoráveis da execução
da sanção penal, o julgador deve conferir primazia (peso maior) à necessidade
(ressaltada amiúde pela jurisprudência penal portuguesa e pelo magistério de
Jorge de Figueiredo Dias) de tutela dos bens jurídicos violados e de se
estabilizarem, de forma contrafática, as expectativas da sociedade na vigência
das normas jurídicas ofendidas, de modo que, respeitada a barreira
intransponível da culpabilidade, a punição penal contenha (sirva de última
barreira de contenção de) o ímpeto extra-estatal (da sociedade, da vítima e dos
afetos de sua alma) de praticar a vingança, de arrogar para si a incumbência de
“fazer justiça” à sua maneira (SEBASTIÃO, 2005, p. 18). Não se deve ignorar, no
caso concreto, a freqüente necessidade, por vezes premente, de defender a ordem
jurídica afrontada, máxime na atual sociedade brasileira, onde existe clamor
popular acentuado pela atuação diligente do dever-poder punitivo do Estado, em
meio à crença generalizada (por vezes catalisada pela desinformação jurídica e
sensacionalismo da mídia) de que predomina no País a impunidade – percepção
coletiva (incentivada pelos “formadores de opinião”) a fomentar e legitimar socialmente os procedimentos
ilícitos de repressão à criminalidade (a exemplo de milícias, de “esquadrões da
morte”, de “matadores de aluguel” e do porte de armas por empresários e
profissionais liberais), os quais acabam por galvanizar o fator criminógeno do
caldo cultural das metrópoles brasileiras, um movimento de retroalimentação da
violência. Em todo caso – cabe enfatizar –, denota-se inultrapassável a muralha
da culpabilidade.
NOTAS
1 Ver, nesse sentido: Braga (2006, p. 86).
2 Manteve-se ortografia original, em português
europeu.
3 Nesse sentido, ver Tavares (2003, p. 24).
4 Sob a ótica de Gamil Föppel el Hireche, a
concepção preventiva de Mir Puig, comparada com a de Roxin, possui caráter
demasiado retributivo: Efetivamente, um dos
aspectos mais importantes da Teoria Dialética Unificadora foi a limitação às
penas impostas por Roxin, com fundamento na culpabilidade. Entretanto, se
existe este elo de aproximação com a prevenção geral positiva limitadora —a
teoria— a teoria de Roxin desta se afasta quando se vê que, para Mir Puig, a
retribuição ganha muito mais importância que em Roxin. Desta maneira, a par da
semelhança efetivamente existente, não se pode considerar que Roxin é
partidário da prevenção geral positiva limitadora, quando considerada
isoladamente, mesmo porque ele mesmo teceu críticas à prevenção geral, conforme
se vê: “A teoria da prevenção geral encontra-se, assim, exposta a objeções de
princípio semelhantes às outras duas: não pode fundamentar o poder punitivo do
Estado em seus pressupostos, nem limitá-lo nas suas conseqüências; é político
criminalmente discutível e
carece de legitimação que esteja em consonância com os fundamentos do
ordenamento jurídico.” ROXIN (FÖPPEL (2004, p.
37). Para Santiago Mir Puig, o magistério de Claus Roxin admite a prevenção
geral positiva se esta respeitar o limite da culpabilidade (a nominada
prevenção geral compensadora ou integradora socialmente) e repele a prevenção
geral negativa, porque seu efeito intimidatório, para o Mestre de Munique,
tende a ultrapassar o limite da culpabilidade. Por outro lado, Roxin, lembra
Mir Puig, permite que se fixe pena abaixo do adequado à culpabilidade, a fim de
evitar efeitos contraproducentes do ângulo preventivo-especial (efeito
dessocializador, por exemplo), contanto que a pena seja suficiente para a
defesa da ordem jurídica. Cf MIR PUIG (1986, p. 56-57)
5 Neste artigo, as citações de textos doutrinários e pretorianos
lusitanos manteve intacta a ortografia adotada pelo português europeu.
6 Manteve-se a ortografia original, própria do português europeu,
utilizada durante a tradução, oriunda da língua alemã, da obra acima
transcrita.
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