Adel El Tasse
Os crimes contra o sistema financeiro
nacional estão definidos na Lei nº 7492/89, dentro de uma concepção moderna
de Direito Penal, que trabalha com ações lesivas a valores
supra-individuais cujo titular é toda coletividade social.
Afirmar o caráter supra-individual da
tutela penal não é o mesmo que conferir abstração ao bem jurídico, ou,
ainda, afastá-lo da necessária verificação no caso concreto.
É de se observar que o princípio da
exclusiva proteção de bens jurídicos impõe a verificação racional de
realidades e não a construção de verdades abstratas não verificáveis e,
portanto, permissivas do abuso.
Destarte, quando são analisados os crimes
contra o sistema financeiro nacional, embora exista um bem jurídico
particular que pode ser afetado, não é o ataque a este que produz a
tipicidade penal, ante sua característica supra-individual, mas a lesão ao
bem jurídico coletivo.
A questão central é a da confusão, comumente
ocorrida, em imaginar-se a tutela necessária à caracterização dos crimes
contra o sistema financeiro nacional sobre o patrimônio de instituições
financeiras ou de investidores, quando, em verdade, o atingimento a estes
bens é secundário, em face do valor efetivamente tutelado, para que se
tenha a incidência dos tipos da Lei nº 7492/86.
Com o objetivo de tornar clara a questão,
vale refletir que o bem jurídico, patrimônio da instituição ou de
investidores, por si só não pode servir para o enquadramento de determinada
conduta na tipificação específica da Lei nº 7492/86, pois, ter-se-ia mero
confronto com os crimes contra o patrimônio.
O bem jurídico que dá margem a que se
fale em tipificação, na forma da Lei nº 7492/86, é o sistema financeiro
nacional e não o patrimônio da instituição e de investidores que, é bem
verdade, podem estes ser reflexamente atingidos, sem que, com isso, fale-se
em delito contra o sistema financeiro nacional, pois só o ataque ao bem
jurídico efetivo de tutela é que preenche as exigências tipológicas.
A análise, portanto, deve ser a do
entendimento do sistema financeiro, na medida em que só a lesão a este ou
risco efetivo de sua lesão caracteriza qualquer das hipóteses incriminadas
pela Lei nº 7492/86.
O objeto de tutela é o sistema financeiro
nacional, este é o valor protegido pelo conteúdo penal. Há uma dificuldade,
contudo, embora com consciência da premissa apresentada, em muitas
situações, em saber se houve agressão ou efetivo perigo de agressão a esse
sistema financeiro nacional.
Pode-se ter uma ação que represente a
perda de recursos, de patrimônio por uma instituição financeira, e que não
necessariamente seja crime contra o sistema financeiro nacional, por não
haver qualquer perigo no que diz respeito ao atingimento desse bem jurídico
tutelado. Neste caso, a lesão é sobre o patrimônio da instituição, mas não
sobre o sistema financeiro, por via de conseqüência, tem-se um crime contra
o patrimônio da instituição financeira, mas não há ajustamento da conduta
em uma das hipóteses da Lei nº 7492/86.
A hermenêutica deve ser para pontuar onde
está o campo que separa o mero delito contra o patrimônio da instituição,
hipótese em que esta será sujeito passivo de um crime contra o patrimônio,
no que diz respeito ao atingimento ou perigo de lesão ao sistema financeiro
nacional, tendo o Estado como sujeito passivo.
Para que haja agressão ao sistema
financeiro nacional é preciso que a conduta do agente tenha efetivamente
colocado o funcionamento do sistema financeiro nacional, o equilíbrio do
sistema financeiro, em risco a partir do seu agir.
Na análise dos tipos de delitos contra o
sistema financeiro nacional, é de se salientar a presença de um bem
jurídico secundário atrelado a cada tipo, sem que isso desnature a regra
geral de que o objeto da proteção é o sistema financeiro, ou seja, só vai
existir adequação tipológica, tipificação da conduta, se houver um
enquadramento preciso em algo que agride o sistema financeiro, coloca em
risco o sistema financeiro como um todo e não apenas gera reflexo no bem
jurídico secundário.
O bem jurídico secundário pode, até
mesmo, ser o patrimônio da instituição ou dos investidores, mas que quando
atingido isoladamente descaracteriza o crime contra o sistema financeiro
nacional, passando-se a falar em crime contra o patrimônio, como regra,
pois deve, necessariamente, ser agredido também o sistema financeiro
nacional, para que se tenha a incidência da conduta em uma das hipóteses
delitivas da Lei nº 7492/86.
A agressão contra o sistema financeiro
nacional é verificada quando a conduta do agente passa a colocar em risco a
credibilidade de que deve ser detentor o Estado, no que tange ao especial
aspecto de gestão financeira, produzindo real ameaça para o bem estar
financeiro da sociedade brasileira.
Tenha-se em conta que a credibilidade
financeira é o principal fator de atração de investimentos para determinado
país e, por via reflexa, de geração de riqueza. Justamente este conteúdo é
o protegido pelo Direito Penal quando faz incidir o seu plexo normativo em
condutas que agridam o sistema financeiro.
A proteção patrimonial de instituições
financeiras, e mesmo de investidores, não necessita de legislação especial,
como é a Lei nº 7492/86, que somente se justifica pela característica
particular do bem jurídico que está protegendo, o sistema financeiro
nacional, visando garantir a credibilidade nacional e internacional de
captação de recursos para gerar riquezas no território nacional.
Assim, a tipificação de qualquer conduta
que se afirme protetiva do sistema financeiro nacional deve,
necessariamente, observar que o agir do sujeito tenha ido além da mera
lesão patrimonial, quer à instituição financeira, quer aos investidores, e
tenha efetivamente colocado em ataque a credibilidade financeira nacional,
produzindo, ao menos, a real ameaça da perda de investimentos e, com isso,
da diminuição da produção da riqueza no País.
0 Responses