Por Willian Augusto Brand Pinheiro e Lucas Amaral Antunes -
Na última semana, nos deparamos com a notícia de que um apenado que cumpria pena em regime federal foi encontrado morto em sua cela. Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco foi encontrado morto por agentes prisionais no dia 22/9/2020, na penitenciária de Catanduvas. Em um primeiro momento, as autoridades trabalham com a hipótese de morte natural ou suicídio, entretanto não descartaram a hipótese de que o apenado tenha sido morto [1].
O cumprimento de pena em regime federal torna a ser notícia, pois somente no ano de 2020 foram de quatro mortes, três delas confirmadas como suicídios.
No dia 15 de abril de 2020, o apenado Paulo Rogério de Souza Paz, conhecido como Mica, também fora encontrado morto em sua cela, no presídio federal de Mossoró, onde estava preso desde 2012. O motivo da morte foi suicídio [2].
Nesse sentido, importante dizer que alguns apenados do estado do Rio de Janeiro ainda cumprem pena no presídio federal acima do prazo legal estabelecido, entre eles estão Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP; Marco Antônio Pereira da Silva, o My Thor; Rogerio Avelino da Silva, o Rogerio 157; e Márcio José Guimarães, o Tchaca, entre outros.
No mês de combate ao suicídio (setembro), quando o mundo inteiro faz a devida campanha, a morte de um apenado não deve ser, de fato, irrelevante. Nessa perspectiva, importante indagar: o que fazer para reduzir os números de suicídios nas unidades penitenciarias federais?
Sem dúvida, a principal causa dos suicídios nas unidades prisionais federais é o isolamento extremo, pois tal isolamento pode ser configurado como "isolamento da vida", pois o apenado deixa de ter convívio social, ainda que em ambiente de cárcere, além do isolamento social, o principal seria o familiar, que gera muito mais problemas de saúde mental.
Não são somente esses os casos de suicídio nas unidades penitenciárias federais, alguns outros detentos já se suicidaram no sistema sem que fosse noticiado.
O isolamento social prisional traz consequências que podem ser letais, pois "ele nos priva de uma condição emocional fundamental para nossa sobrevivência. Somos seres de relações, gregários; precisamos do contato, do afeto do outro, mesmo tendo que lidar com altos e baixos nos relacionamentos. O outro confirma a minha existência no mundo" [3].
Sem dúvidas, o isolamento prisional causa depressão e a depressão pode levar ao suicídio. Não seria a hora, então, de repensar a manutenção de presos no sistema penitenciário federal de segurança máxima? Não seria a hora de repensar o tempo de manutenção de um interno no "isolamento de vida" (isolamento extremo)?
A permanência do preso em sistema prisional de regime federal, dada a excepcionalidade, é tratada pela Resolução 502/2006 do Conselho de Justiça Federal e pela Lei 11.671/08 [4], que dispõe em seu artigo 10°, in litteris:
"Artigo 10 — A inclusão de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima será excepcional e por prazo determinado.
§1º O período de permanência será de até três anos, renovável por iguais períodos, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência, e se persistirem os motivos que a determinaram. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) §2º Decorrido o prazo, sem que seja feito, imediatamente após seu decurso, pedido de renovação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, ficará o juízo de origem obrigado a receber o preso no estabelecimento penal sob sua jurisdição.
§3º Tendo havido pedido de renovação, o preso, recolhido no estabelecimento federal em que estiver, aguardará que o juízo federal profira decisão.
§4º Aceita a renovação, o preso permanecerá no estabelecimento federal de segurança máxima em que estiver, retroagindo o termo inicial do prazo ao dia seguinte ao término do prazo anterior.
§5º Rejeitada a renovação, o juízo de origem poderá suscitar o conflito de competência, que o tribunal apreciará em caráter prioritário.
§6º Enquanto não decidido o conflito de competência em caso de renovação, o preso permanecerá no estabelecimento penal federal".
O período de permanência em unidade federal, disposto no §1°, na inteligência do legislador originário era de 360 dias, e tal prazo foi modificado para o lapso temporal de três anos.
A reiteração de renovação de permanência de preso em regime prisional diferenciado, diga-se, presídio federal, além de afrontar os princípios subjetivos da pena (progressividade de regimes e reinserção gradativa a sociedade), viola também o seu caráter ressocializador e reeducador, violando diversos direitos constitucionais e de tratados internacionais [5].
Conforme dispõe a Lei 11.671/08, os benefícios, a transferência e permanência ou prorrogação do interno em unidade federal serão decididos por órgão colegiado de juízes, in verbis
"Artigo 11-A — As decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, à concessão ou à denegação de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal poderão ser tomadas por órgão colegiado de juízes, na forma das normas de organização interna dos tribunais" (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) tem se manifestado no sentido de que a progressão e o livramento condicional são incompatíveis com o sistema prisional federal, violando dispositivos insculpidos na Lei de Execução Penal (LEP), bem como são uma violação aos direitos humanos, fato que torna a pena cruel e degradante, podendo se configurar, ainda, como tortura, que é o dano físico e mental deliberado causada pelos governos contra os indivíduos para destruir a personalidade individual e aterrorizar a sociedade, segundo o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Ressalta-se que tal tratamento é vedado pela CFRB [6].
Conforme preleciona o artigo 5, inciso XLVII, da Constituição Federal de 88, não haverá penas cruéis [7], item "e", tampouco de morte, item "a". Aqui há flagrante afronta ao texto constitucional, pois a simples degradação psicológica de não um, mas diversos penitentes, já torna cruel a pena cumprida em penitenciária federal.
Noutro giro, a derivação da crueldade do cumprimento de pena em unidade federal resulta em diversos casos em suicídio, ou seja, morte — perda da vida pela segunda vez, dessa vez é a perda da vida material [8]. Nesse diapasão, a pena em regime federal é cruel e se transformou em pena de morte para aqueles que forem acometidos de enfermidade mental no decurso do cumprimento de pena, transformando a execução de pena em pena de execução, violando o texto constitucional e tratados internacionais do qual o Brasil é signatário.
Além disso, as reiteradas prorrogações de permanência do penitente em regime federal violam o artigo 5°, inciso XLIX da Constituição Federal [9], visto que desrespeitam a integridade física e moral do penitente.
Se não diversas violações do texto constitucional cometidos pelas reiteradas prorrogações de permanências dos penitentes em regime federal que se utiliza a máxima do senso comum "o preso tem direito a não ter direitos", também estão presentes as violações de tratados internacionais de direitos humanos [10].
No que tange aos tratados internacionais, cumpre ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em controle de convencionalidade, dispõe:
"Os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil são também (assim como a constituição) paradigma de controle de produção normativa doméstica. É o que se denomina controle de convencionalidade das leis, o qual pode se dar tanto na via de ação (controle concentrado) quanto pela via de exceção (controle difuso)" [11].
Nesse sentido, os tratados internacionais têm força supralegal e infraconstitucional [12], pois já foi superado o entendimento de que têm hierarquia constitucional [13], pois têm valor de emenda constitucional e devem ser seguidos fielmente pelos poderes da União.
A manutenção de preso no sistema penitenciário federal acima de uma condução e uma recondução é transformar o caráter da pena e transformar a execução da pena em pena de execução, além de violar o princípio da legalidade.
Ante o exposto, resta claro que o isolamento causado pela inclusão de preso em cumprimento de pena em penitenciária federal causa degradação psicológica nos internos, fator que pode gerar diversas doenças mentais e levar tais penitentes a cometerem o suicídio.
Ressalta-se que o fato de haver tratamento médico, psiquiátrico e psicológico em tais unidades, bem como a ministração de remédios, não impede que haja a degradação mental dos penitentes [14].
Dessa forma, assim como entendeu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em visita ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, aqueles que cumprem pena degradante, em que deve-se incluir as unidades federais, devem ter o computo em dobro no cálculo de cumprimento de pena, devido ao alto grau de lesividade à saúde mental, pois causa doenças mentais, que necessitam de tratamento com a administração de remédios controlados, que podem ter efeitos colaterais e reflexos negativos com o passar do tempo.
Dessa forma, tal cumprimento de pena é lesivo à saúde mental, causando desde doenças de ansiedade até depressão, diabetes etc., podendo chegar ao estágio de depressão aguda e levar o penitente a ceifar a própria vida, cometendo suicídio.