OS CRIMES CONTRA A HONRA DO STF

Por Welington Arruda -  

Depois de muita espera e ansiedade, o decano do STF, ministro Celso de Mello, divulgou o vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, no Palácio do Planalto. O ministro adotou critérios cautelares que garantiram a manutenção do sigilo das partes do vídeo que versavam sobre as relações do Brasil com outros países. 

A divulgação desse material, segundo o ex-ministro Sergio Moro, comprovaria que o presidente da República, Jair Bolsonaro, tinha a intenção irrestrita de aparelhar e interferir diretamente na Polícia Federal. 

O vídeo divulgado demonstrou de fato que o presidente estava descontente com a situação da Polícia Federal — deixando claro em alguns momentos que aquilo precisaria mudar imediatamente. Muito embora as atenções estivessem voltadas ao que poderia ter sido dito pelo presidente da República, nos parece que o ministro Abraham Weintraub roubou para si a atenção, ao menos dos ministros do Supremo Tribunal. 

Em dado momento da reunião, visivelmente irritado com a atuação da Suprema Corte, o ministro da Educação atacou o STF, dizendo que desejaria colocar "esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF". 

A frase, em princípio, pode ser capitulada como um crime contra a honra, bem jurídico tutelado pelo Estado, mais precisamente pelo Código Penal brasileiro, que em seu capítulo V define os crimes que atingem a integridade ou incolumidade moral da pessoa humana. 

A honra nada mais é do que "o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome e a reputação". 

A Constituição Federal de 1988 garantiu em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade à honra, sob pena de indenização, quando nos presenteou com o seguinte texto: "X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". 

Há no Direito pátrio uma distinção entre a honra como dignidade, que está ligada ao sentimento pessoal de respeito aos atributos morais, como honestidade e bons costumes, da honra como decoro, que de igual importância está ligada à ideia, ou ao sentimento pessoal de qualidade do homem médio, como os atributos físicos, intelectuais e sociais, todas qualidades essenciais à vida e convívio social. 

Há uma singela distinção entre a chamada honra subjetiva, aquela ligada ao sentimento próprio e ao juízo que cada um faz de si, e a honra objetiva, que envolve o meio social e o juízo que fazem do indivíduo na sociedade ou no grupo a ele pertence. Todavia, seja honra subjetiva ou objetiva, fato é que o rol de crimes contra a honra no Código Penal visa a resguardar a incolumidade individual de cada cidadão. 

A calúnia, capitulada no artigo 138 do Código Penal, visa resguardar a honra objetiva de qualquer pessoa, e para que esse crime ocorra há a necessidade de ter uma "imputação de fato determinado". Esse "fato determinado precisa ser qualificado como crime" e "a imputação precisa ser falsa". 

A difamação, capitulada no artigo 139 do Código Penal, é a situação em que alguém propaga um fato que atente contra a reputação de outrem, ou seja, a ofensa precisa estar diretamente ligada à boa reputação da vítima, e nesse caso não importará se a informação é verdadeira ou não, desde que ela tenha força suficiente para ofender a honra e a reputação de quem quer que seja. 

E a injúria é o ato de atribuir a alguém uma qualidade negativa, ofensiva a sua dignidade ou ao seu decoro. Diferentemente da calúnia, na injúria não se fala em fato determinado, uma vez que a manifestação deve ser desrespeitosa em relação à vítima, atribuindo-lhe, inclusive, valores demeritórios, que ofendem diretamente sua pessoa ou a sua honra subjetiva. 

Parece-nos claro que o ministro Abraham Weintraub afrontou diretamente a honra subjetiva de cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal chamá-los de "vagabundos". 

Dessa forma, lembramos que os crimes contra a honra, artigos 138, 139 e 140, calúnia, difamação e injúria, respectivamente, não têm como objetivo expor a honra alheia a perigo, mas, sim, causar uma efetiva lesão à tutela jurídica do Estado. Assim, para a configuração desses crimes não é necessário efetivo dano à reputação da vítima, sendo suficiente macular a honra ou o decoro individual de cada ministro. 

Importante lembrar que ministros de Estado não têm as imunidades parlamentares que lhes garantem manifestar opiniões criminosas contra quem quer que seja, possuindo apenas a prerrogativa de foro, o que faz com que possam ser responsabilizados por suas opiniões e manifestações. 

O saudoso e então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, referindo-se ao então ministro Romero Jucá, uma vez disse: "Ele não tem imunidade divina pelo fato de ser ministro". 

Destaca-se, por sua vez, que a ação penal nos crimes de calúnia, difamação e injúria, como regra geral, é de exclusiva iniciativa privada (artigo 145, do CP), ou seja, o ofendido é que precisa promover a ação judicial, todavia, ela será pública condicionada (artigo 145, parágrafo único) quando: I) praticada contra presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (com requisição do ministro da Justiça); e II) contra funcionário público, em razão de suas funções (com representação do ofendido), o que nos parece ser o que mais se encaixa para o caso.  

Significa dizer que os ministros do STF, individualmente, caso tenham se sentido ofendidos e queiram responsabilizar criminalmente o ministro da Educação, poderão oficializar um termo de representação criminal ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que dará início à persecução penal. 

A guerra de ideias e acusações políticas está só começando, ainda que em meio a uma pandemia de Covid-19. Esperamos que ao término de tudo não descubramos que estávamos em uma guerra pírrica e que nada sobrou deste país tão maravilhoso.

 

 

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