Porte de arma funcional para Advogados – posição contrária

Fernando Neisser -  

Tramita em caráter terminativo na Câmara dos Deputados o PL 704/2015, de autoria do Dep. Ronaldo Benedet, que insere como direito do advogado o porte de arma de fogo. Depois de receber parecer favorável na Comissão de Segurança Pública, o projeto seguiu para a CCJ, na qual aguarda manifestação. 

Dois argumentos principais sustentam a proposição: a defesa pessoal dos advogados, ante os riscos envolvidos na profissão, cujos membros por vezes são alvo de ataques armados; bem como a garantia da isonomia em relação aos membros do Ministério Público e da Magistratura, categorias que já detêm este direito. 

Contrários ao mérito da proposição, buscaremos aqui, de modo breve, explanar as principais razões que recomendam a rejeição do projeto de lei. 

O primeiro argumento nasce de uma falsa percepção que afeta muitos de nós, a do suposto incremento de segurança trazido pela posse de uma arma. De modo intuitivo, tendemos a minimizar os riscos envolvidos, maximizando os benefícios. Cremos ter domínio sobre este tipo de equipamento, bem como vislumbramos que ante uma ameaça, lograríamos reagir de modo eficaz, neutralizando-a. Acidentes estariam reservados apenas ao outro, menos destros no manejo da arma. 

Ledo engano. Quando diante de sentimentos intuitivos como estes, nada melhor que nos socorrermos de dados empíricos, obtidos em pesquisas realizadas com centenas, milhares de pessoas. É preciso racionalizar a questão e admitir que aquilo que os números mostram tende a ser o melhor para a sociedade. 

A retirada de circulação do maior número de artefatos possível contribui para reduzir os homicídios praticados com armas de fogo. O Mapa da Violência 2016 mostra que o Estatuto do Desarmamento evitou 133.987 mortes entre 2004 e 2014. O Atlas da Violência, do IPEA, aponta que se não tivesse havido a restrição, entre 2011 e 2013 teriam ocorrido pelo menos 77.889 homicídios no Brasil, ou 41% a mais do que o observado.

Pesquisa feita em São Paulo mostra uma substituição relevante. Ante a redução do número de armas à disposição, tem-se uma maior incidência de lesões corporais, com a correlata redução do número de homicídios. Os crimes, conquanto graves, se tornam menos violentos, com consequências igualmente menos lesivas. 

Estudos realizados nos Estados Unidos apontam cenário igualmente grave. Em comparação com pessoas desarmadas, aquelas de posse de uma arma de fogo têm uma chance 4.46 vezes maior de tomarem um tiro em um assalto; 4.23 vezes maior de morrerem em decorrência desse tiro. 

Quando a comparação se dá entre os estados norte-americanos com taxas mais altas e mais baixas de propriedade pessoal de armas de fogo, aponta-se uma incidência de homicídios 2.48 vezes maior nos primeiros, enquanto a de roubo armado chega a 6.77 vezes mais. 

Outro problema que se agrava são os acidentes domésticos, com as crianças como suas maiores vítimas. Estima-se que uma criança entre 5 e 14 anos, nos Estados Unidos, tenha onze vezes mais chance de morrer em decorrência de um tiro do que aquelas de igual idade em países desenvolvidos com menor número de armas em circulação. Um cidadão tem um risco seis vezes maior de sofrer um acidente fatal com arma de fogo se residir em um dos quinze estados norte-americanos com maior número de armas nas mãos das pessoas. 

Estima-se, ainda, que apenas 3% dos homicídios praticados nos Estados Unidos são levados a cabo pelo proprietário que adquiriu a arma. Isso demonstra que por meio de furtos, roubos ou até mesmo compras ilícitas, as armas acabam chegando às mãos dos criminosos. Entre 1999 e 2005, 72% das armas usadas em crimes no Rio de Janeiro haviam sido compradas legalmente e desviadas para fins deletérios. 

Como podemos ver, a presunção de aumento da segurança não resiste ao teste da realidade. A posse de uma arma aumenta os riscos para os que as utilizam, para seus familiares e amigos, bem como para toda a sociedade, servindo de fonte inesgotável de suprimentos para os criminosos. 

Também o segundo argumento não convence, quando se questiona um suposto tratamento desigual entre advogados, promotores e juízes, em razão do direito assegurado aos dois últimos grupos de portarem armas fogo. 

A igualdade que deve viger entre as principais classes de operadores do Direito é aquela prevista no art. 6º do Estatuto da OAB, sendo claro que não há hierarquia ou subordinação entre eles, “devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos”. 

Não se consegue vislumbrar, contudo, em que medida a posse de uma arma de fogo garante superioridade hierárquica ou implica subordinação a alguém, a não ser quando se vive no estado de natureza, sob a lei do mais forte. Um médico, arquiteto ou estudante não é subordinado ao policial militar que faz a ronda na vizinhança, tanto quanto o advogado não o é em relação ao juiz que conduz a audiência. 

Tampouco se pode falar em ausência de consideração e respeito recíprocos entre armados e desarmados, sob igual risco de estarmos a defender uma sociedade na qual a força e a ameaça sejam o padrão de equiparação das classes jurídicas. 

A bem da verdade, magistrados e membros do Ministério Público detêm uma série de direitos e prerrogativas que decorrem das peculiaridades de seus misteres, aos quais, aliás, atrelam-se também deveres e vedações. Vitaliciedade e inamovibilidade, de um lado; vedação da obtenção de outras fontes de rendimento e do exercício de atividade político-partidário de outro. 

Não se ouve que a advocacia exija para si a fixação de metas de produtividade, como aquelas impostas pelo CNJ à magistratura. De igual modo seria descabido que advogados pleiteassem que o Estado lhes disponibilizasse veículos oficiais, na medida em que Desembargadores e Ministros deles dispõem. 

Conforme se pode notar, a posse de armas de fogo pelos advogados mostra-se perniciosa e desnecessária. Não melhora a segurança da advocacia, contribuindo para tornar a sociedade ainda mais violenta. 

O grave problema dos homicídios de advogados deve sim ser enfrentado, mas pelo Estado, responsável único pela segurança pública, que deve ser continuamente pressionado a tanto por uma classe advocatícia unida e pacífica.

 

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