Prescrição, incompetência e ratificação de atos processuais penais no CPP

Patrícia Viana Ferreira -

Grande parte da doutrina (Pacelli, Nucci, Aury Jr., Grinover, Scarance, Magalhães G. Filho entende que o artigo 567 do CPP aplica-se exclusivamente às hipóteses de incompetência relativa, um vez que nos casos de incompetência absoluta o princípio constitucional do juiz natural imporia a anulação do processo como um todo, incluindo atos decisórios e probatórios.

Contudo, alegar que os atos do juiz incompetente são imprestáveis é o mesmo que despir esse juiz dos predicados da magistratura, como se juiz não fosse, tornando inexistentes os atos que são apenas inválidos, uma vez que praticados por órgão dotado de jurisdição, mas em desconformidade com o modelo legal.

Por conseguinte, a jurisprudência sempre entendeu que, mesmo para os casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam nulos, sendo possível, dessa maneira, o aproveitamento dos atos não decisórios, como os atos probatórios em geral, mediante ratificação pelo juiz competente.

Posteriormente, com o julgamento do HC 83.006/SP pelo Supremo, decidiu-se que até mesmo o ato decisório de recebimento da denúncia poderia ser ratificado, ficando claro da leitura do inteiro teor que a ratificação desse ato foi interpretada como forma abreviada de reprodução de atos processuais, de modo que a ratificação da denúncia pelo Ministério Público seria reiteração da acusação e o recebimento dessa nova acusação, novo ato processual praticado agora pelo juiz natural.

Daí porque há consenso na doutrina e jurisprudência quanto à interrupção da prescrição da pretensão punitiva somente quando do recebimento da denúncia pelo juízo competente, sob o fundamento de que o recebimento da denúncia, quando efetuado por órgão judiciário absolutamente incompetente, não se reveste de eficácia interruptiva da prescrição penal, eis que decisão nula não pode gerar a consequência jurídica a que se refere o art. 117, I, do Código Penal.

O ato de recebimento da denúncia pelo juiz competente, ainda que na forma de ratificação de ato praticado anteriormente, precisa ser considerado novo ato, com a produção natural de efeitos prospectivos, porque se refere ao reconhecimento da viabilidade da pretensão punitiva estatal pelo juiz legalmente previsto para julgá-la, conferindo automaticamente ao Estado a integralidade do prazo prescricional para que dê cabo dela.

Os demais atos processuais, desde que convalidados, podem produzir os efeitos jurídicos próprios que deles emanam, ressalvando-se aqueles não ratificáveis pela sua própria natureza, como a sentença, essa se produzida pelo juiz incompetente será nula e irratificável, porque meritória, e o mérito só pode ser tocado pelo juiz natural.

Assim, a única consequência da incompetência absoluta ou relativa do juízo, ou tribunal, à míngua de qualquer demonstração de prejuízo efetivo e concreto, consiste na translacio iudicii, com o aproveitamento de todos os atos processuais, desde que ratificados pelo juiz competente e não relacionados diretamente ao mérito da causa, em homenagem aos princípios da eficiência, da duração razoável do processo e da economia processual.

Consequentemente, em se falando de prescrição, o ato de recebimento da denúncia pelo juiz competente, ainda que na forma de ratificação de ato praticado anteriormente, interrompe o curso do prazo prescricional na data em que praticado e, por sua vez, os atos praticados por juiz incompetente aplicando o art. 366 e o art. 89 da Lei nº 9.099/95, quando ratificados, são aptos a produzirem o efeito de suspender a prescrição da pretensão punitiva, conforme regência legal, posto que convalidados pelo juiz natural.

 

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