Por Pedro Ivo Velloso, Ticiano Figueiredo e Camila Crivilin -
A Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015) representou um marco importante no ordenamento jurídico brasileiro ao dar visibilidade à violência de gênero, seguindo tendência observada desde os anos 1990 na América Latina de caracterizar a violência contra mulheres como um delito específico. A norma inovou ao incluir os assassinatos motivados por discriminação de gênero ou ocorridos num contexto de violência doméstica no rol de crimes hediondos, além de prever a circunstância qualificadora no crime de homicídio.
Também contribuiu ao lado da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que acaba de completar 13 anos, para que a violência de gênero deixasse de ser vista como motivo atenuante de penas — com justificativas como as de crime passional ou contra a honra — e passasse a ser vista como agravante.
Apesar dos avanços legais, nada indica que o maior rigor penal tenha contribuído para uma diminuição efetiva nos casos de violência contra a mulher. Pelo contrário, temos assistido nos últimos anos a um perturbador aumento nas taxas de feminicídios e atos de violência de gênero no país.
O Atlas da Violência 2019 aponta que a taxa de homicídios de mulheres no ambiente doméstico cresceu 27,6% entre 2007 e 2017, indicando um claro aumento no número de feminicídios.
Na mesma linha, estudo conduzido por pesquisadores da USP, UFMG, Universidade de Toronto, Ministério da Saúde e a organização Vital Strategies aponta que o risco de mortalidade das mulheres expostas à violência vem aumentando de forma contínua. De 2011 a 2013, foram registradas 2.036 mortes de mulheres vítimas de violência, seja por assassinato, doenças ou outros eventos relacionados à exposição aos episódios violentos. De 2014 a 2016, foram 5.118 mortes.
Em uma sociedade cada vez mais penalizante e policialesca, os poderes Legislativo e Executivo têm depositado enorme confiança no Direito Penal como política pública, passando para a sociedade a falsa impressão de enfrentamento do problema. Estudos de criminologia demonstram, porém, que o Direito Penal não é capaz de evitar por si só a prática de ilícitos. Não basta imputar uma pena maior ao agressor para se verificar uma redução automática do ato que se pretende coibir.
Se a repressão penal não for acompanhada de políticas públicas para a redução da violência, como políticas de redução da desigualdade, campanhas de conscientização e de prevenção, os avanços legislativos correrão o sério risco de cair no chamado “viés simbólico” do Direito Penal. O conceito se refere a uma falsa e perigosa sensação de que a criminalidade está sendo controlada, enquanto na verdade o que se gera, no longo prazo, é a descrença da população no ordenamento jurídico.
Assim, não há como se falar em diminuição da violência contra a mulher sem políticas públicas direcionadas à igualdade de gênero e ao fim da cultura machista — questões que ultrapassam o campo do Direito Penal e demandam abordagens muito mais abrangentes, envolvendo áreas como saúde, psicologia e direitos humanos. Medidas recentes como a flexibilização do porte e da posse de armas só tendem a agravar o quadro de violência e aumentar os casos de feminicídio.
No lugar delas devem ser implementadas e reforçadas ações de conscientização, prevenção, acolhimento e acompanhamento psicológico de vítimas e agressores, visando a uma mudança comportamental sem a qual a violência não irá cessar. A punição é importante, mas não basta. É preciso que essas mortes não aconteçam mais.