Recompensa: possibilidade

Eduardo Del-Campo

A questão do oferecimento de recompensa por informações que permitam a captura de criminosos ganhou destaque no início de maio passado, quando a imprensa noticiou que o Governo do Estado de São Paulo iria iniciar o “Programa Estadual de Recompensa”, com a finalidade de incentivar a população a fornecer informações sobre notórios procurados pela polícia.

O programa, que tem por base o Decreto nº 46.505, de 21 de janeiro de 2002, só agora, 12 anos depois e em face da crescente onda de violência, passou a ser implementado. Os prêmios, no caso do Estado de São Paulo, serão administrados pelo Fundo de Incentivo à Segurança Pública - FISP, sob controle da Secretaria da Segurança Pública, observado o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Não se trata de novidade. A prática é largamente utilizada em vários países, por entidades públicas e privadas.

Nos Estados Unidos e Inglaterra, há quase 30 (trinta) anos, uma organização independente denominada “Crime Stoppers” oferece recompensas por informações que levem à captura de criminosos. Em Honduras, uma lei de recompensas foi editada em 2004. Em 2010, a Sérvia ofereceu recompensa de 10 milhões de euros por informações que permitissem a captura de um suspeito de crimes de guerra mais procurado dos Bálcãs. Em Berlim, em 2013, o Centro Simon Wiesenthal, iniciou uma campanha, com o lema: “Tarde, mas não demais”, para tentar levar aos tribunais os últimos criminosos nazistas, oferecendo até 25 mil euros de recompensa a quem fornecer informações valiosas. No mesmo ano o Ministério da Defesa colombiano anunciou uma recompensa de 50 milhões de pesos por informações sobre os responsáveis pelo atentado que fez oito mortos em Cauca, no sudoeste do país.

Nos Estados Unidos, o FBI mantém o “Rewards for Justice”, programa administrado pelo “United States Department of State’s Bureau of Diplomatic Security”, que traz em sua página da Internet uma relação dos terroristas mais procurados e respectivas recompensas, com valores que vão de U$ 100.000,00 (cem mil dólares) até U$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares), sob a justificativa expressa de que o “terrorismo mata pessoas inocentes em qualquer momento da vida. Proporcionando informações que possam prevenir um ataque terrorista, você estará salvando vidas, protegendo famílias e preservando a paz”. A relação dos procurados e de suas recompensas, pode ser encontrada no site: <http://www.rewardsforjustice.net/>.

Também no Brasil o sistema não é novo. No Rio de Janeiro, baseado na experiência internacional do Crime Stoppers, em agosto de 1995, foi criado o disque denúncia, destinado a receber informações anônimas da população sobre atividades criminosas. Campanhas de recompensa começaram, então, a ser veiculadas na imprensa, com resultados bastante significativos.

No Distrito Federal, projeto de lei aprovado em 27 de julho de 2013, estabeleceu “prêmio à pessoa que comunicar às autoridades competentes a prática de crime contra a Administração Pública do Distrito Federal, de que resulte a efetiva recuperação de valores do Erário”.

Sistemas semelhantes já operam em Pernambuco, no Paraná e em outros estados da Federação.

Há, ainda, casos em que a recompensa é oferecida por particulares, como ocorreu, recentemente, na Bahia, pela família de um advogado sequestrado.

Terroristas, corruptos, criminosos de guerra, integrantes do crime organizado ou da criminalidade comum. Muda o foco, dependendo do problema local, mas o sistema continua o mesmo. A estratégia tem por meta estimular a população a denunciar criminosos e auxiliar o Poder Público na resolução de crimes.

Para os defensores da medida, a simples oferta de uma recompensa, aliada ao anonimato, leva a imprensa a se interessar pelo fato, gerando notícia, o que causa um “efeito devastador para o criminoso, na medida em que desestabiliza seu ambiente e o faz se locomover”.

Os detratores geralmente alegam que, “por ser obrigação de todo cidadão agir contra o que é errado, recompensar quem age corretamente não é uma atitude ética”; que “retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para um delator é desviar o dinheiro duas vezes”; que “a medida é inconstitucional porque ofende o princípio da Moralidade Administrativa” e que “pagar pela delação pode acender uma onda de denuncismo irresponsável com consequências danosas para pessoas inocentes”.

As críticas não procedem.

Como vimos, o oferecimento de recompensas é prática utilizada em diversos países e com bons resultados.

Três pontos devem ser considerados:

Em primeiro lugar, muito embora agir contra o que é incorreto seja um dever cívico, não é uma prática isenta de riscos. Mesmo em se tratando de denúncia anônima, há sempre um perigo que deve ser considerado. A recompensa, nesse sentido, serviria como estímulo suficiente para que pessoas com informação pertinente abandonem a inércia produzida pelo medo.

Nesse sentido, editorial do jornal a Folha de São Paulo, publicado em 9 de agosto de 2013, tratando especificamente dos casos de corrupção e  admitindo os riscos envolvidos na denúncia, asseverou: “Para combater o crime com mais eficiência, os múltiplos e variados esquemas de corrupção e o crime organizado, a sociedade precisa reconhecer que, dentro de certos limites, determinadas medidas pragmáticas constituem um avanço”.

Em segundo lugar, existem aqueles que não acreditam nos poderes constituídos. Não levam às autoridades informações importantes que possuem porque não creem que serão bem utilizadas. Para esses, a recompensa constitui um estímulo externo, capaz de fazê-los agir.

Por último, e não menos importante, a recompensa instala a cizânia no seio da própria criminalidade, pois sempre existe a possibilidade e o receio de um criminoso ser traído pelos próprios comparsas.

A promessa de retribuição financeira não difere ontologicamente da delação premiada, que há muito integra nosso ordenamento jurídico, e que, em termos éticos, é muito mais reprovável, já que o autor de um crime, beneficiando-se da própria torpeza e para aliviar sua punição pessoal, aponta os demais envolvidos.

Também não difere muito da famosa “Nota Paulista” onde o contribuinte, que tem, em princípio, obrigação e interesse na fiscalização do recolhimento de impostos, acaba recebendo um estímulo extra para fazer aquilo que deveria fazer por obrigação de cidadania, ou seja, exigir a nota fiscal.

Assim, como nada é pior que a impunidade e como a sociedade tem interesse no esclarecimento e na aplicação efetiva da lei aos crimes cometidos, a promessa de recompensa não só é uma ferramenta lícita como tem contribuído e muito para a resolução rápida de casos específicos.

A recompensa não é imoral ou ilegal. É apenas a outra face da sanção. É o reconhecimento de que os deveres da cidadania, por vezes, para ser eficazmente exercidos, dependem de estímulos extras, positivos ou negativos.

Talvez a sociedade atinja, um dia, tal grau de evolução que esses estímulos não sejam mais necessários. Nesse momento ideal, entretanto, não haverá mais crimes a delatar.

 

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