Nadir de Campos Jr.
Causou enorme espécie no meio judiciário e acadêmico a posição de Suzane Louise Von Richthofen, 30, que mesmo sendo beneficiada pela Juiza da 1ª. VEC de Taubaté, recusou benefício auferido por advogados, que teriam comprovado os requisitos objetivo (cumpriu 12 anos da pena no regime fechado) e subjetivo (bom comportamento carcerário comprovado pelo Diretor do Presídio) para a progressão penal, que autorizado, foi recusado pela executada.
De acordo com a assessoria de imprensa do TJ/SP, a manifestação de vontade foi feita pela própria condenada, sem intermediação de seus advogados. As motivações do pedido não foram divulgadas pelo Judiciário. Sabe-se que Suzane mantém bom convívio com as demais presas e trabalha no presídio de Tremembé (cf., Folha de São Paulo – Cotidiano – pg. C5, de 20/08/14).
O caso concreto nos trás à reflexão os contornos de fato e de direito que contextualizam a matéria discutida. Entendemos não haver maiores dificuldades em se concluir pela vedação que uma pena do condenado em regime fechado, possa ser objeto de escolha, suplantando interesses de profissional da área jurídica que obteve o benefício da progressão penal para o regime semi-aberto.
As razões de fato, embora não reveladas pela assessoria do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista, sabe-se, restringem-se ao “medo” da condenada em sair para trabalhar na rua e voltar ao sistema prisional para dormir à noite, acrescentando-se que a mesma tem ciência de que está em vias de ser inaugurado no local onde cumpre a reprimenda penal, sistema semi-aberto.
Entretanto, do ponto de vista legal, mister reconhecer que nos termos do artigo 112 da Lei de Execuções Penais: “A pena será cumprida em forma progressiva”.
É bem certo que a interpretação emprestada pela doutrina à expressão “será” não é a mesma dada aos artigos 77 e 83 do CP, quando trata da suspensão condicional da pena e do livramento condicional, respectivamente, a indicar direito subjetivo do sentenciado ou condenado, ou seja, obrigação do juiz em conceder o benefício, e faculdade quanto aos parâmetros legais de sua concessão.
Nesse sentido:
“A lei não deixou escolha para o juiz e muito menos para quem se encontra para progredir, se um preso preencher os requisitos legais obrigatoriamente ele deve ser transferido para o regime menos gravoso. Essa transferência não esta condicionada à vontade do preso.
Essa obrigação extraída da norma nos permite ainda uma outra análise. O Brasil adotou o sistema progressivo de cumprimento de pena, significa dizer que por mais grave que tenha sido o crime praticado (incluindo os hediondos) e mais elevada tenha sido sua pena, uma hora ou outra esse condenado será novamente solto. O que fará a diferença no caso é justamente a forma com que ele alcançará essa liberdade.
A vantagem do sistema progressivo de cumprimento de pena esta justamente no fato de ir aos poucos reinserindo aquela pessoa que estava completamente afastada da sociedade, permitindo que ela seja reinserida no meu social sem susto. Como o Brasil não adota a pena perpétua, isso que dizer quem ninguém ficará preso para sempre, daí a importância de se analisar tais questões” (in, – A progressão do regime é uma escolha do preso! - Fabrício da Mata Corrêa, Jus Brasil).
Concluiu que:
“Mas uma coisa é certa, o preso enquanto reeducando no sistema ele “pertence” ao Estado que é quem deve primordialmente respeitar todos os seus direitos. Direitos esses, que em muitos momentos acabam confundidos na neblina causada pelos direitos humanos e acabam sendo entendidos apenas como a vontade dos presos, mas que não deve ser assim. A progressão é sim um direito dos presos que deve ser respeitada e aplicada pelo Estado quer queriam quer não” (matéria cit.).
Mas a orientação pretoriana, considerando o princípio da individualização da pena (art. 5º. Inciso LIII, CF), vai no sentido contrário, considerando inconstitucional a vedação à progressão do regime, prevista na lei dos crimes hediondos.
Por outro lado, pessoa humana, à interpretação da Carta Magna num contexto do princípio da dignidade “pertence” ao Estado. Nem se diga, “ad argumentandum tantum”, que a falta de vagas no regime fechado impede que alguém sinalize não querer a progressão conquistada por seu defensor. O que se impede, é que o preso fique eternamente à espera de vaga no regime semi-aberto, cumprindo pena no regime fechado.
Não se pode falar de “medo” quando é dado pela Juíza Sueli Armani, laudo psiquiátrico que aponta na executada “egocentrismo elevado, conduta enfatizada, possibilidade de descontrole emocional, personalidade narcizista e manipuladora, agressividade camuflada e onipotência”, mas manter Suzane em regime fechado, diante desses traços negativos, argumentou a mesma Juíza, vai contra a lei que prevê progressão da pena para os presos.
Entretanto, o “medo” de Suzane é outro. Embora não tratada no processo criminal, a matéria foi objeto de discussão jornalística na época do julgamento da hoje condenada, apontando para querelas ligadas aos interesses financeiros que mageavam a conduta criminosa imputada à mesma:
“Promotores Públicos desconfiam que estão no nome dela duas bem fornidas contas num banco suíço. Uma denúncia encaminhada aos MPs Federal e Estadual dá como certo, que as contas 15.616 e 15.6161 aberta em 1.988 no Discount Bank and Trust Company (DBTC), atual Union Bancaire Privêe, pertençam a família Richthofen. Estima-se que essas contas abriguem pelo menos dez milhões de euros... Os promotores desconfiam que essas contas estejam em nome de Suzane. Se essa impressão se confirmar, acreditam que a condenada tem boas chances, uma vez em liberdade, de manter seus direitos sobre elas e a fortuna nelas guardada” (in, Revista Isto É, 15/11/2006, pgs. 78/79). Os Promotores foram processados no TJ/SP.
O receio de Suzane Louise Von Richthofen, neste diapasão, está muito mais ligado aos interesses ocultos, mas certamente de natureza financeira, que adornam o crime de repercussão internacional, do que propriamente, qualquer receio que um preso tenha de se adaptar a um regime prisional menos gravoso, depois da prática de crime doloso contra a vida de seus próprios pais.
Não se deve olvidar que a doutrina tem se inclinado em apontar, a garantia do princípio constitucional específico da amplitude de defesa (art. 5º., inciso XXXVII, alínea “a”, CF), o que pressupõe direito de conhecimento amplo da acusação, o direito de apresentar tese nova em tréplica e “o direito de apresentar tese defensiva distinta da apresentada por seu defensor constituído”.
Mas é preciso firmar entendimento de que: “seja no momento da sentença ou no cumprimento da pena, deve ser entendido como uma imposição do Estado que o preso deve receber como parte da sua pena. Ele não escolhe pena e muito menos opinar sobre o regime prisional”
E no caso em apreço, as garantias constitucionais em que se subsumem a ampla defesa, a amplitude de defesa e contraditório, são expressas, garantido o direito social, na verdade, mais em razão da vedação da progressão do regime de cumprimento da pena para condenados que ostentam o perfil psicológico apontado no laudo que avaliou Suzane Louise Von Richthofen.
Concluindo, as querelas extra-autos, que envolveram a morte do casal Manfred e Marisa Von Richthofen não podem servir de parâmetro para solução de todos os casos. Mas, não se mostrar lícito que alguém, condenado por crime tão grave, possa em razão de seus interesses eminentemente pessoais, escolher o melhor momento para progredir (inclusive por saltos) de regime, sob pena de violação do princípio maior da igualdade dos cidadãos perante a lei.
E segundo a melhor orientação doutrinária, igualdade de status jurídico significa que todas as pessoas, tendo em vista sua igual dignidade, devem gozar da mesma condição jurídica, SEM PRIVILÉGIOS de qualquer natureza. É o que se costuma designar como isonomia, ou igualdade de todos perante a lei (in, Fábio Konder Comparato – Parecer sobre o Princípio da Igualdade, pg. 01).