Se a Pessoa Jurídica é responsável por crimes ambientais, também o é por outros delitos

Guilherme Nucci -

Acompanha-se o desenvolvimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica na doutrina e na jurisprudência há muito tempo; particularmente, a partir de 1988, quando o artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, dispôs: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Embora de leitura e interpretação cristalina, autorizadora da responsabilidade penal da pessoa jurídica, houve (e há) os penalistas contrários à letra da Constituição Federal. Invocando preceitos doutrinários, negam efeito ao referido parágrafo.

 

Chega a ser interessante, pois hoje os tribunais (incluindo o Supremo Tribunal Federal) acolhem, em maioria, a referida responsabilidade penal. E mais interessante é o disposto no artigo 173, parágrafo 5º: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Ora, está mais que aberta a porta para a pessoa jurídica ser penalmente responsável por crimes econômicos, financeiros e contra a economia popular. Afinal, a pessoa jurídica já responde, com as punições compatíveis, pelos delitos ambientais.

 

E o legislador, embora aja de modo camuflado, após a edição da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), fixou a responsabilidade penal (chamada ingenuamente, no texto legal, de “responsabilidade judicial”) da pessoa jurídica nos crimes de corrupção.

 

Pensamos ser momento de reflexão autêntica no Direito Penal brasileiro, seguindo os passos desejados pela sociedade, representada pelo Parlamento. Se a pessoa jurídica já responde por crimes ambientais, por que não pode responder por outros? Crimes, aliás, perfeitamente compatíveis com a autoria de quem está atuando no mercado econômico-financeiro e lidando com consumidores, tomando por base o mencionado artigo 173, parágrafo 5º, da Constituição Federal.

 

Sob outro prisma, no campo dos delitos contra a honra, a pessoa jurídica passou a ser sujeito passivo do crime de calúnia, ao menos no tocante aos delitos ambientais. Muitos penalistas (e julgados) já consideram ser viável que a pessoa jurídica figure, também, como sujeito passivo do crime de difamação.

 

Agora, estende-se a questão: pode a pessoa jurídica ser sujeito ativo de crime contra a honra, particularmente calúnia e difamação, que atribuem fatos negativos a terceiros? Parece-nos que sim. Afinal, a pessoa jurídica pode cometer crimes ambientais, de modo que poderia caluniar outra pessoa jurídica, atribuindo-lhe a falsa prática de delito igualmente ambiental. O mesmo substrato para garantir a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos delitos contra o meio ambiente pode ser utilizado para demonstrar a viabilidade de uma pessoa jurídica cometer calúnia e difamação contra particulares ou outras empresas.

 

Ilustrando, pode publicar em veículo de comunicação um texto atribuindo uma lesão ambiental à sua concorrente, também pessoa jurídica, sabendo ser esta inocente. Ademais, quem age, pela pessoa jurídica, são as pessoas físicas que a compõem. A vontade desse conjunto de seres humanos termina por formar a vontade da pessoa jurídica, nada afastando a autenticidade dessa vontade consciente de praticar o tipo penal incriminador. Logo, é perfeitamente viável o dolo e até mesmo o elemento subjetivo específico.

 

Surge peculiar questão para se debater: se a pessoa jurídica tem condições ativas legítimas de figurar como autora de crimes ambientais, pode, sem dúvida, ter as mesmas condições para outros delitos, como os pertinentes à sua prática diuturna (crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor).

Se a pessoa jurídica pode ser caluniada pela prática indevida de crimes ambientais, parece-nos viável que atue, igualmente, como sujeito ativo de calúnia contra outra pessoa, seja física ou jurídica.

 

Se parte da doutrina brasileira, a despeito de nítida previsão de responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes ambientais (artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal), nega essa responsabilidade, torna-se, a contrário senso, perfeitamente adequado sustentar que, autorizada pela Constituição Federal, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para delitos ambientais, por interpretação extensiva, está também legitimada para outros crimes, dependendo apenas da análise do caso concreto.

 

Tudo isso merece o cômputo da previsão formulada pelo artigo 173, parágrafo 5º, da mesma Constituição Federal, que delegou à lei ordinária a possibilidade de chamar a pessoa jurídica para os crimes econômicos, financeiros e contra o consumidor. Para dizer o mínimo.

 

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