SOBRE A REVISÃO DA NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

Por Leonardo Couto e Maycon Ferreira -  

Breve introdução sobre a nova sistemática do artigo 316 do CPP

A Lei nº 13.964/2019, conhecida também como lei "anticrime", trouxe diversas alterações no cenário criminal brasileiro e abordou, mesmo que de forma superficial, temas importantes dentro da perspectiva processual e material. Consequentemente, face a magnitude dos temas tratados, recebeu certos elogios e duras críticas de grandes nomes da doutrina brasileira.

Abordando especificamente o cenário processual, a referida lei trouxe uma importante modificação no artigo 316 do Código de Processo Penal. Logo, diante da vigência do ato normativo, o artigo mencionado recebeu nova redação.

Redação anterior: "Artigo 316 — O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem".

Nova redação: "Artigo 316 — O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal".

De maneira expressa, o pacote "anticrime" instituiu na legislação processual a indispensabilidade de reavaliar a necessidade da prisão cautelar a cada 90 dias. Obrigação esta que recai, inicialmente, ao magistrado da primeira instância, que poderá efetuá-la de ofício, isto é, sem requerimento dos interessados e com a devida fundamentação, observando as provas concretas previstas nos autos, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Considerações sobre a prisão preventiva no presente cenário

Feita essa introdução, é importante entender, neste primeiro momento, o que motivou o Poder Legislativo, em sua função típica, a modificar o artigo 316 do CPP. É importante trazer ao debate os números divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em 2020.

Em termos práticos, os presos provisórios — que ainda não tiveram suas sentenças transitadas em julgado — constituem 253.963, totalizando 33,47% do total da população carcerária. Esses aprisionados representam o segundo maior contingente, perdendo apenas para os presos no regime fechado, que já possuem sentença condenatória com o trânsito em julgado e representam 45,92% do efetivo. Face essas informações, surge o seguinte questionamento: será que todos esses indivíduos precisam permanecer presos cautelarmente?

Fazendo apenas um breve recorte conceitual, é indispensável esclarecer que a prisão preventiva só pode ser decretada se encontrados alguns requisitos no caso concreto. Entre eles, a preservação da ordem pública e a conveniência da instrução criminal. É de suma importância destacar que a prisão preventiva não tem a função de penalizar o indiciado ou até mesmo o sentenciado, pois, caso assim fosse, seria uma afronta ao princípio presunção de inocência prevista no artigo 5º LVII da Constituição Federal.

Na maioria dos casos, é preciso esclarecer, até a nível social, que o juiz não é agente de segurança pública e muito menos herói no combate ao crime organizado. Na verdade, a sua função principal é conduzir o processo com base na Constituição Federal e nos demais atos normativos, sopesando adequadamente as provas com imparcialidade para ao final formar o seu convencimento.

É importante destacar que a liberdade é a regra. Consequentemente, manter um indivíduo solto durante o decorrer do processo criminal não é, necessariamente, impunidade. Pelo contrário, o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que as provas precisam ser contemporâneas — atuais — para demonstrar a necessidade da prisão. Logo, o risco de reincidência não pode ser o único motivo para fundamentar a preventiva.

Nesse sentido, o intuito do legislador infraconstitucional ao estabelecer o prazo de 90 dias para revisar a necessidade da manutenção da prisão preventiva é diminuir o encarceramento desnecessário e, em diversos casos, o esquecimento do indivíduo que não possui recursos para constituir um advogado particular, visto que a prisão preventiva não possui prazo estabelecido em lei.

O pacote "anticrime" buscou, nesse caso, dar maior paridade de armas aos acusados que em diversas ocasiões foram vistos como simples figurantes a espera do jus puniendi do Estado. O intuito é trazer uma consciência aos envolvidos para que todos tenham um papel e uma função, que quando desempenhados de forma errônea podem acarretar diversos prejuízos a parte mais vulnerável dessa relação: o indivíduo.

Essa situação é o ponto-chave do tema, pois o Poder Judiciário não consegue revisar de ofício a prisão preventiva daqueles que não possuem advogado patrono para provocar o juiz ou desembargador responsável. Não é utopia pensar que diversos casos o preso preventivo já poderia estar em liberdade, vivendo junto com seus familiares, mas sofre com o esquecimento por parte do poder público. Estamos diante de um grave problema jurídico e social. 

É necessário compreender que, se o parágrafo único do artigo 316 do CPP não for interpretado literalmente, haverá uma flexibilização, que resultará na desconsideração do referido artigo, uma vez que o prazo se tornará meramente exemplificativo, indo contra a ideia inicial. Ou seja, se aplicarmos critérios de razoabilidade e/ou proporcionalidade ao prazo, teremos, na prática, uma evidente desconsideração ao que foi preconizado em lei.

Além disso, existe a possibilidade de o tema sofrer a interpretação conforme cada Tribunal de Justiça e se tornar regionalizado. Isto é, cada TJ criará um novo prazo para revisar a prisão.

É notório que o Poder Judiciário precisa de mais mão de obra qualificada e tecnologia para atender a grande quantidade de demandas judiciais, ainda mais em sede criminal. Todavia, essa argumentação sem a devida comprovação através de pesquisas e decisões fundamentadas dos tribunais superiores não pode servir para "revogar" o parágrafo único do artigo 316 do CPP.

O que está sendo aplicado pelo Poder Judiciário

O STF já apreciou o tema e o debate se tornou ainda mais atual após a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio no Habeas Corpus nº 191.836, que determinou a soltura de um dos líderes de uma grande organização criminosa de São Paulo. Face a proporção que o assunto ganhou, a referida liminar teve seus efeitos suspensos posteriormente como fundamento na preservação da ordem pública.

O remédio constitucional chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de uma decisão monocrática no STJ que indeferiu a revogação da prisão preventiva em sede de Habeas Corpus. Marco Aurélio, ministro do STF, na qualidade de relator do remédio constitucional, entendeu que restou configurado o excesso de prazo, uma vez que o juiz responsável pelo caso teria deixado de revisar a necessidade de manutenção da prisão cautelar no prazo de 90 dias, conforme disposto no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal. 

Em momento posterior, já no plenário do STF, os ministros fixaram, por maioria dos votos, o entendimento de que a inobservância da reavaliação no prazo estipulado em lei não implica na revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos que motivaram a prisão preventiva em primeiro momento.

Conclusão

Data máxima vênia, o entendimento do Supremo, em primeiro momento, parece razoável e proporcional, mas, na prática, vai causar o efeito exemplificativo ao que deveria ser taxativo, conforme o parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal.

O que ficou pendente nessa decisão do STF foi a analise através da ótica da defesa e dos presos que sofrem com o esquecimento estatal. Restou evidente somente a logística e os desafios que o Poder Judiciário iria enfrentar com a interpretação literal do artigo, sendo a decisão dos ministros um tanto quanto parcial e política.

Precisamos, na qualidade de defesa, provocar uma reflexão técnica e trazer ao debate uma nova perspectiva acerca do assunto. A nossa função é sempre questionar e buscar um cenário mais igualitário. Obviamente, respeitando todas as demais opiniões.

 

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