ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO
(Des. Federal Do TRF Da 4a Região)
Com apoio em singelo pedido de parcelamento da dívida, ainda que não cumprido, parte da jurisprudência vem entendendo ser aplicável o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/95, que autoriza a extinção da punibilidade dos crimes definidos nas Leis 8.137/90 e 8.212/91, na hipótese de o agente “promover o pagamento” do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
Não há como esconder a realidade. Se é certo que não pode o juiz decidir contra legem, não menos exato é que o julgador sem consciência social, analisando a norma jurídica apenas no encaixe dos fatos à literalidade de seu comando, estará contribuindo para o descarte do Judiciário. Aliás, na conhecida dicção de Hely Lopes Meirelles, “a lei há que ser interpretada racionalmente para a consecução dos fins a que se destina”.
A par disso, em observação simplista, certo ou errado, vale notar que a ameaça de repressão penal tem sido considerada como meio para compelir o contribuinte a cumprir suas obrigações sociais, o que nos leva a concluir que o bem jurídico tutelado, sem dúvida, é a regularidade da arrecadação. Logo, tão-só em última ratio devem ser aplicadas as sanções penais.
Ex positis, segundo o melhor entendimento (aquele que se preocupa com a solução justa) o apontado dispositivo (art. 34) não distingue se o pagamento deve ser integral ou fracionado, bastando pois o ato concreto de pagar, seja à vista ou a prazo.
Diante desse quadro, não possuindo o devedor condições econômicas para quitar o débito de uma só vez (como de hábito acontece) a quaestio que se pretende analisada resume-se em saber se a referida moratória, por si própria, em nosso atual ordenamento jurídico, tem força para extinguir a pretensão punitiva do Estado ou se para tanto é preciso aguardar o cumprimento de todas as prestações contratadas.
Como temos insistido, o Direito Penal, em se tratando de crimes contra a ordem tributária, não pode deixar de andar de mãos dadas com as regras inscritas no Código Tributário Nacional.
Sempre manifestamos entendimento no sentido de que a expressão “promover o pagamento,” também se estende para os casos de parcelamento. Todavia, tal conclusão aplica-se tão-somente aos que forem quitados, porquanto a moratória pendente não fulmina o crédito tributário, constituindo mera causa de suspensão da sua exigibilidade.
Logo, se o crédito não pode ser cobrado pela Administração em obediência ao pactuado (segundo as regras do Código Tributário Nacional) o mesmo deve acontecer no Direito Penal, vale dizer, somente pode ocorrer a extinção da punibilidade com a integral satisfação do débito e não com o parcial adimplemento.
Com as escusas dos que pensam em sentido contrário, o parcelamento não cria uma nova obrigação extinguindo a anterior, ou seja, não constitui novação. Fora do mundo da ficção, não vemos como entender (tanto no Direito Tributário como no Penal) parcelamento não cumprido com efeito de pagamento.
Aliás, segundo abalizada doutrina (Comentários ao Código Tributário Nacional coordenado por Yves Gandra da Silva Martins, Editora Saraiva, págs. 311/312) “Em sendo o parcelamento moratória concedida em caráter individual, há que se enfrentar se ele confunde-se, ou não, com novação. O magistério de Washington de Barros Monteiro espanca qualquer dúvida a respeito do tema. Afirma o mestre não haver “novação quando para a obrigação apenas se adicionam novas garantias, quando se concede moratória ao devedor, quando se lhe defere abatimento de preço, maiores facilidades de pagamento ou reforma de título”. Vale dizer, não se entende por novação a tolerância de prazo para recebimento da dívida. Entendido o parcelamento como moratória concedida em caráter individual, porém não se confundindo com a novação, há que se concluir que os efeitos da inadimplência no curso do parcelamento não cessam; apenas mantêm-se suspensos. Assim tem caminhado a jurisprudência, destacando nesse particular posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, em se tratando de crime de sonegação fiscal, a extinção da punibilidade somente se verifica no cumprimento do parcelamento. Em termos práticos, portanto, o parcelamento é tão-somente situação de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, não chegando a ser instrumento hábil para extinguir a punibilidade do contribuinte. A posição jurisprudencial acima noticiada denuncia o duplo papel do parcelamento, que é suspender a exigibilidade do crédito tributário para, em paralelo,
efetivar-se a extinção desse mesmo crédito pelo pagamento. Pode-se afirmar, então, que somente a concessão do parcelamento é situação de suspensão de exigibilidade do crédito. Seguindo essa linha, o implemento do parcelamento é situação de extinção do crédito tributário, nos termos do art. 156, I, do CTN, razão pela qual no curso do parcelamento fica a autoridade administrativa impedida de molestar o contribuinte tão-só em termos pecuniários, vez que a ação de cobrar está pendente de condição suspensiva enquanto não ocorrer o descumprimento das condições impostas no parcelamento. Outro efeito prático conseqüente de o parcelamento não se confundir com a novação relaciona-se à impossibilidade de seu inadimplemento poder vir a impor qualquer espécie de penalidade ao devedor diversa das já estabelecidas no tocante ao crédito tributário constituído. É que, sendo a concessão do parcelamento, como dito, situação de suspensão de exigibilidade do crédito e o implemento do parcelamento, nos termos do art. 156 do CTN, situação de extinção desse mesmo crédito, o ato de deixar de cumprir o parcelamento implica o cancelamento da suspensão da exigibilidade do crédito. Ou seja, retorna o crédito tributário à situação em que se encontrava antes da concessão da moratória, pelo que os encargos de inadimplência só podem ser aqueles aplicáveis ao crédito tributário naquele momento (ou seja, antes da concessão da moratória). Daí porque somente devidos os relacionados aos juros de mora em havendo inadimplemento do parcelamento.”
Corroborando tais ensinamentos, assevera o magistrado José Paulo Baltazar Júnior, em comentário realizado antes da reforma do art. 151 do Código Tributário Nacional, que “o parcelamento, sob o nome de moratória, é qualificado como mera causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151, I) e não de sua extinção, operada, por exemplo, pelo pagamento (CTN, art. 156)” (in O Crime de Omissão no Recolhimento de Contribuições Sociais Arrecadadas, Esmafe, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 205).
Ademais, o novo inciso VI do art. 151 do CTN, com a redação conferida pela Lei Complementar 104/2001, passou a estabelecer expressamente o parcelamento como causa de suspensão da exigibilidade do crédito.
Cabe destacar que, na esfera penal, a 5ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já vinha adotando interpretação na linha ora preconizada. Veja-se, ad exemplum, os Acórdãos assim ementados:
“DIREITO PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DO DÉBITO. INADIMPLÊNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. Ao dizer-se que, para esse efeito, o parcelamento do débito fiscal equivale ao pagamento, isso não se aplica no caso da inadimplência das prestações acordadas.” (RHC nº 6909/SP, Relator Ministro José Dantas, publicado no DJU de 02.03.1998, p. 123).
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. SONEGAÇÃO FISCAL. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. A extinção da punibilidade, nos termos do art. 34, da Lei nº 9.249/95, somente é possível nos casos em que o pagamento integral do tributo for efetuado antes do recebimento da denúncia. Parcelamento de débito não é pagamento integral, pois o débito parcelado somente será considerado quitado após o pagamento da última parcela. Ordem denegada”. (HC nº 12635/SC, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, publ. No DJU de 19.03.2001, p. 123).
“PROCESSO PENAL. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PARCELAMENTO DO DÉBITO. INOCORRÊNCIA. É firme a jurisprudência no sentido de que a descrição fática contida na peça vestibular, em crimes dessa natureza, não necessita da individualização minuciosa do comportamento de cada acusado. Em tais delitos, de autoria coletiva, é grande a dificuldade da discriminação initio litis da conduta de cada indivíduo. O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, cujo acórdão teve como Relator o eminente Ministro Moreira Alves (Inq. 1.028/RS, Tribunal Pleno, DJU de 30.08.96) entendeu que se o pagamento é fracionado não cabe a extinção da punibilidade até ser paga a última parcela, podendo a denúncia ser recebida. Somente o pagamento integral do débito tributário ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia, autoriza a extinção da punibilidade. Ordem denegada”. (HC nº 16.973/PR, Rel. Min. Jorge Scartezzini, publ. No DJU em 14.10.2002, p. 240).
Contudo, recentemente, em razão de ser outra a inteligência da 6ª Turma, a 3ª Seção daquele Egrégio Tribunal, por maioria, adotou entendimento em sentido contrário.
Assim, no julgamento do HC nº 11.598/SC (Rel. Ministro Gilson Dipp) realizado em 08.05.2002, decidiu-se que “nos crimes de sonegação fiscal, o parcelamento da dívida com o Estado antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95, ainda que restando eventual discussão extrapenal dos valores.” Essa orientação foi ratificada nos seguintes julgados:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PENAL. NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARCELAMENTO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. Consoante entendimento da Terceira Seção, o parcelamento do débito decorrente do não-recolhimento de contribuições previdenciárias, se anterior ao recebimento da denúncia, constitui causa extintiva da punibilidade. Precedentes. 2. Embargos acolhidos. (Eresp nº 229.496/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, publ. No DJU em 03.02.2003).
“(...) A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o parcelamento do débito tributário antes do recebimento da denúncia acarreta a extinção da punibilidade do agente. Ressalva do entendimento pessoal do Relator (...) Não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AERESP nº 250.840/SC, Rel. Min. Félix Fischer, julg. Em 12.02.2003, publ. No DJU em 17.03.2003, p. 177)
Inobstante isso (em que pese a uniformização jurisprudencial do E. STJ aceitando o mero pagamento parcial para a concessão do aludido benefício na esfera criminal) vale notar que os indigitados precedentes são oriundos de processos e débitos antigos, de modo que (s.m.j) tal interpretação não pode mais prevalecer para os novos parcelamentos, porquanto toda a legislação posterior à Lei nº 9.249/95 é textual em determinar que somente o pagamento in totum tem o condão de afastar a incidência da norma penal. Senão vejamos:
Dispondo sobre “amortização e parcelamento de dívidas oriundas de contribuições sociais e outras importâncias devidas ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS”, foi editada em 25.09.97, a Medida Provisória nº 1.571-6, assim estabelecendo:
Art. 7º omissis. § 7º. As dívidas provenientes das contribuições descontadas dos empregados e da sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991, poderão ser parceladas em até dezoito meses, sem redução da multa prevista no caput, ficando suspensa a aplicação da alínea “d” do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991, enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento.”
A reedição subseqüente dessa Medida Provisória, publicada no Diário Oficial da União do dia 24.10.97, a qual recebeu o nº 1.571-7, manteve integralmente esse dispositivo, mas agora no § 6º do seu artigo 7º.
Entretanto, a reedição posterior, que recebeu o nº 1.571-8, publicada em 21.11.97, suprimiu a parte final desse dispositivo, isto é, não reproduziu a possibilidade de ser concedida a suspensão do tipo penal inscrito no artigo 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91, para aqueles interessados que parcelassem o débito. Diante disso, muito se discutiu acerca da validade de tais Medidas Provisórias para regular matéria penal. Todavia, a controvérsia perdeu relevância quando o legislador ordinário editou a Lei nº 9.639, em 25.05.98, publicada no Diário Oficial da União de 27.05.98, que, no seu artigo 12, regulamentou os efeitos gerados pela MP 1.571, versões de nºs 1 a 8, convalidando expressamente os atos praticados durante sua vigência.
A partir daí, consoante salientamos em precedente estudo, após prolongados debates, o TRF da 4ª Região consolidou entendimento de que o favor legal se aplicava àqueles que comprovassem o parcelamento do débito previdenciário celebrado até o final do período de vigência das reedições nºs 6 e 7, ou seja até 20.11.97, e que a locução “suspensa a aplicação da alínea “d” do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991, enquanto se mantiverem adimplentes os beneficiários do parcelamento”, retrata necessariamente a suspensão do processo durante o tempo em que a parte estiver cumprindo o acordo. A inadimplência do parcelamento implicaria na retomada da ação penal. Por outro lado, cumprido o parcelamento ou integralmente pago o débito, em uma só vez, declarava-se extinta a punibilidade do agente. (Nessa linha: Recurso em Sentido Estrito nº 1998.04.01.045137-0/RS, 2ª Turma, Rel. Des. Vilson Darós, DJU de 18.08.99, p. 571; Apelação Criminal nº 97.04.66259-9/PR, 2ª Turma, Rel. Des. Jardim de Camargo, DJU de 14.04.99, p. 697).
Como se vê, diversamente da norma jurisprudencial nascida por conta da expressão “promover o pagamento” inscrita no artigo 34 da Lei 9249/95, o parcelamento relativo a débitos previdenciários passou a ter conseqüências legais definidas na seara criminal.
Na mesma linha, veja-se a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000 que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal; após, compare-se o que restou inscrito na Lei nº 9.983/00 que acrescentou o art. 168-A ao Código Penal e, por fim, a Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, estabelecendo idênticas regras em nova modalidade de parcelamento.
Com efeito, os citados Diplomas Legais também dispõem que apenas com a liquidação integral da dívida pode ser outorgada a discutida benesse. Assim, quer queira quer não queira, independentemente de interpretação, seja histórica ou sistemática, mostra-se evidente que tal entendimento traduz a verdadeira vontade do legislador. Confira-se o que diz a Lei nº 9.964/00:
Art. 1º. É instituído o Programa de Recuperação Fiscal – Refis, destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos. § 1o (...) § 2o (...) § 3o (...). Art. 2o O ingresso no Refis dar-se-á por opção da pessoa jurídica, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento dos débitos fiscais a que se refere o art. 1o. § 1o A opção poderá ser formalizada até o último dia útil do mês de abril de 2000. § 2o Os débitos existentes em nome da optante serão consolidados tendo por base a data da formalização do pedido de ingresso no Refis. § 3o A consolidação abrangerá todos os débitos existentes em nome da pessoa jurídica, na condição de contribuinte ou responsável, constituídos ou não, inclusive os acréscimos legais relativos a multa, de mora ou de ofício, a juros moratórios e demais encargos, determinados nos termos da legislação vigente à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores. § 4o (...) Art. 3o A opção pelo Refis sujeita a pessoa jurídica a: I – omissis (...) VI – pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos tributos e das contribuições com vencimento posterior a 29 de fevereiro de 2000. § 1o A opção pelo Refis exclui qualquer outra forma de parcelamento de débitos relativos aos tributos e às contribuições referidos no art. 1o. § 2o O disposto nos incisos II e III do caput aplica-se, exclusivamente, ao período em que a pessoa jurídica permanecer no Refis (...).
Art. 12. Alternativamente ao ingresso no Refis, a pessoa jurídica poderá optar pelo parcelamento, em até sessenta parcelas mensais, iguais e sucessivas, dos débitos referidos no art. 1º, observadas todas as demais regras aplicáveis àquele programa.
Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal. § 1º. A prescrição não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º. O disposto neste artigo aplica-se também: I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.
Analisando criteriosamente os apontados dispositivos, dessume-se que passaram a coexistir três espécies de parcelamentos, quais sejam: a) pelo programa REFIS por tempo indeterminado (art. 1º); b) alternativamente ao ingresso no REFIS, a opção pelo pagamento do débito em sessenta meses (art. 12) e c) aqueles realizados na esfera administrativa paralelamente ao REFIS.
Consoante se depreende, para o acordo efetivado pelo citado programa, ou a ele alternativo, a Lei expressamente estabelece no art. 15, caput e seu parágrafo 2º, a suspensão da pretensão punitiva do Estado enquanto a pessoa jurídica relacionada com o agente “estiver incluída no Refis, desde que sua inclusão tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal”.
Todavia, vale notar que a opção por tal benefício teve duração limitada, tendo sido prorrogada, nos termos da Lei nº 10.002/00, até 14 de dezembro de 2000.
Concludentemente, no tocante às demais espécies de moratória (inclusive quanto aos débitos posteriores ao período objeto da opção) segundo alguns especialistas em assuntos criminais, restou uma lacuna no que pertine aos efeitos do parcelamento. Contudo, cumpre observar que a própria Lei nº 9.964 previu, consoante disciplina o § 3º do art. 15, a extinção da punibilidade tão-só para os casos de “pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal”.
A hipótese em foco, como se percebe, é de cunho genérico, alcançando todo e qualquer parcelamento realizado no campo dos crimes fiscais descritos no caput, sem estabelecer distinção quanto ao tipo de acordo.
Portanto, é de se concluir que a interpretação extensiva que se pretende continuar dando ao art. 34 da Lei nº 9.249/95, colide frontalmente com o dispositivo em tela. Enquanto aquele fala em extinção da pretensão punitiva para quem “promover o pagamento” (estendendo-se para os casos de parcelamento apenas por força jurisprudencial) este (art. 15, § 3º, da Lei 9964/00) limita o benefício exclusivamente para o agente que efetuar o “pagamento integral”.
Não tem sentido continuar suspendendo o processo e a prescrição até o pagamento integral do débito aos optantes pelo parcelamento por prazo indefinido (REFIS) e, por outro lado, extinguir a punibilidade dos que ainda não cumpriram o parcelamento (paralelo ao REFIS) concedido por tempo determinado. No mínimo o tratamento deve ser idêntico para uns e outros.
A rigor, se está escrito na lei “é suspensa a pretensão punitiva do Estado”, havendo qualquer tipo de parcelamento a denúncia não pode ser recebida por falta de condições para o exercício da ação penal. O que não se mostra razoável, por certo, é decretar-se a extinção da punibilidade antes do cumprimento das obrigações assumidas.
De qualquer modo, ainda que não se vislumbre o que está explícito na lei, forçoso é notar que o Legislador não mais considera o singelo pedido de parcelamento do débito causa extintiva da punibilidade, pois autorizou, nessa hipótese, unicamente a suspensão da incidência da norma penal, vale dizer, em harmonia com o CTN.
Cumpre lembrar que o art. 168-A do Estatuto Repressivo, com a redação conferida pela Lei nº 9.983/2000, dispondo na mesma linha, assim deixou registrado: “§ 2º. É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal”.
A par disso, no parágrafo 3º definiu ser “facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa”, desde que o réu “tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios.”
Segundo a indigitada norma, denota-se que “efetuar” o pagamento antes do início da ação fiscal constitui causa extintiva da punibilidade, enquanto a oração “tenha promovido (...) o pagamento” (conforme entendimento pretoriano) poderá abrir ensejo ao parcelamento que após regularmente cumprido, autoriza a hipótese de perdão judicial ou aplicação de multa, desde que realizado após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia.
Entretanto, tendo em conta a política criminal adotada para esse tipo de infração (que por certo não é restringir de imediato a liberdade do cidadão faltoso mas sim, como dito, privilegiar a arrecadação) acreditamos que se o contribuinte, após o início da ação fiscal parcelar a dívida, deve o julgador receber a denúncia, instruir o processo e suspender a ação penal além da prescrição, até o pagamento integral dos débitos. Somente na hipótese de ter havido quitação, mostrar-se-á cabível o benefício do perdão judicial ou multa, ao passo que em caso de descumprimento o feito deverá prosseguir regularmente.
Em suma, temos que as novas regras instituídas pelo art. 168-A do CP também delimitam expressamente os efeitos do pagamento e/ou parcelamento do débito previdenciário na esfera penal.
Com o término do prazo para adesão ao REFIS, buscando abarcar situações semelhantes, foram propostos no Congresso Nacional dois Projetos de Lei (PL nºs 50 e 390/2003) tratando justamente da extensão do referido Programa. Esses textos adotaram as mesmas regras anteriormente citadas, isto é, suspensão da pretensão punitiva do Estado durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no programa, bem como limitando a extinção da punibilidade aos casos de “pagamento integral” dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
Nas justificativas, os autores das aludidas propostas asseveram que o REFIS deve ser prorrogado para alcançar mais empresas e assim mais débitos, pois “constitui também uma garantia importante para o Erário, uma vez que estimula a empresa a manter-se em dia com suas obrigações fiscais”.
Nesse ínterim, antes da tramitação de tais proposições, o Governo Federal encaminhou Medida Provisória ao Congresso Nacional (a qual terminou sendo aprovada) gerando a já mencionada Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, verbis:
“Art. 1º. Os débitos junto à Secretaria da Receita Federal ou Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003, poderão ser parcelados em até cento e oitenta prestações mensais e sucessivas. § 1º a § 9º (omissis). § 10º A opção pelo parcelamento de que trata este artigo exclui a concessão de qualquer outro, extinguindo os parcelamentos anteriormente concedidos, admitida a transferência de seus saldos para a modalidade desta Lei.”
“Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”
Por ser recente, ainda não tivemos oportunidade de analisar detalhadamente a repercussão desse novel diploma normativo quanto às ações penais em andamento, o que deverá ser reservado para estudo posterior. Contudo, a reiteração da sistemática do REFIS adotada nos dispositivos legais supratranscritos não deixa dúvidas a respeito do tema ora em análise, determinando que o desaparecimento da pretensão punitiva somente poderá ocorrer mediante a liquidação integral do débito tributário.
Isso não significa negar vigência ao art. 34 da Lei 9.249/95, que continua valendo até o advento da Lei 9964/00.
Repetindo: hoje o que se mostra relevante é saber se basta singelo pedido de parcelamento, antes do acolhimento da exordial, para ser declarada a extinção da punibilidade ou se está suspensa a pretensão punitiva do Estado até o cumprimento das obrigações para todo e qualquer parcelamento concedido após o prazo de opção pelo REFIS.
Pois bem. O magistrado, no exercício do seu munus, deve sopesar não só os aspectos jurídicos mas principalmente os efeitos sociais de sua decisão. Impõe-se, numa visão conjunta do sistema legal, evitar exegese que cause o esvaziamento do conteúdo das normas, sendo indispensável perscrutar o verdadeiro espírito das mesmas. Veja-se, nesse sentido, a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, 20. Ed. Ver., modificada e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, pp.165/170): “Interpretar a lei é descobrir ou revelar a vontade contida na norma jurídica ou como diz Clóvis, é revelar o pensamento que anima as suas palavras. (...) Interpretação sistemática - o intérprete deve colocar a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com ela. (...) Interpretação histórica – A pesquisa do processo evolutivo da lei, isto é, a história da lei ou dos seus precedentes auxilia o aclaramento da norma. Os projetos de leis, as discussões havidas durante sua elaboração, a Exposição de Motivos, as obras científicas do autor da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para proceder à interpretação”.
Tendo em conta ser a lei fonte principal do direito, nada impede o julgador de utilizar conceitos expressos no regramento jurídico, para interpretar adequadamente determinadas normas. Isso não está ocorrendo na espécie.
Ainda que não houvesse dispositivo legal a determinar a suspensão do processo e da prescrição no curso do parcelamento, os princípios gerais de direito, universalmente aceitos, dentre os quais o da eqüidade, apontariam em igual direção para ser dirimida a controvérsia.
Logo, para os parcelamentos de quaisquer espécies realizados a partir da vigência da Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, acreditamos não ser possível a interpretação extensiva do referido artigo 34, por não se coadunar com a mens legis do atual ordenamento jurídico.
À evidência, orientação diversa significa prestigiar a impunidade e autorizar o uso de artifícios visando, em verdade, tão-somente evitar a efetiva aplicação da lei penal, ato que, de forma alguma, pode receber o beneplácito do Judiciário.
De igual forma, não cabe olvidar que tal interpretação serve de ‘estímulo’ não só para aqueles que não ingressaram no REFIS, mas sobretudo para os que por ele optaram, bastando que se desliguem do Programa e façam pedido de parcelamento genérico, por prazo definido, através do qual, tendo em conta o entendimento jurisprudencial (se continuar sendo adotado) poderão alcançar de imediato a extinção da punibilidade, simplesmente com o pagamento de algumas parcelas. Data venia, não é esse o espírito da lei penal.
Assim, buscando a aplicação da norma de forma útil e adequada à realidade, a solução que se mostra mais acertada é não receber a denúncia ou determinar a suspensão do processo e da prescrição enquanto vigorar o parcelamento, seja especial ou genérico. Por óbvio, isso em nada prejudica os réus, porquanto, se demonstrado o ânimo de cumprir o ajuste, ao final será extinta a punibilidade. Esse entendimento já foi adotado em Acórdão unânime da 8ª Turma do TRF da 4ª Região cuja ementa restou assim redigida:
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISOS II E III, DA LEI Nº 8.137/90. DÉBITO PARCELADO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL E DA PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO REFIS (LEI Nº 9.964/2000). CABIMENTO. 1. Comprovado o parcelamento do débito tributário em 19 de dezembro de 2000, ou seja, antes do recebimento da denúncia, inexistem motivos para a reforma do decisum que suspendeu a pretensão punitiva e o curso da prescrição, aplicando os institutos referentes ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) criados pelo art. 15 da Lei nº 9.964/2000. (SER nº 2001.71.08.002007-8/RS, julg. Em 24.06.2002, publ. No DJU em 10.07.2002).
Do voto proferido naquela oportunidade, permito-me transcrever o seguinte trecho:
“Como já salientado, a partir do advento da Lei nº 9.964/2000, que criou o REFIS, o parcelamento do débito assumiu caráter diverso, tendo o Legislador instituído a suspensão da pretensão punitiva bem como do prazo prescricional (art. 15) enquanto adimplente o denunciado por crime fiscal. Diante desse quadro, a ilustre julgadora monocrática, ao invés de declarar extinta a punibilidade dos agentes, suspendeu a ação penal e o curso da prescrição, aplicando ao parcelamento firmado em dezembro de 2000 os institutos relativos ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) criados pela referida Lei nº 9.964, notadamente o disposto nos arts. 12 e 15, in verbis: (...) Tenho que inexiste óbice à solução adotada, vez que os réus parcelaram a dívida em momento anterior ao do oferecimento da peça acusatória (15/03/2001, fl. 05). Se a nova lei deu definição mais consentânea com a realidade ao conceito de parcelamento, nada impede que seja aplicada aos casos concretos, ainda que o débito em tela não esteja inserido no REFIS, nos termos dos referidos dispositivos legais. Ademais, do decisum monocrático não advirá prejuízo algum à acusação. Neste ponto em específico, peço vênia para transcrever excerto do Parecer lavrado pela ilustre Procuradora Regional da República Vera Maria Nunes Michels sobre a quaestio: ‘Ora, em primeiro lugar, não vejo nenhum prejuízo ao Parquet Federal na hipótese em exame, pois que, ao invés de ser extinta a ação penal, entendeu o julgador a quo pela suspensão da mesma e do curso prescricional, pelo que se denota que a pretensão punitiva restou intacta, podendo, no futuro, acaso descumprido o parcelamento acordado, dar-se seguimento à ação penal. Em segundo lugar, penso que não há nenhum impedimento quanto à suspensão da ação penal e da prescrição para a hipótese de parcelamento genérico, notadamente mais gravoso ao devedor, ao contrário do REFIS, pois se assim o fosse, estar-se-ia instituindo situação de extrema desigualdade processual em favor daqueles beneficiados pela Lei nº 9.964/00’.”
Com essas considerações, resumidamente, em nosso entendimento podemos concluir que: a) Cuidando-se de crimes contra a ordem tributária, as normas penais devem ser interpretadas em harmonia com o Direito Tributário. b) Não tem sentido continuar suspendendo o processo e a prescrição, até o pagamento integral do débito aos optantes pelo parcelamento por prazo indefinido (REFIS) e, por outro lado, extinguir a punibilidade dos que ainda não cumpriram o parcelamento (paralelo ao REFIS) concedido por tempo determinado. c) A partir da edição da Lei 9964/00, a extinção da punibilidade pelo parcelamento (de qualquer espécie) somente deve ser declarada após o pagamento integral dos débitos. d) Se a pessoa jurídica relacionada com o acusado estiver cumprindo o acordo, é caso de rejeição da peça acusatória ou suspensão do processo e da prescrição desde que preenchidos os demais requisitos exigidos. e) Na prática, tal inteligência desestimula subterfúgios freqüentemente utilizados para afastar a aplicação da lei penal. f) Não há prejuízo para a defesa se a mesma estiver realmente empenhada em cumprir o contratado e menos ainda para a acusação porque suspensos o processo e o curso do lapso prescricional durante o prazo do parcelamento.