Prática de contrabando/descaminho. Apreensão de carreta com fundo falso onde as mercadorias eram ocultadas. Liberação exclusivamente do cavalo-mecânico ao proprietário mediante termo de fiel depositário. Fumus boni iuris. Periculum in mora.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal contra decisão do MM. Juiz da 2ª Vara Federal de Umuarama/PR (proferida nos autos de nº 2007.70.04.001416-0/PR) lavrada nas seguintes letras: LOURDES DOS SANTOS BATISTA e WALTER BATISTA impetraram mandado de segurança contra o DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DE GUAÍRA/PR, pedindo, liminarmente, a liberação do veículo TRA/C, Trator Volvo/NL 12 360 4x2T EDC, de cor branca, ano de fabricação e modelo 1996, movido a diesel, placas KAK-3220/MT, chassi 9BVN5A7A0TE654760, código Renavam 651986494, mediante a nomeação dos impetrantes ou de um de seus advogados como depositário do bem. Sustentaram, em síntese, que são proprietários do caminhão trator VOLVO apreendido pela Polícia Federal de Guaíra/PR em 19/03/2007, em razão de denúncia anônima informando que a carreta apreendida estava carregada de cigarros. Disseram que a Portaria 189/07-DPF/GRA/PR que instaurou o Inquérito Policial menciona que o referido veículo, a princípio, estaria sendo utilizado para a prática de contrabando e descaminho, e que, após ser verificado na Rua Filadélfia, 4435, foi descoberto um compartimento dissimulado, o qual interrompia a continuidade normal do espaçamento do tanque. No entanto, como na vistoria realizada pela Polícia Federal nada foi encontrado no caminhão ou na carreta a ele acoplada, pediram a liberação do veículo diante da ausência da materialidade do crime de descaminho, tendo o Delegado indeferido a restituição. Asseveraram que a apreensão é ilegal, pois não há qualquer sinal de adulteração na numeração do chassi nem das placas, tampouco ocorreu a prática do ilícito. Disseram que sofrerão prejuízos irreparáveis com a retenção prolongada e a privação de seu uso. Juntaram os documentos de fls. 14/46. O pedido liminar foi indeferido sob o fundamento de ser precipitado conceder a liminar inaudita altera pars sem que as informações da autoridade policial fossem prestadas. Notificada, a autoridade coatora comunicou (fls. 54/67) que, conforme laudo pericial, o veículo apresenta um fundo falso e que tal compartimento é muito utilizado para o cometimento de contrabando, razão pela qual o veículo foi apreendido e instaurado inquérito policial. Os impetrantes pediram a reconsideração da decisão, salientando que a carreta que possui o fundo falso não é de propriedade deles e que eles não pretendem a restituição desse objeto. Disseram que querem tão-somente a liberação do caminhão trator (cavalo mecânico) do qual são proprietários. Os autos foram redistribuídos em virtude da conexão do presente feito com o inquérito policial 189/07, autuado perante o Juízo Federal desta Vara sob o nº 2007.70.04.000909-6. É o relatório. Decido. Para a concessão de liminar em mandado de segurança, a Lei nº 1.533/51 exige a presença de dois requisitos específicos, quais sejam: o fumus boni iuris, consubstanciado na relevância do fundamento invocado, e o periculum in mora, este representado pelo risco de a tutela jurisdicional se tornar inútil, ao final. Na situação em apreço, encontram-se presentes tais requisitos. Às fls. 54/55, a autoridade coatora informou que recebeu denúncia anônima de que uma carreta tanque estava carregada com cigarros. Asseverou que os policiais federais encontraram um 'fundo falso' ao vistoriarem a carreta do veículo descrito na denúncia anônima. Como tal compartimento é muito utilizado para o cometimento de contrabando, o caminhão e a carreta foram apreendidos. Por sua vez, a Portaria expedida pela autoridade policial (fl. 21), que ensejou a instauração do Inquérito Policial 189/07-DPF/GRA/PR, diz que a existência do compartimento dissimulado 'constitui, em tese, a materialidade do crime previsto no artigo 334 do Código Penal'. A mera suspeita de que o caminhão apreendido estava sendo utilizado para transporte de mercadorias contrabandeadas/descaminhadas por estar acoplado a carreta (semi-reboque) que possui 'fundo falso', dissociado de qualquer outro indício, não constitui a materialidade do crime de contrabando ou descaminho. Com efeito, além da existência do 'fundo falso' do semi-reboque, não há nenhum outro elemento a apontar que o caminhão-trator estaria sendo utilizado para o cometimento de delitos. Também não há provas do envolvimento dos proprietários do caminhão em qualquer ilícito, nem foi encontrada qualquer adulteração no caminhão. Desse modo, tais conjecturas justificam a investigação de eventual cometimento do ilícito, mas não a apreensão do caminhão, por ser este um ato cerceador do direito de propriedade dos impetrantes, que só pode ser afastado mediante a existência de fundadas razões, as quais não estão presentes neste caso. (...). Ademais, o fato de não ser a carreta adulterada de propriedade dos impetrantes (conforme doc. de fl. 21) é um indicativo de sua boa-fé. Destarte, a apreensão do caminhão baseada tão-somente na existência de 'fundo falso' da carreta a ele acoplada revela-se ilegal, devendo, portanto, o caminhão apreendido ser restituído aos seus proprietários, porquanto comprovada a violação a direito líquido e certo. Nesses fundamentos reside o sustentáculo do fumus boni iuris. O perigo na demora justifica-se pelo fato de ser consabido que as repartições federais são desprovidas de locais destinados à guarda segura de veículos, sujeitando-os ao desgaste pela inação, falta de manutenção e intempéries, de modo que a concessão da medida somente ao final poderá causar aos impetrantes danos irreparáveis ou de difícil reparação. Ante o exposto, presentes os requisitos autorizadores, defiro o pedido liminar para determinar à autoridade coatora que proceda à liberação do caminhão TRA/C, Trator Volvo/NL12 360 4x2T EDC, cor branca, ano de fabricação e modelo 1996, movido a diesel, placas KAK-3220/MT, chassi 9BVN5A7A0TE654760, código Renavam 651986494, mediante a assinatura pelo impetrante WALTER BATISTA de termo de compromisso de fiel depositário, o qual deverá ser lavrado pela autoridade coatora que deverá encaminhar cópia do termo a este Juízo. Cópia desta decisão servirá de ofício 1770654 destinado ao Delegado de Polícia Federal em Guaíra para seu cumprimento. Outrossim, cópia desta decisão servirá de mandado, a ser cumprido em 48 (quarenta e oito) horas, para intimação do Procurador da União em Umuarama/PR acerca do conteúdo, para eventual suspensão e defesa do ato apontado como ilegal ou abusivo de poder, nos termos do artigo 19 da Lei 10.910/04, que conferiu nova redação ao artigo 3º da Lei 4.348/64. Intimem-se. Após, abra-se vista dos autos ao Ministério Público Federal, retornando, em seguida, conclusos para sentença.“ Sustenta a Agravante, em síntese, que o mandado de segurança não é a via adequada para a restituição de coisas apreendidas, porquanto há procedimento específico para tal finalidade, nos termos do artigo 120 e seguintes do CPP. Assevera inclusive que o bem interessa ao processo penal, por constituir a materialidade do crime. Requer seja dado efeito suspensivo ao recurso, na forma do artigo 527, inc. III, do CPC, a fim de revogar a liminar concedida. A irresignação da Agravante não merece trânsito. Para o deferimento da tutela de urgência requerida mister a presença, além da verossimilhança da alegação (fumus boni iuris), que haja periculum in mora, o que não se verifica no caso em tela, porquanto inexiste possibilidade de dano irreversível ou de difícil reparação até o julgamento da quaestio pelo Colegiado, principalmente porque o bem já foi restituído aos proprietários. Ademais, o compromisso de fiel depositário resguarda os interesses da União, já que o possuidor deverá guardar e conservar a coisa, bem como restituí-la quando determinado pelo Juízo, sob pena de prisão civil (artigos 629 e 652 do CC). Frente ao exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo. Intime-se a parte agravada, nos termos do art. 527, V, do CPC. Solicitem-se informações ao MM. Juiz a quo. Após, abra-se vista à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se.
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