CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 139.563 – PR (2015/0076285-4)

RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR -  

No âmbito da Polícia Civil do Estado do Paraná (14ª Delegacia de Polícia de Goioerê) foi instaurado inquérito policial com vistas a apurar a suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 12, 14, 16 e 18, da Lei n. 10.826/2003. Consoante notitia criminis, policiais militares teriam abordado os indivíduos L da S e I A da S, encontrando no celular de um deles diversas mensagens sugerindo o comércio de armas de fogo de diversos calibres, algumas de uso restrito (fl. 97). No curso da investigação, foi constatado que o veículo abordado ostentava várias passagens por região de fronteira, especificamente entre o Paraguai e o Brasil. Com base nesses dados, a autoridade policial formulou pedido de quebra de sigilo telefônico (fls. 5/14 – grifo nosso): [...] De acordo com a documentação anexa, tramita nesta Delegacia de Policia inquérito policial instaurado com o objetivo de apurar os delitos previsto nos Artigos 12, 16, 18, 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento); Art. 2º, Lei 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa) perpetrado em face da Coletividade. Consta que no dia 20 de Setembro de 2014, por volta das 21h00min, após o atendimento de uma ocorrência de roubo á residência em Goioerê/PR onde foram subtraídos uma caminhonete GM/Chevrolet S-10 de cor preta, entre outros objetos, (conforme BO 2014/903666) as equipes da 2ª Companhia da Polícia Militar de Goioerê/PR realizavam patrulhamento no intuito de localizar o veículo que foi levado pelos assaltantes (GM/Chevrolet S-10), sendo que em dado momento a equipe de rádio patrulha de Goioerê/PR, solicitou apoio da equipe do serviço de inteligência,no intuito de abordar e identificar duas pessoas que estavam parados próximo ao trevo de acesso à Moreira Sales, na rodovia PR- 180. Com o apoio da equipe do serviço de inteligência, foi abordado um veículo GM/Astra de cor prata, placas [...] com placas de Indaiatuba-SP, tendo sido identificado os ocupantes como sendo I A da S e L dos S. Foram realizadas buscas no veiculo, bem como busca pessoal nos dois suspeitos, porém, não foi encontrado nenhum ilícito (conforme boletim de ocorrência 2014/903688). Durante a abordagem, foi recolhido os celulares de ambos os abordados para averiguação, sendo que no aparelho celular de L (...), foram encontradas algumas mensagem de texto (SMS) enviada pelo numeral (...), que estava salva nos contatos do aparelho com a denominação "LAVA JATO". O conteúdo das mensagens (SMS) faziam referência à marca e calibre de armas de fogo. Conforme imagem abaixo, é possível observar que o conteúdo da mensagem faz referência às seguintes armas de fogo: Calibre .45 (4500); Calibre .38 (380mm); Calibre .40; Revolver (Xeroki) ; e Glock (Arma de fabricação Austríaca) . Depreende-se da mensagem que o remetente estaria expondo as armas que tem á disposição e oferecendo-as para comercializá-las. Conforme prontuários em anexo observa-se que L dos S possui diversas passagens por roubo e é suspeito, inclusive, de participação em furtos a caixas eletrônicos. I A da S possui passagem por porte ilegal de arma de fogo. Passado um tempo, chegou até a equipe do serviço de inteligência da polícia militar, a informação anônima de que uma pessoa conhecida como L C, seria proprietário do lava-jato (...), localizado no centro de Goioerê-PR, e que L estaria comercializando armas de fogo, sendo que seu irmão M A A F, conhecido como (...), que também possui um Lava-jato localizado na Avenida Mauro Mori, ao lado do Posto América, também estaria envolvido com tal prática delituosa. A partir desta informação, foram realizadas diligências no intuito de localizar o lava-jato citado na denúncia, bem como identificar seu proprietário, diligência esta que resultou na identificação do proprietário do lava jato (...) como sendo a pessoa de L C A F. [...] Em consulta à rede Infoseg de informações, no sistema SINIVEM (Sistema Integrado Nacional de identificação de veículos), foi verificado que o veiculo [...], de propriedade de L C A F, possui diversos registros de passagem pelo posto de fiscalização Ponte Ayrton Senna BR 163 KM23 Mundo Novo, trajeto este que leva até Ciudad Del Este no Paraguai, local este bastante conhecido por possuir comércio livre de armas de fogo e drogas. As imagens a seguir, demonstram as passagens pelos referidos locais, sendo que merece destaque a freqüência e as repetidas passagens nos mesmos dias: [...] Há ainda registros no sistema SINIVEM (Sistema Integrado Nacional de identificação de veículos) de passagem dos veículos de propriedade de M A A F pelo posto de fiscalização Ponte Ayrton Senna BR 163 KM23 Mundo Novo sentido Guaira-PR, conforme abaixo: [...] Importante destacar ainda que compareceram a esta delegacia as pessoas de (...), os quais possuem a mesma alcunha, (...), os quais, conforme termos de declarações em anexo, em síntese, relataram que tem conhecimento de que J B I J revende armas de fogo e munições, e que foram agredidos por J, e por outros indivíduos que estavam com ele, sendo que no dia das agressões foram colocados por, no veículo celta, de cor preta, de propriedade de V onde presenciaram um dos indivíduos que estava com J pegar uma arma de fogo tipo pistola, "tentar manobrar" e em seguida entregar a J, que a colocou em sua própria cintura. Disseram ainda que no momento da "surra", J e E estavam armados com pistola, e pontavam as armas pra eles enquanto (...) e A batiam neles com socos, pontapés e pauladas. [...] Pois bem Excelência, a medida ora requerida apresenta os fundamentos necessários para tal. Tendo em vista se tratar de crise apenado com reclusão, existirem elementos informativos suficientes que indicam a autoria para os indivíduos ora representados. Em relação a imprescindibilidade da medida, verifica-se também que apenas com a quebra do sigilo e a interceptação das comunicações telefônicas dos suspeitos será possível obter prova material da participação dos representados nos injustos penais em epígrafe, e delinear papel de cada um na organização criminosa. Importa ainda ressaltar que, diante da extrema dificuldade de apurar da infração por outros meios, a interceptação telefônica revela-se como o meio mais eficaz, senão o único, de possibilitar a intervenção policial mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e obtenção de elementos de informações. [...] A representação foi recebida pelo Juízo da Vara Criminal de Goierê/PR, que, acolhendo a opinião do Ministério Público local, declinou da competência para o julgamento, ao fundamento de que há indícios nos autos de crime de competência federal (tráfico internacional de armas) – fls. 23/26. Com a remessa dos autos à Justiça Federal de Umuarama - SJ/PR, o procedimento foi reautuado e distribuído ao Juízo da 1ª Vara Federal, que suscitou o conflito, ao fundamento de que não há indício suficiente da prática de crime federal (fl. 61): [...] Os delitos tipificados na Lei 10.826/03 são processados, em regra, perante a Justiça Estadual, cabendo à Justiça Federal tão somente o julgamento dos crimes de caráter transnacional. Compulsando os Autos, vislumbra-se que os indícios de prática criminosa por parte dos investigados decorrem, em suma, de mensagens de celular e de relatos de terceiros no sentido de que eles negociam armas de fogo e munições. O único indício de possível transnacionalidade, até o momento, está relacionado ao fato de que alguns dos veículos pertencentes aos investigados L C A F e M A A F possuem registros de passagens pela fronteira no sistema SINIVEM. Ocorre que tais deslocamentos não foram relacionados efetivamente a qualquer ocorrência ilícita. Não foi realizado nenhum flagrante envolvendo os investigados ou seus veículos e não há nem mesmo informações mínimas acerca das atividades/negociações realizadas pelos investigados na região de fronteira ou no país vizinho. Frise-se que os dois veículos de M A A F nem sequer possuem número excessivo de passagens pela fronteira, aparecendo registros de apenas 3 datas em que tais veículos estiveram naquela região no ano de 2014, o que não é incomum para moradores de cidades relativamente próximas do Paraguai. O veículo de L C A F, por sua vez, registra algumas passagens pela fronteira no primeiro semestre de 2014, mas após esse período, só há duas datas nas quais o veículo esteve naquela região. Ademais, como bem ressaltado pelo MPF "não é prática comum/habitual a utilização de carros registrados em nome próprio para a prática de ilícitos envolvendo internalização ilegal de armas de fogo ou drogas, como se trata no presente caso". Diante desse fato, com razão o Ministério Público Federal ao afirmar que não ficou suficientemente demonstrada a transnacionalidade capaz de atrair a competência da esfera federal. [...] Destarte, diante da fragilidade dos indícios da suposta transnacionalidade das condutas investigadas, este Juízo entende não ser competente para o processamento do presente feito. 3. Ante o exposto, suscito conflito negativo de competência perante o Superior Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 114, inciso I, 115, inciso III e 116, § 1º, todos do Código de Processo Penal, e artigo 105, inciso I, "d", da Constituição Federal. Aqui, instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pela declaração de competência da Justiça Federal (fls. 77/79): [...] 9. Conforme se extrai da Representação pela quebra de sigilo dos investigados, há indícios suficientes da transnacionalidade dos delitos a recomendar que as investigações corram na Justiça Federal. 10. Isso porque, além do comércio de armas ocorrer em região fronteiriça, há nos autos informação de que os supostos vendedores de armas teriam transitado, no último ano, por diversas vezes na região que dá acesso a Ciudad del Este, em região onde se registram muitas ocorrências de contrabando e tráfico de armas, em dados tanto do TRF4 quanto do STJ. 11. Some-se a isto o fato de que nas mensagens trocadas entre os investigados há menção a armas de origem estrangeira, o que reforça a provável transnacionalidade do delito. Ademais, o próprio inquérito policial foi instaurado para apurar, além de outros, a prática do delito de tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 da Lei nº 10.826/03). 12. Desta forma, havendo elementos que indiquem a internacionalização de armas de fogo, a competência é da Justiça Federal para prosseguir no regular processamento do feito, nos termos dos arts. 109, inciso V, da Constituição Federal. [...] Por intermédio de ofício, solicitei ao Juízo suscitado a cópia do inteiro teor do inquérito policial (fl. 83). Em 26/5/2015, sobreveio a informação requisitada (fls. 92/165). É o relatório. Decido. 

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