Magistrado: ANDRÉ FONTES -
DECISÃO.
Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de ADALVAN SERAFIM BATISTA, objetivando fazer cessar alegado constrangimento ilegal perpetrado pelo d. juízo da 1ª Vara Federal de São Mateus que, nos autos da ação penal originária, indeferiu requerimento objetivando o reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão executória, bem como restabeleceu a ordem de expedição de mandado de prisão, suspensa por força de despacho datado de 19.12.2018. Nesse contexto, narram os impetrantes que o “paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal (Doc.4), em abril de 2001, com recebimento em 12/6/2002(Doc.5) , sendo- lhe imputada a prática da conduta tipificada nos artigos 172, caput , c/c 14, I I ; 171, VI ; e 333, todos do Código Penal. Ao final da instrução, o Paciente foi condenado (Doc.6) sem que a acusação interpusesse qualquer recurso, ocorrendo, portanto, o trânsito em julgado para a acusação, em 27/1/2009 (Doc.7).”. Narram, também, que o recurso de apelação interposto pelo ora paciente foi desprovido, conforme decisão de 13.04.2010; sendo certo que, em “sede de recurso especial, o Paciente teve sua pena reduzida para: 2 anos e 4 meses para o crime do art. 171, VI; 2 anos, 4 meses e 15 dias para o crime do art. 172 e 3 anos e 8 meses para o crime do art. 333 do Código Penal, unificando-se as penas, em razão do concurso de crimes, em 6 anos, 10 meses de reclusão, em 05/10/2015 (Doc. 0), com o trânsito em julgado para defesa, em 30/8/2016 (Doc. 10). Assim, em 30/10/2018, a Autoridade Coatora determinou o início da execução da pena, com a expedição de mandado de prisão (Doc. 2).”. Em continuidade, salienta que “a defesa técnica do Paciente ingressou com petição(Doc.11) pleiteando a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão executória diante do lapso temporal existente entre a data do trânsito em julgado para a acusação(27/1/2009 – Doc.7) e o início da execução, que não ocorreu até a presente data. Em decisão que configura o constrangimento ora combatido, a Autor idade Coatora indeferiu o pedido sob o fundamento de que o trânsito em julgado para a defesa é causa interruptiva da prescrição, e por ter ocorrido em 30/8/2016, não ter ia ocorrido a prescrição.”. A esse respeito, pontua que “o texto legal é cristalino ao estabelecer que o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória e “[...] do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para acusação, [...] (g.n.), e como causa interruptiva há apenas o início do cumprimento da pena (artigo 117, V, do Código Penal). No presente caso, a ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória, para acusação se deu no dia 27/01/2009, conforme certidão anexada (Doc. 7), e o cumprimento da pena não foi iniciado até a presente data. É de se observar que a Autoridade Coatora alega a inexistência de inércia por parte do Estado, diante da sequência de julgamentos, pelos tribunais. Contudo, é inegável a inércia Estatal a partir do trânsito em julgado para a defesa, em 30/8/2016, pois naquela ocasião, independente da mudança de posicionamento do STF acerca da possibilidade de execução provisória da pena, já era possível iniciar o cumprimento da pena, mas o Estado restou inerte. Observa-se que somente ao final de 2018 é que se buscou o início da execução da pena, quando, aí sim, já teria ocorrido a prescrição.”. Em arremate, cita posicionamentos desta Corte Regional quanto à melhor exegese do art. 112, I do Código de Processo Penal, concluindo que, “tendo em vista o trânsito em julgado para a acusação ter ocorrido em 27/1/2009(Doc. 7), considerando que nenhuma das penas aplicadas superou 4(quatro) anos, o prazo prescricional de 8(oito)anos transcorreu no dia 26/1/2017, impondo-se, portanto, seu reconhecimento com a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.”. Em liminar, aduz, “evidente o direito do Paciente, caracterizando a fumaça do bom direito, para fins de concessão de medida liminar, face à evidente ocorrência da prescrição da pretensão executória entre o trânsito em julgado para a acusação (27/1/2009 – Doc. 7), e o início da execução da pena. Em relação ao periculum in mora, da mesma forma resta claro, uma vez que há determinação expressa para a expedição de mandado de prisão(Doc. 2) pra o início do cumprimento da pena privativa de liberdade que, apesar de suspensa em 19/12/2018(Doc. 3), foi reestabelecida pela decisão ora combatida (Doc. 1) e está na iminência de ser executada.”. Requer assim, a imediata suspensão da execução da pena. Inicial instruída com documentos de fls. 13-97. É o relatório. Decido. De início, deve ser ressaltado que o deferimento de liminar em sede de habeas corpus decorre de construção jurisprudencial, sendo admitida apenas e tão somente quando evidente o constrangimento apontado, atentatório ao estado de liberdade do paciente. Portanto, trata-se de situação excepcional, e que tutela a liberdade do direito de locomoção, diante de ato ilegal e arbitrário de autoridade. Por igual pertinente é assinalar que a suspensão da execução penal constitui providência excepcionalíssima, diante da autoridade da coisa julgada material que se formou após regular atividade de conhecimento. E, relativamente ao constrangimento ilegal apontado, respeitante à caracterização da prescrição da pretensão executória, este Relator não desconhece o posicionamento dominante na jurisprudência dos tribunais superiores, que dão aplicabilidade ao referido art. 112, I do Código Penal, numa interpretação literal, que prevê que "no caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional." Contudo, não se pode olvidar que a pretensão pressupõe a possibilidade concreta de se exigir determinado comportamento de outrem que, para a situação em testilha, quer significar a possibilidade de o Estado fazer cumprir a sentença condenatória que resultou em pena de em 6 anos, 10 meses de reclusão. Se assim se apresenta a controvérsia, a interpretação que se deve dar ao art. 112, I do Código de Processo Penal, na parte em que menciona o trânsito em julgado, é no sentido da preclusão máxima, para ambas as partes, já que somente nesse momento o Estado poderá dar concretude à condenação tal como fixada. Para que não fique dúvida e para buscar coerência na argumentação, é preciso compreender didaticamente a distinção entre o termo inicial de contagem da prescrição e a sua forma de contagem que sofre a influência do advento das causas interruptivas. Nesse passo, o art. 111 do Código Penal, que trata da prescrição anterior ao trânsito em julgado da sentença final, refere-se, indubitavelmente, a pretensão punitiva que surge com o hipotético momento do evento criminoso, ao arrolar as hipóteses em que a prescrição “começa a correr”. Os termos de que trata o dispositivo nada têm a ver com os termos de contagem do prazo que pode ser aferido, a partir do momento que “começa a correr” a prescrição da pretensão punitiva entre os diversos termos determinados pelas causas interruptivas arrolados no art. 117 do Código Penal. Já o inciso I do art. 112 do mesmo diploma também prevê hipóteses em que uma modalidade especial de prescrição da pretensão punitiva “começa a correr”, o que não consiste na indicação de marcos na contagem da prescrição, esses sempre identificados com as causas interruptivas, a partir do momento em que surge a pretensão a ser atingida pela prescrição. Isso porque, quando o referido dispositivo remete o intérprete à hipótese do art. 110 do Código Penal, o está remetendo a um dispositivo que trata não da prescrição da pretensão punitiva ou da prescrição da pretensão executória, mas da prescrição aferida com base na pena concretamente fixada na condenação. E a ratio da previsão legal do início da prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação está no fato de que, com esse, a pena não poderá mais ser majorada. Dessarte, não se trata de negar vigência a um dispositivo legal ou de interpretação em prejuízo do réu, mas, sim, de aplicar uma interpretação lógica, consentânea com a finalidade da norma e a sistemática do Código Penal. De fato, não se pode admitir que o prazo prescricional de uma pretensão que ainda não pode ser juridicamente exercida comece a correr. Seria um contrassenso insuperável pela lógica do sistema da prescrição penal. Não se pode exigir, pela imposição das consequências da inércia, atuação de quem não pode agir, ideia expressa no brocardo latino contra non valens non currit praescriptio. Nessa perspectiva, não está caracterizada, prima facie, a prescrição da pretensão executória, diante dos marcos acima identificados e da interpretação ora dada ao disposto no art. 112, I do Código de Processo Penal. Pois, à ausência de seus requisitos legais, INDEFIRO A LIMINAR. I – Solicitem-se as informações à autoridade coatora, que poderão vir instruídas com documentos. II – Após, ao Ministério Público, para parecer. III – Por fim, voltem-me conclusos. V – Publique-se. VI – Intime-se. VII – Oficie-se. Em 08 – 05 – 2019. ANDRÉ FONTES Relator Desembargador do TRF – 2ª Região