HABEAS CORPUS 136.566

RELATOR :MIN. LUIZ FUX -  

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. PREJUÍZO DA IMPETRAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. - Habeas Corpus julgado prejudicado, nos termos do artigo 21, X, do RISTF. - Ciência ao Ministério Público Federal. DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que negou provimento a agravo regimental no recurso especial nº 1.563.726, cuja ementa transcrevo abaixo: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PARÂMETRO. VALOR DE R$ 10.000,00. NÃO CONSIDERAÇÃO DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA QUE ELEVOU A QUANTIA PARA R$ 20.000,00. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Esta Corte consolidou o entendimento de que não é possível a aplicação do princípio da insignificância quando o valor do montante do tributo devido for superior a R$ 10.000,00 (art. 20 da Lei n. 10.522/2002), não se aplicando, portanto, a Portaria MF n. 75/2012. 2. No caso, sendo o valor dos tributos elididos de R$ 15.011,25 (quinze mil, onze reais e vinte e cinco centavos), não é cabível a aplicação do referido princípio. 3. Agravo regimental desprovido.” Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática do delito tipificado no artigo 334, c/c artigo 14, II, do Código Penal, em razão de não ter declarado, após o desembarque em aeroporto nacional, estar na posse de mercadorias de origem estrangeira, as quais, de acordo com o Termo de Retenção de bens (fl. 57), consistiam em 13 (treze) unidades de “iphone 5 Apple”, avaliados em US$ 8.437,00 (oito mil quatrocentos e trinta e sete dólares) e 2 (duas) unidades de “Tablet Nexus Goolgle”, avaliados em US$ 1.599,98 (mil quinhentos e noventa e nove dólares e noventa e oito centavos) e ter tentado “ludibriar a fiscalização aduaneira para introduzir no país mercadorias trazidas do exterior (celulares e tablets) sem o devido recolhimento dos tributos devidos, sendo o montante total de tributos federais calculados em R$ 15.011,25 (quinze mil, onze reais e vinte e cinco centavos)”. O juízo natural reconheceu a incidência, in casu, do princípio da insignificância e rejeitou a denúncia, “tomando por base o limite de R$ 20.000,00 estabelecido na Portaria MF Nº 75, de 22 de março de 2012 (art. 1º, I)”, nos termos do artigo 395, II, do Código de Processo Penal. Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, tendo a Corte regional desprovido a irresignação em decisão ementada nos seguintes termos: “PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA. 1. O total de tributos iludidos perfaz R$15.011,25, conforme o demonstrativo da estimativa dos tributos incidentes na importação emitido pela Receita Federal do Brasil. 2. A Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, elevou o patamar para o não ajuizamento de execuções ficais de débitos com a Fazenda Nacional para R$20.000,00(vinte mil reais). 3. Rejeição da denúncia mantida. Na hipótese vertente, o dano decorrente da conduta praticada pelo agente pode ser considerado penalmente irrisório, ou seja, é possível a exclusão da tipicidade delitiva. 4. Não há nos autos prova de habitualidade, criminosa a servir de empeço à incidência do princípio da insignificância. 5. Recurso a que se nega provimento.” Ato contínuo, a acusação interpôs recurso especial, o qual foi provido pela Corte Superior, nos termos da ementa acima transcrita. Sobreveio a impetração do presente writ, no qual se aponta constrangimento ilegal consubstanciado na inobservância, pela Corte Superior, do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da incidência do princípio da insignificância quando se tratar de tributos devidos em montante inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos da Portaria nº 75, de 22/03/12, do Ministério da Fazenda. A defesa aduz que “no caso em exame, a Corte de origem levou em conta o montante do débito tributário (R$ 15.011,25), bem como a ausência de comprovação da habitualidade criminosa para confirmar a aplicação na espécie o princípio da insignificância”. Argumenta, em relação ao crime de descaminho, que “mais por uma questão de ordem prática do que teórica, a jurisprudência reduziu esses parâmetros ao valor no qual a Fazenda entende inviável a cobrança judicial. Mas a essência é a mesma, a inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Entende haver “clara incongruência entre o fato da Portaria MF 75/2012 estar sendo aplicada, e com base nela arquivadas as execuções fiscais de até R$ 20.000,00, e ao mesmo tempo entender inaplicável a insignificância em razão da ilegalidade da citada portaria” e pugna pela aplicação do preceito bagatelar ao caso sub examine. Ao final, formula pedido nos seguintes termos: “Assim, e restando demonstrado o constrangimento ilegal imposto ao paciente pede-se: a) No mérito, a concessão da ordem de habeas corpus para reconhecer atipicidade do fato e trancar a ação penal; b) Requer a intimação pessoal do Defensor Público-Geral-Federal para acompanhar o presente feito, contando-se em dobro todos os prazos, na forma do inciso I do art. 44 da Lei Complementar nº 80/1994, e c) Considerando que o paciente é pessoa necessitada, por isso assistida pela Defensoria Pública, não possuindo recursos para constituir advogado sob pena de privar a si mesmo e a sua família dos recursos indispensáveis à subsistência, pede-se o reconhecimento da assistência judiciária gratuita (se for o caso).” É o relatório. DECIDO. In casu, observo, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Seção Judiciária de São Paulo, que houve a publicação de sentença absolutória do paciente no dia 11/04/2018, in verbis: “Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de FRANCISCO WGLEBES LOPES, imputando-lhe a prática do crime de descaminho, artigo 334, caput, reforçado pelo 3º, e c/c artigo 14, II, todos do Código Penal. Consta da denúncia, que no dia 19 de março de 2013, o denunciado foi surpreendido, no aeroporto internacional de Guarulhos, logo após desembarcar de voo proveniente dos EUA, onde, com consciência e vontade, ao atravessar o canal 'nada a declarar' tentou ludibriar a fiscalização aduaneira para introduzir no país mercadoria trazida do exterior (celulares e tablets) sem o devido recolhimento dos tributos devidos, sendo o montante total dos tributos federais R$ 15.011,25. Em 25/06/2013 foi proferida sentença rejeitando a denúncia com fulcro no artigo 395, II, do CPP (fls. 111/113). O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito. O E. TRF 3ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso em sentido estrito (fls. 156/163). Inconformado o MPF interpôs recurso especial, o qual foi admitido (fl. 183). Em decisão proferida em 27/04/2016 foi dado provimento ao recurso especial para determinar a devolução dos autos ao Juízo de primeira instância, a fim de que dê prosseguimento na ação penal (fls. 203/205). A Defensoria Pública da União interpôs agravo regimental, o qual foi negado provimento (fl. 223). A denúncia foi recebida em 30/06/2017, oportunidade em que foi determinada a citação do réu nos termos do artigo 396 e 396-A do CPP. O réu foi devidamente citado (fl. 273) e apresentou resposta à acusação às fls. 280/281. Por decisão de fl. 282/282v., foi afastada a possibilidade de absolvição sumária. Decido. Verifico, do teor do Termo de Retenção de Bens (fl. 12) e informação de fl. 48, que o montante fiscal não recolhido relativamente às mercadorias apreendidas, totaliza R$ 15.011,25 (quinze mil e onze reais e vinte e cinco centavos). Não obstante a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tenha dado provimento ao Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal nos presentes autos, no final do mês de fevereiro deste ano, foi julgada decisão em sede de Recurso Repetitivo pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu que incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda (STJ. 3ª Seção. REsp 1.709.029/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018 -recurso repetitivo). Ressalto que tal já era o entendimento do Supremo Tribunal Federal há anos, sem divergência (v. STF. 1ª Turma. HC 120617, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/02/2014 e STF. 2ª Turma. HC 120620/RS e HC 121322/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgados em 18/2/2014). Desse modo, com a decisão acima mencionada dada em sede de recurso repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça colocou fim à controvérsia sobre o limite máximo sobre o qual incide o princípio da insignificância no crime de descaminho, adotandose o limite da Portaria MF nº 75, de 29/03/2012, que atualizou o valor previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, na qual o Ministro da Fazenda determinou, em seu art. 1º, inciso II, 'o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)' também para fins penais, o que já era adotado, reitero, pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, verifica-se a incidência do princípio da insignificância nestes autos, uma vez que o montante fiscal não recolhido relativamente às mercadorias apreendidas totaliza R$ 15.011,25 (quinze mil e onze reais e vinte e cinco centavos). Ainda que se revele subjetiva e formalmente típica a conduta do acusado, conforme dispões o artigo 334 do Código Penal, constato não haver, no caso dos autos, tipicidade material, em razão da falta de relevância do dano social, uma vez que sequer no âmbito administrativo o réu seria, necessariamente, punido. Como sabemos, o direito penal é subsidiário em relação aos outros ramos do direito. Nesse sentido, sendo materialmente atípica a conduta imputada ao denunciado, inexiste justa causa para a continuidade da persecução penal, devendo a mesma ser obstada de imediato, por meio da aplicação do artigo 397, III do Código de Processo Penal, sob pena de constrangimento ilegal em face do denunciado. O julgamento antecipado da lide, materializado pela absolvição sumária do réu, não apenas atende ao princípio da economia processual, como se apresente em 'perfeita harmonia com o consagrado direito à ampla defesa e o contraditório'. Ante o exposto, ABSOLVO SUMARIAMENTE FRANCISCO WGLEBES LOPES, brasileiro, filho de José Florentino Lopes e Francisca Maria Lopes, nascido aos 10/12/1973, portador da cédula de identidade RG nº 1.370.055 SSP/PB e do CPF nº 804.658.974-87, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal. Após as expedições necessárias e observadas as formalidades legais, arquivem-se os autos. Ciência ao Ministério Público Federal. Encaminhem-se os autos ao SEDI para as devidas anotações. Cópia da presente sentença servirá para as comunicações necessárias acima referidas (ofícios/carta precatória).P.R.I.” Ao feito foi determinada baixa, tendo sido arquivado em 25/09/2018. Releva notar que a decisão impugnada perante o Tribunal de origem e o Superior Tribunal de Justiça foi substituída pelo decisum absolutório, de sorte que, nos termos do entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal Federal, há o prejuízo da presente impetração. Nessa linha: “Habeas corpus. 2. Tráfico e associação para tráfico de entorpecentes. 3. Prisão preventiva. 4. Superveniência de sentença absolutória em relação a uma das pacientes. Prejuízo. 5. Manutenção da custódia na sentença condenatória em relação à corré. 6. Necessidade de garantir a ordem pública. 7. Constrangimento ilegal não caracterizado. 8. Ordem denegada.” (HC 111.513, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 17/08/2012) “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EXCESSO DE PRAZO PARA ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. SUBSTITUIÇÃO DO TÍTULO PRISIONAL. PERDA DE OBJETO. 1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. 2. Prisão preventiva decretada forte na garantia da ordem pública, presentes as circunstâncias concretas reveladas nos autos. Precedentes. 3. Inviável o exame da tese defensiva não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. 4. A superveniência de sentença condenatória em que o Juízo aprecia e mantém a prisão cautelar anteriormente decretada implica a mudança do título da prisão e prejudica o habeas corpus impetrado contra a prisão antes do julgamento. Precedentes. 5. Não mais se cogita de excesso de prazo da prisão ante o julgamento de mérito da ação penal. Precedentes. 6. Agravo regimental conhecido e não provido.” (HC 143.357-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 27/09/2017) Com efeito, restou consignado na sentença que dá ensejo ao prejuízo da presente impetração que “sendo materialmente atípica a conduta imputada ao denunciado, inexiste justa causa para a continuidade da persecução penal, devendo a mesma ser obstada de imediato, por meio da aplicação do artigo 397, III do Código de Processo Penal, sob pena de constrangimento ilegal em face do denunciado”. Neste contexto, destaco que o bem jurídico tutelado pelo Habeas Corpus é a liberdade de locomoção, sendo a sua efetiva vulneração, ou ameaça de lesão, em razão de ilegalidade ou abuso de poder, os pressupostos desta espécie de ação constitucional. Essa é a exegese do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, in litteris: “Art. 5º. […] LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;“ Desta sorte, à luz do juízo absolutório que reconheceu a conduta do paciente como materialmente atípica, ressoa inequívoca, in casu, a insuscetibilidade de constrição da liberdade do paciente, circunstância que evidencia a perda superveniente do objeto do writ.  Ex positis, JULGO PREJUDICADO este habeas corpus, com fundamento no art. 21, IX, do RISTF. Publique-se. Brasília, 1º de março de 2019. Ministro LUIZ FUX Relator.

 

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