RELATOR :MIN. EDSON FACHIN -
DECISÃO:
1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática, proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido liminar no HC 487.751/PR. Narra o impetrante que não se fazem presentes os requisitos da prisão preventiva, razão pela qual postula sua revogação. Indeferi a tutela de urgência (e.doc. 8). Foram prestadas informações (e.docs. 11 e 12). A defesa renovou pedido de concessão de tutela de urgência (e.doc. 14), providência indeferida (e.doc. 27). A PGR oficiou pelo não conhecimento da impetração e, no mérito, pela denegação da ordem (e.doc. 28). Noticiou-se a prolação de sentença condenatória impondo pena de 12 (doze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias, oportunidade em que se manteve a prisão processual anteriormente decretada (e.doc. 11). É o relatório. Decido. 2. Cumpre assinalar a imposição de não conhecimento da impetração, em razão da incidência da Súmula 691/STF. Nada obstante, passo a examinar eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício, providência que se subordina à caracterização de ilegalidade flagrante ou teratologia. 3. Análise dos pressupostos da prisão preventiva (fumus commissi delicti) A imposição de prisão processual subordina-se à existência de comprovação suficiente da materialidade delitiva e de indícios razoáveis de autoria delitiva. Nessa linha é a jurisprudência da Corte: “Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria (…)” (HC 137234, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, grifei) Oportuno consignar que a via do habeas corpus não se compatibiliza com o aprofundado reexame do conjunto fático-probatório que sustenta, ou não, a presença dos mencionados pressupostos. Nesse sentido: “Inviável o acolhimento da tese defensiva de ausência de materialidade e negativa de autoria, porquanto demandaria o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. Precedente.” (HC 128073, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/08/2015) “(...) cabe às instâncias ordinárias proceder ao exame dos elementos probatórios colhidos sob o crivo do contraditório e conferirem a definição jurídica adequada para os fatos que restaram devidamente comprovados. Não convém, portanto, antecipar-se ao pronunciamento das instâncias ordinárias, sob pena de distorção do modelo constitucional de competências.” (HC 116680, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 18/12/2013) 4. Dos fundamentos da prisão preventiva (periculum libertatis) Anote-se que, ao lado da exigência de prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, é indispensável que se verifique a presença de algum dos requisitos previstos no art. 312 do CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” Assim, no âmbito processual penal, a adoção de medidas cautelares pessoais, em qualquer caso, desafia a presença de risco a interesses tuteláveis por tais instrumentos, os quais podem qualificar-se como intraprocessuais, que se referem à proteção do desenvolvimento da marcha processual (instrução criminal, por exemplo) ou de sua efetividade (aplicação da lei penal, por exemplo); ou extraprocessuais, comumente associados a aspectos de prevenção especial negativa (evitar reiteração delituosa, por exemplo) ou atinente à ordem econômica. Em linhas gerais, essas são as finalidades das medidas cautelares. Não é possível, portanto, empregá-las como instrumento de punição antecipada, o que esbarraria, por óbvio, na presunção de não-culpabilidade. É nessa linha que se sustenta que as medidas cautelares decorrem de juízo de prognose balizado por critérios de convencimento motivado. Ou seja, pressupõe-se comprovação suficiente da materialidade delitiva e de indícios de autoria (fumus commissi delicti). Ultrapassada a aludida etapa, cabe avaliar a presença de ao menos algum dos requisitos associados às finalidades perseguidas pela medida cautelar (periculum libertatis). Nessa linha, por todos, colaciono o seguinte precedente: “A prisão preventiva supõe prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria; todavia, por mais grave que seja o ilícito apurado e por mais robusta que seja a prova de autoria, esses pressupostos, por si sós, são insuficientes para justificar o encarceramento preventivo. A eles deverá vir agregado, necessariamente, pelo menos mais um dos seguintes fundamentos, indicativos da razão determinante da medida cautelar: (a) a garantia da ordem pública, (b) a garantia da ordem econômica, (c) a conveniência da instrução criminal ou (d) a segurança da aplicação da lei penal.” (HC 132267, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 26/04/2016, grifei) A respeito da ordem pública, é bem verdade que referido conceito exibe indeterminação que poderia, num primeiro olhar, dificultar sua exata compreensão. Nesse campo, a jurisprudência desta Corte desempenha relevante papel, na medida em que esmiúça hipóteses caracterizadoras de risco à aludida hipótese normativa. A compreensão do STF é no sentido de que o fundado receio da prática de novos delitos pode configurar risco à ordem pública e, por consequência, legitimar a adoção da medida prisional. E essa necessidade pode ser extraída de diversas fontes. A atuação de organização criminosa ou particularidades afetas à execução criminosa que revelem a especial periculosidade do agente, por exemplo, podem atender a esse escopo. Na linha de que o risco de reiteração delituosa constitui motivação idônea da prisão preventiva, colaciono os seguintes precedentes: “Agravo regimental em habeas corpus. Legitimidade da atuação do relator na forma regimental (RISTF, art. 21, § 1º). Inexistência de afronta ao princípio da colegialidade. Precedentes. Homicídios qualificados, tentado e consumado. Processual Penal. Prisão preventiva. Revogação. Impossibilidade. Periculosidade em concreto do agravante, contumácia delitiva. Real possibilidade de reiteração criminosa. Modus operandi da conduta criminosa, a qual foi motivada por disputas relativas ao comércio de drogas. Excesso de prazo. Complexidade da causa demostrada. Processo criminal com regular processamento na origem. Constrangimento ilegal não caracterizado. Regimental não provido. (…) 2. Mostra-se idôneo o decreto de prisão preventiva quando assentado na garantia da ordem pública, ante a periculosidade do agente, evidenciada não só pela gravidade in concreto do delito, em razão de seu modus operandi, mas também pelo risco real da reiteração delitiva. 3. Prisão preventiva do agravante justificada na garantia da ordem pública, em face do risco concreto de reiteração delitiva, já que ele é contumaz na prática de crimes, bem como em sua periculosidade, evidenciada pela gravidade em concreto das condutas, vale dizer, homicídios qualificados, um consumado e motivado por disputas relativas ao comércio de drogas e outro tentado e motivado para assegurar a impunidade do primeiro delito, ambos praticados com extrema violência por meio de disparos de arma de fogo e coronhadas na cabeça de uma das vítimas.” (…) (HC 140215 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 31/03/2017, grifei) “HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENTES OS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. NEGADO SEGUIMENTO. I A decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva utilizou fundamentação idônea para demonstrar a periculosidade do paciente e a gravidade concreta do delito, evidenciadas pelo fato do mesmo fazer parte de articulada organização criminosa e possibilidade de reiteração delituosa, circunstâncias que justificam a necessidade do cárcere para garantia da ordem pública. II A orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva. III Habeas corpus denegado.” (HC 136298, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/12/2016, grifei) De tal forma, a custódia ante tempus deve ser concebida segundo uma ótica prospectiva, vale dizer, com foco no arrefecimento da possibilidade de futuras condutas potencialmente criminosas. Obviamente, o risco natural e abstrato de cometimento de crimes não se presta a tal desiderato. Indispensável, nessa medida, que as peculiaridades do caso concreto evidenciem a possibilidade real, factível, da ocorrência de tais acontecimentos. Com efeito, é a análise particular de cada caso que dirá se as circunstâncias específicas que denotam maior gravidade impõem, ou não, sob uma ótica cautelar, a prisão processual. A gravidade do crime, em determinadas circunstâncias, indica a periculosidade concreta do agente e colide com a possibilidade de concessão de liberdade, especialmente quando evidencia, de modo fundado, o risco de cometimento de outros crimes, ainda que não inseridos no exato contexto do anterior. Sendo assim, a gravidade concreta do crime e especificidades do modus operandi podem sim ser considerados como fundamento da medida gravosa, desde que sob o viés do reflexo da periculosidade do agente na possibilidade de reiteração delituosa e, portanto, com observância da finalidade acautelatória que lhe é própria. Cabe reiterar que a prisão processual não se presta, nessa dimensão, a funcionar como instrumento de punição antecipada, tampouco como modo de retribuição do injusto segundo critérios de culpabilidade. 5. Caso concreto Ultrapassadas tais premissas teóricas, passo ao exame do caso específico do paciente. 5.1. Pressupostos da prisão preventiva no caso concreto Nas informações prestadas, assim sumariou-se a imputação (grifei): “Supervenientemente, Djalma Rodrigues de Souza foi condenado, em 30/11/2018, na ação penal 5017409-71.2018.4.04.7000 a uma pena de doze anos, dois meses e vinte dias de reclusão, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, com o que reforçaram-se os pressupostos da prisão, havendo certeza da sua responsabilidade criminal. A cópia da sentença foi remetida a V. Exa., em anexo ao ofício 700005997152, em complemento das informações prestadas no HC 161.613. Em síntese, provado, acima de qualquer dúvida razoável, que a Odebrecht realizou o pagamento de vantagem indevida na ordem de USD 17.700.000,00 a Djalma Rodrigues, Diretor de Novos Negócios na Petroquisa, no âmbito do contrato de aliança nº 27/2008, formalizado em 01 de dezembro de 2008, entre a Construtora Norberto Odebrecht e a Companhia Petroquímica de Pernambuco - Petroquímica Suape (PQS), para construção de uma planta industrial de propriedade da Petroquímica Suape, localizada no município de Ipojuca, Pernambuco, para a produção de PTA (Ácido Terefálico Purificado), e no contrato de aliança nº 014/2010, formalizado em 01 de setembro de 2010, com a Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco - CITEPE, para construção de duas plantas industriais da CITEPE para a produção de filamentos têxteis (POY) e poletileno tereflatado (PET), no município de Ipojuca, Pernambuco. Os pagamentos consistiram em vinte transferências, realizadas entre 16/12/2010 e 19/03/2014, no exterior, através das contas em nome das off-shores Magna, Klienfeld, Innovation e Select, todas controladas pelo Grupo Odebrecht, para contas em nome das off-shores Spada Ltd., no Standard Chartered Bank, em Londres/Reino Unido, Maher Invest Limited, no Stantard Chartered Bank, em Genebra/Suíça, e também no BSI Overseas, nas Bahamas, Greenwich Overseas Group Ltd., no Lloyds Bank em Genebra/Suiça.” Como se vê, à luz da prova produzida durante o devido processo legal, o Juiz da causa concluiu pelo caráter ilícito das condutas apuradas. Com efeito, revela-se inviável dissentir dessa conclusão, mormente em sede de habeas corpus, forte na impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório. De tal modo, eventual inconformismo da defesa em relação à valoração da prova deve ser, a tempo e modo, veiculado e submetido ao respectivo Tribunal Regional, ao qual, por expressa dicção constitucional, incumbe a revisão das decisões proferidas por Juízes Federais. Ademais, no caso concreto, além da evidente complexidade dos fatos apurados, merece ponderação a existência de sentença condenatória proferida em primeiro grau. Ainda que tal pronunciamento, por óbvio, em tese, sujeite-se a recurso, não se despreza que a convicção lastreada pelas instâncias próprias firmou-se mediante avaliação exauriente do panorama processual. Rememoro que, conforme explicitei na decisão contida no e.doc. 27, “descabe, nesta sede, sobretudo em ambiência liminar, valorar depoimento prestado por terceiro em autos diversos a fim de desconstituir premissas fáticas do decreto preventivo”, de modo que os meandros dos fatos atribuídos ao paciente não demandam revisão, nesta via, pela Suprema Corte. Portanto, a presença dos pressupostos da medida gravosa encontra-se materializada em tal convicção jurisdicional que, nesta ocasião, não possui seu mérito submetido ao reexame desta Suprema Corte. Nessa dimensão, passo à análise da presença dos requisitos autorizadores da prisão ante tempus previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. 5.2. Fundamentos da prisão preventiva no caso concreto. Diante do cenário fático descrito, assim motivou-se a manutenção da ordem prisional (grifei): “A prisão preventiva de Djalma Rodrigues de Souza foi decretada na fase investigatória, conforme decisão de 09/05/2018 no processo 5017481-58.2018.404.7000 (evento 10). Ele está preso cautelarmente desde 21/06/2018, data da deflagração da fase ostensiva da operação. Com a sentença, os pressupostos da prisão preventiva foram reforçados, havendo certeza, ainda que sujeita a recursos, acerca de sua responsabilidade criminal. Quanto aos fundamentos, também os reputo atuais. O condenado esteve envolvido na prática reiterada de crimes graves de corrupção e de lavagem de dinheiro, por quase cinco anos. A prática serial de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro é causa suficiente para a prisão preventiva, pois põe em risco a ordem pública e a confiança no império da lei. Por outro lado, o produto do crime, de quase dezoito milhões de reais, ainda não foi recuperado e está sujeito a novas operações de ocultação e dissimulação. A manutenção da prisão no mínimo dificulta a frustração dos direitos da sociedade e da vítima de recuperar o produto do crime. Como já reconhecido, por unanimidade, pela Colenda 2ª Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ‘o risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos ainda não bloqueados’ constitui fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva (HC 130.106, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma do STF, um., j. 23/02/2016).” Na minha óptica, a questão central, inclusive no que toca à possibilidade de dissipação de recursos, reside no risco à ordem pública, o que passo a analisar. 5.2.1. Em relação a esse ponto, observo que os fatos atribuídos ao paciente revelam a suposta prática de delitos de corrupção que teriam propiciado o pagamento de expressiva vantagem indevida (aproximadamente 18 milhões de reais). Como bem enfatizado pelo Ministério Público, o paciente estaria inserido no repasse de US$ 32 milhões em contratos mantidos entre a Odebrecht e a Petrobras, sendo que os aproximadamente 18 milhões de reais teriam sido especificamente destinados ao ora paciente. Além disso, imputa-se ao paciente a prática de lavagem de dinheiro envolvendo quatro contas bancárias mantidas no exterior (Reino Unido, Suíça e Bahamas), mediante utilização de offshores e com celebração de contratos supostamente fictícios de consultoria com empresas de fachada de titularidade atribuída a familiares do paciente. Apontou-se ainda no decreto preventivo originário que os “bloqueios ordenados no Brasil, no âmbito do processo 5040688-23.2017.4.04.7000, levaram a resultados pífios, com sequestro de apenas R$ 12.393,00 (evento 66), o que igualmente sugere dissipação de ativos, agora no Brasil.” Complementou-se: “Somente as duas contas em nome de off-shore na Suíça receberam cerca de cinco milhões de dólares, como confirmado pelas autoridades suíças. As autoridades suíças, porém, informaram que as contas foram encerradas. Os valores foram portanto dissipados pelo acusado durante as investigações, após terem se iniciado as investigações da Operação Lavajato. A conclusão necessária é que o acusado, diante dos avanços das investigações e que incluiu a extensa cooperação com a Suíça, movimentou os ativos para local ainda desconhecido, provavelmente para outros países, frustrando os direitos de sequestro e confisco da sociedade.” Narra-se que o primeiro contrato supostamente desviado teria sido formalizado em 1.12.2008, sendo que os pagamentos de vantagem indevida teriam se alongado até 19.3.2014. A extensão temporal desses acontecimentos indicia que não se trata, de fato, de atuação meramente episódica, robustecendo o fundado receio de continuidade de práticas ilícitas. Esse cenário bem sugere a gravidade concreta dos delitos atribuídos ao paciente. Ademais, narra-se que parte dos recursos teria sido transferida após a notoriedade das investigações, cenário que, na visão das instâncias antecedentes, indicaria intuito de prática de atos de lavagem. Ou seja, sequer a ampla publicização da apuração teria dissuadido o paciente de novas práticas criminosas. Assim, a reiteração criminosa, sobretudo durante o curso aprofundado das investigações, confere credibilidade ao apontado risco concreto de novos delitos. Calha enfatizar que a Segunda Turma já reconheceu a prática de atos de lavagem durante o desenrolar das investigações como fundamento idôneo a lastrear a custódia ante tempus. Com efeito, ao apreciar habeas corpus impetrado em favor de RENATO DE SOUZA DUQUE (HC 130106, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016), o colegiado, por unanimidade, denegou a ordem. Cito, nesse contexto, trecho do voto condutor proferido pelo saudoso Min. Teori Zavascki, meu antecessor na Relatoria dos feitos associados à investigação de repercussão nacional: “9. Ao contrário do que ocorria com o decreto de prisão preventiva original, a decisão que decretou a segunda preventiva destacou a necessidade de custódia do agente não apenas em razão da mera existência de “contas secretas” no exterior, mas também em elementos concretos que indicam a utilização dessas contas bancárias na suposta prática de crimes de lavagem de dinheiro ao menos até o segundo semestre de 2014, quando já era pública e notória a investigação dos fatos delitivos. (…) Os indícios são de que Renato Duque, com receio do bloqueio de valores de suas contas na Suíça, como ocorreu com Paulo Roberto Costa, transferiu os fundos para contas no Principado de Mônaco, esperando por a salvo seus ativos criminosos”. (...) 11. Como se vê, apesar de o paciente estar preso por tempo já considerável, não cessaram os motivos que levaram à decretação da prisão preventiva. Os fatos expostos nas decisões proferidas pelo magistrado de primeiro grau e na denúncia oferecida indicam a suposta prática de diversos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, inclusive em período recente, quando as condutas imputadas ao paciente já estavam sendo apuradas. Além disso, haveria registro de transferências de valores das contas supostamente mantidas pelo paciente em Mônaco a outras contas nos Estados Unidos e em Hong Kong que podem ainda estar sob seu controle e fora do alcance de autoridades brasileiras, de modo que existe “risco concreto da prática de novos atos de lavagem por parte de Renato Duque em relação aos ativos secretos ainda não bloqueados” (fl. 4, doc. 4). Persiste, assim, a necessidade de reguardar a ordem pública. Ademais, os novos elementos fáticos e probatórios apontados pelo juízo impetrado revelam não mais ser recomendável a substituição da prisão preventiva por uma ou mais das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Há, no caso, risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos ainda não bloqueados.” Cabe enfatizar que no caso concreto, assim como teria se verificado quanto ao caso de Renato Duque (HC 130106, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016), aponta-se a ocorrência de transferência, em razão da notoriedade das investigações e do avanço da cooperação internacional com a Suíça, de recursos anteriormente mantidos naquele país, com a cogitada finalidade de frustrar a recuperação dos ativos e possibilitando subsequentes atos de lavagem. Na mesma linha, mais recentemente, ao manter a prisão preventiva imposta contra Jorge Luiz Zelada, ex-executivo da Petrobras, decidiu a Segunda Turma: “Hipótese concreta em que se atribui ao paciente, ora agravante, a prática de condutas de corrupção passiva e atos de lavagem de caráter multinacional. Ademais, é apontada a realização de atos de lavagem supostamente desencadeados após a notoriedade das investigações, circunstâncias que, conjugadas, sugerem ousadia delituosa e, por consequência, revelam a periculosidade do agente e o fundado receio de reiteração criminosa.” (HC 141146 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 15/03/2019) 5.2.2. Registro que a prisão do paciente foi implementada em 21.6.2018, o que, isoladamente, não revela ausência de contemporaneidade entre o risco à ordem pública e a medida cautelar implementada. De fato, a total ausência de atualidade pode, validamente, interferir na higidez da prisão processual. Em idêntico sentido, inclusive, pronunciou-se a Segunda Turma, por exemplo, no HC 137.728/PR, julgado em 2.5.2017. Esse aspecto, todavia, a meu ver, não deve ser medido pura e simplesmente por critérios cronológicos. O que deve ser avaliado, em verdade, é se o lapso temporal verificado retira ou não a plausibilidade concreta de reiteração delituosa. Com efeito, a aferição da atualidade do risco, como todos os vetores da prisão preventiva, exige apreciação particularizada, descabendo potencializar a análise abstrata da distância temporal do último ato ilícito imputado ao agente. Nesse sentido, já se decidiu: “A aferição da atualidade do risco à ordem pública, como todos os vetores que compõem a necessidade de imposição da prisão preventiva, exige apreciação particularizada, descabendo superlativar a análise abstrata da distância temporal do último ato ilícito imputado ao agente. O que deve ser avaliado é se o lapso temporal verificado neutraliza ou não, em determinado caso concreto, a plausibilidade concreta de reiteração delituosa.” (HC 143.333, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 12.4.2018) No caso concreto, verifico que os supostos atos comissivos de lavagem teriam se desenvolvido até 19.3.2014. Reitero que a prisão processual foi implementada em 21.6.2018. Assim, mesmo pelo mero critério cronológico, notadamente pelo caráter permanente do delito de lavagem de capitais na modalidade ocultação, não se afigura caracterizada, de modo flagrante, a ausência de contemporaneidade. Além disso, como dito anteriormente, há consideração expressa no sentido de que os valores objeto de lavagem não foram integralmente localizados, sequestrados ou recuperados. De tal modo, em tese, persiste a ocultação de parcela do produto do cogitado crime antecedente de corrupção. Saliento que o delito de lavagem de capitais, na modalidade ocultação, configura crime permanente, o qual, na lição de Claus Roxin (Derecho penal: parte geral. Madrid: Civitas, 1978, p. 329, tradução livre), associa-se aos “fatos em que o delito não está concluído com a realização do tipo, mas que se mantém pela vontade delitiva do autor tanto tempo como subsiste o estado antijurídico criado por ele”. No sentido do caráter permanente de infração dessa natureza, cito o seguinte precedente de minha lavra: “O crime de lavagem de bens, direitos ou valores, quando praticado na modalidade típica de ‘ocultar’, é permanente, protraindo-se sua execução até que os objetos materiais do branqueamento se tornem conhecidos, razão pela qual o início da contagem do prazo prescricional tem por termo inicial o dia da cessação da permanência, nos termos do art. 111, III, do Código Penal.” (AP 863, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 23/05/2017, grifei) Essa afirmação permite duas conclusões. Primeiro, que a ocultação, ao menos parcialmente, permanece, de modo que a suposta execução criminosa é protraída no tempo. Tal argumento, na minha compreensão, já afasta a alegação de ausência de atualidade do risco. Segundo, que o cenário evidencia, de forma concreta e motivada, o fundado receio de que esses recursos, supostamente fruto de infração penal antecedente e objeto de prévia lavagem, sejam submetidos a novos atos de lavagem, o que, inclusive, já teria ocorrido anteriormente mediante transferências ocorridas durante as investigações. Assim, tenho como observada, com nitidez, a finalidade acautelatória da medida gravosa imposta. Não desconheço a existência de precedentes, inclusive desta Corte, no sentido de que a mera existência de recursos depositados no exterior não legitima a imposição de medida prisional. Saliento, contudo, que tais pronunciamentos ocorreram sob a óptica do risco à aplicação da lei penal, sendo que, em tais casos, a simples disponibilidade financeira, obviamente, não poderia ser validamente visualizada como base empírica idônea a evidenciar o receio de fuga. O que se tem no caso dos autos, entretanto, é a avaliação fundamentada de que supostos valores objeto de lavagem não foram recuperados, cenário a propiciar o implemento de novos atos de lavagem que teriam acontecido, inclusive, durante o desenrolar das investigações. Trata-se, portanto, de risco de continuidade e reiteração de delitos e, por consequência, apto a afetar a ordem pública. Nesse sentido, a medida gravosa justifica-se no caso em apreço pelo receio concreto de prática de novos crimes, especialmente atinentes a subsequentes atos de lavagem, os quais, reitere-se, teriam, inclusive, se verificado no transcurso das apurações. De tal modo, persiste, de modo atual, o fundado receio de que o produto do cogitado crime antecedente de corrupção seja alvo de novos atos de lavagem, o que revela a presença de ameaça à ordem pública, requisito autorizador da custódia preventiva. 5.2.3. Desnecessário enfatizar que a cessação do exercício da específica função pública exercida ao tempo dos fatos (até mesmo em razão da extinção da Petropesquisa em 2011, posteriormente incorporada à Petrobras), no caso concreto, é insuficiente, na medida em que atos ilícitos são atribuídos ao paciente em momento posterior (os pagamentos teriam se prolongado até 2014). A propósito, o crime de lavagem de dinheiro que, aparentemente, se encontra em curso, é comum, não exigindo, para sua execução, qualquer condição específica do sujeito ativo. De tal modo, eventual exercício ou não de função pública não atua como fator decisivo apto a dificultar, tampouco neutralizar, a realização de novos atos de lavagem. Nesse exato sentido, transcrevo trecho do voto proferido pelo saudoso Min. Teori Zavascki no caso RENATO DE SOUZA DUQUE (HC 130106, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2016): “Considerando que a suposta reiteração delitiva do paciente está relacionada a crimes de lavagem de dinheiro, pouco importa que esteja ‘aposentado e fora da Petrobras há 3 anos’, uma vez que a condição especial de empregado da sociedade de economia mista, por óbvio, não é elementar exigida para a subsunção ao tipo penal em referência.” E ainda: “A cessação do exercício de função pública não consubstancia causa suficiente de neutralização do risco de cometimento de novos delitos, notadamente na hipótese em que se noticia a realização e continuidade de infrações que não pressupõem condição especial do sujeito ativo, como é o caso do delito de lavagem de bens.” (HC 143.333, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 12.4.2018) 5.2.4. Também não verifico em que medida as providências cautelares previstas no art. 319, CPP, revelar-se-iam adequadas e suficientes a fim de neutralizar o risco de reiteração criminosa apta a gerar risco concreto à ordem pública, especialmente quanto aos crimes de lavagem de dinheiro aparentemente em curso. A situação concreta retratada nos autos, na minha óptica, desvela, portanto, ao menos até a concretização da indisponibilidade do dos recursos supostamente objeto de lavagem, o que gerará a mitigação do risco de novas infrações, a indispensabilidade de emprego da custódia ante tempus. 5.2.5. Registro que, conforme tranquila jurisprudência desta Corte, eventuais condições subjetivas favoráveis do paciente não impedem, isoladamente, a imposição da custódia processual, notadamente quando presentes, como no caso concreto, as hipóteses previstas no art. 312, CPP, que autorizam a imposição da medida gravosa em apreço. Na mesma direção: HC 149403 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 12/12/2017 e HC 130709, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 07/06/2016. 5.2.6. A defesa também aduz a desnecessidade da custódia processual em razão de responder a outras ações penais por fatos semelhantes, sendo que, em tais procedimentos, não se encontra vigente ordem prisional. Cabe sopesar que a condição de liberdade em feito diverso que versa sobre outros fatos não acarreta a insubsistência da medida gravosa ora em exame. Isso porque, como é cediço, a análise de adequação da custódia deve ser implementada de modo particular, impondo a ponderação das circunstâncias peculiares de cada episódio tido como criminoso. Daí a inviabilidade, a meu ver, de potencializar condição de liberdade angariada em procedimento diverso em que se apuram fatos outros, ainda que eventualmente semelhantes. Ademais, o fato de que o paciente responde a outras duas ações penais por supostos crimes similares em que estariam inseridos em contexto semelhante não parece favorecer aos anseios processuais do paciente. Ao contrário, na medida em que robustecem a perspectiva de dedicação não episódica a fatos ilícitos, cenário a contribuir para o juízo de necessidade da prisão processual. 5.2.7. Sustenta a defesa que seria possível a concessão de fiança a título de contracautela. Nada obstante, concomitantemente, afirma a impossibilidade de prestação da garantia, circunstância que, na sua óptica, levaria, ainda que indiretamente, à revogação da medida prisional. Sob a perspectiva do afirmado cabimento de fiança, associado à alegação de ausência de capacidade de recolhimento da garantia, cumpre enfatizar que não se tem notícia nos autos de requerimento, deferimento ou concessão de ofício de fiança como medida substitutiva da prisão preventiva. Nesse contexto, e considerando a alegação de inviabilidade de recolhimento de fiança sequer fixada, depreendo que a medida substitutiva não desafia aplicação no caso concreto, mormente pela descrição alhures dos pressupostos e requisitos da prisão preventiva que revelam a indispensabilidade do emprego da custódia para fins de dissuadir a persistência e reiteração delituosa. 5.2.8 Cabe salientar, outrossim, que não se verifica desarrazoada duração da prisão processual. Em relação ao alongamento temporal da prisão processual, anoto que a “jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não procede a alegação de excesso de prazo quando a complexidade do feito, as peculiaridades da causa ou a defesa contribuem para eventual dilação do prazo.” (HC 139430, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/06/2017). Em linha semelhante: HC 132511, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 02/05/2017; HC 140215 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 31/03/2017 e HC 138987 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 17/02/2017. No mesmo sentido, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelece os seguintes critérios para aferição da duração razoável do processo: “a) complexidade do caso; b) atividade processual do interessado; c) conduta das autoridades; d) os efeitos experimentados pelos implicados no processo” (GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. - 2.ed São Paulo: Atlas, 2015, p. 352). Verifico que as peculiaridades do caso em apreço não permitem o reconhecimento de prolongamento excessivo do curso processual. A prisão do paciente foi implementada em 21.6.2018. A sentença condenatória foi proferida em 30.11.2018, a revelar a celeridade do feito em primeiro grau, no qual se atribuem diversas condutas criminosas, supostamente ocorridas em contexto fático intrincado, a 9 (nove) acusados. Após a interposição, processamento e recebimento, os recurso de apelação foram remetidos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 14.2.2019. Em 15.2.2019, o TRF-4ª determinou a colheita de razões recursais defensivas, as quais foram apresentadas até 6.3.2019. O Ministério Público Federal apresentou parecer em 10.4.2019. Foram solucionados incidentes e recursos quanto à postulação de desentranhamento do parecer ofertado pelo Ministério Público, providência que motivou, inclusive, a interposição de recurso especial. Com a finalidade de propiciar tramitação célere dos recursos de apelação pendentes, o Relator determinou a cisão do feito, com distribuição do recurso especial à respectiva Vice-Presidência do TRF4, possibilitando, com esse proceder, o retorno do exame dos respectivos recursos ordinários, fase processual atual. Observo que a ação penal encontra-se em fase de processamento em segundo grau, indicando regular prosseguimento processual. Depreendo ainda, a partir da análise da marcha processual, que os autos permaneceram aguardando impulso oficial por lapso temporal bastante diminuto, tendo sido equacionados os diversos incidentes processuais dentro das balizas da razoabilidade. Nessa dimensão, atento à jurisprudência desta Suprema Corte, que assenta que a extensão temporal da formação da culpa deve ser avaliada de acordo com as particularidades de cada caso, sem conferir contornos de improrrogabilidade às recomendações legais, igualmente não reconheço constrangimento ilegal decorrente da duração da medida gravosa. 6. Diante do exposto, nos termos do art. 21, §1°, RISTF, nego seguimento ao habeas corpus. Publique-se. Brasília, 9 de julho de 2019. Ministro EDSON FACHIN Relator