Concussão. Extorsão realizada por policiais civis e federais para não realizar flagrante e apreensão de mercadorias. Prisão preventiva. Reiteração delitiva que justifica a custódia cautelar em garantia da ordem pública.
Rel. Des. Néfi Cordeiro
Trata-se de habeas corpus impetrado por Cledy Gonçalves Soares dos Santos e Mauricio Defassi em favor de Daniel Abreu Pimenta da Cunha, objetivando a soltura do paciente, preventivamente preso pelo Juízo Federal Substituto da 2ª VF de Foz do Iguaçu/PR. Narra que o magistrado a quo acolheu representação ministerial pela prisão preventiva do paciente, com base na garantia da ordem pública, tendo sido preso o paciente em 16/03/07; que foi o paciente denunciado por concussão; que as supostas vítimas denunciaram em Delegacia a extorsão por policiais civis e federais, reconhecendo o paciente em álbum de fotografias como sendo um dos autores; que desenvolveu-se inquérito policial, com a ouvida de testemunhas, sem qualquer notícia de intervenção do paciente ou de outros indiciados na correta produção das provas. Sustenta não existir suporte fático a autorizar a prisão preventiva, decretada sem a adequada motivação e baseando-se apenas no uso de armamento funcional pelo policial, e em anônima denúncia de que o paciente estaria montando um esquema para desviar mercadorias apreendidas na ponte internacional da amizade; que não foi instaurado qualquer procedimento para apurar o esquema noticiado; que no período da denúncia anônima estava o paciente inclusive em férias e não lotado na Ponte da Amizade; que indevidamente a decisão acaba por ingressar em juízo de mérito da culpa do processado; que não se fazem presentes os requisitos legais para a excepcional medida de prisão; que é o paciente primário, com residência fixa e lícita ocupação como servidor público federal; que não foi o paciente afastado administrativamente de suas funções, justamente porque entendido não ser tal medida necessária e em respeito à presunção constitucional de inocência do processado. Requer a concessão do habeas corpus, inclusive por liminar, para a soltura do paciente. DECIDO. Do exame dos autos, vê-se que é o paciente processado por ter em 03/02/07, juntamente com um escrivão aposentado da Polícia Civil e um escrivão ad hoc da mesma entidade, exigido cinco mil dólares (após reduzida a quantia para cinco mil reais) de particulares para não prendê-los e para não apreender mercadorias descaminhadas, que localizaram em estacionamento na cidade de Foz do Iguaçu/PR. A eminente magistrada a quo deferiu o pleito ministerial de prisão preventiva, formulado por ocasião da oferta da denúncia, como garantia da ordem pública: No ponto, há comprovação nos autos quanto à materialidade do delito noticiado, consistente nos depoimentos das testemunhas Ronaldo Barbosa, funcionário do estacionamento onde os acusados teriam cometido o delito de concussão (fls. 03/04 do IPL), Priscila Veronica Guerreiro, moradora no local em que funciona o estacionamento (fls. 05/06 do IPL), Nanci Michelli Guerreiro, irmã de Verõnica Priscila (fl. 07 do IPL) e Juana Marina Farina, madrinha de Nanci Michelli Guerreiro (fl. 51 do IPL). Os indícios de autoria, por sua vez, recaem sobre os denunciados, considerando que as testemunhas acima referidas, apontaram o acusado Daniel Abreu Pimenta da Cunha como sendo um dos autores da exigência de quantia em dinheiro para não realização do flagrante pelo crime de descaminho, e os demais denunciados compareceram na Delegacia da Polícia Federal e admitiram ter acompanhado aquele acusado no dia dos fatos. ... 5. No caso em tela, como primeiro pressuposto apontado pelo agente ministerial, justifica-se a imposição da prisão preventiva para garantia da ordem pública.... De acordo com os depoimentos colhidos no curso das investigações, os três denunciados - um Agente da Polícia Federal, um escrivão aposentado da Polícia Civil do Estado do Paraná, e um escrivão ad hoc do 2º Distrito Policial da Polícia Civil em Foz do Iguaçu/PR - exigiram vantagem indevida (R$ 5.000,00) para deixar de apreender mercadorias encontradas no estacionamento Michelle, localizado na Vila Portes, nesta cidade, bem assim efetuar a prisão em flagrante das pessoas que se encontravam no local. O modo como procederam à prática, em tese, do delito, assim como as notícias de envolvimento dos mesmos em outras práticas delitivas, são justamente os elementos que indicam ser a liberdade dos acusados atentatória à garantia da ordem pública. Explico. Conforme relato das testemunhas ouvidas pela autoridade policial, por ocasião dos fatos, os acusados estavam armados - um deles, possivelmente Ademir, estaria portando uma metralhadora -, possuiam algemas e um aparelho giroflex, simulando de fato uma abordagem policial. A exceção do giroflex, entregue por Ademir (fl. 25), não há notícia nos autos quanto à apreensão das referidas armas, bem assim das algemas. Aliás, a arma que teria sido utilizada pelo APF Daniel coincide com a arma que o mesmo recebeu em guarda da Polícia Federal. Também não consta informação nos autos sobre eventual afastamento do referido policial da corporação, a presumir, portanto, que o mesmo não mais estaria de posse do referido armamento. Logo, forçoso reconhecer que os acusados ainda possuem consigo tais armas, de maneira que facilmente poderiam empreender nova incursão em conduta semelhante à narrada nos autos. De outra parte, de acordo com o relato da autoridade policial, no curso das investigações foi apurada uma possível cobrança de valores - que seria realizada na mesma data -, por parte dos réus em favor de HASSAN MUHAMAD BASSAN. Em vista disso, O Sr. Cristiano Nascimento do Carmo, proprietário do veículo utilizado pelos denunciados por ocasião dos fatos narrados na denúncia, foi novamente ouvido, e “disse ter relação pessoal próxima com o APF DANIEL e ter recebido os cheques de HASSAN BASSAN, para saldar uma dívida que este tinha com o depoente. Os cheques foram utilizados para comprar um veículo no estacionamento ROSSINI MULTIMARCAS, mas sem motivo nenhum os cheques foram cancelados. No dia 02/02/07, sexta-feira, entregou os cheques para o APF DANIEL para fazer a cobrança, visto que ele tinha 02 (dois) amigos que poderia fazer o serviço, sem o pagamento de qualquer contraprestação, tudo feito em razão da amizade pessoal.“ (fl. 97; grifei). Ora, a tal cobrança mencionada por Cristiano e que seria realizada justamente pelos denunciados, consistia na exigência - provavelmente fazendo uso de meios intimidatórios, visto que o pagamento espontâneo já não teria ocorrido - de valores em favor de HASSAN MUHAMAD BASSAN (os devedores desses valores, responsáveis pela empresa ROSSINI MULTIMARCAS, relataram, inclusive, que teriam sido procurados por HASSAN em razão dos cheques e que foram ameaçados por tal indivíduo). Perguntado sobre o tema - cobrança de valores -, na acareação realizada entre os acusados, o denunciado DANIEL DA SILVA MENEZES disse, inclusive, que “JÁ FEZ 02 (DUAS) OU 03 (TRÊS) VEZES E ACHA “A COISA MAIS NORMAL DO MUNDO“ (fl. 56). Cumpre notar que, muito embora os denunciados não tenham reconhecido já possuírem uma relação mais estreita - tendo fornecido versões incongruentes sobre o conhecimento que tinham uns dos outros, assim como a forma como os fatos teriam ocorrido - considerando os demais depoimentos colhidos no IPL, em especial as declarações prestadas. por Cristiano Nascimento - que disse ter o APF DANIEL referido os demais acusados como seus AMIGOS -, percebe-se claramente que os acusados mantêm sim vínculos mais estreitos, circunstância que reforça a facilidade de rearticulação do grupo, caso mantidos em liberdade. Além disso, especificamente com relação ao APF DANIEL, a autoridade policial relatou que “ ... em meados de dezembro, recebeu a informação, por fonte confidencial, de que o APF DANIEL procurou um Policial Rodoviário Federal e disse que estava precisando de ajuda para entrar em um esquema de desviar mercadorias apreendias na Ponte Internacional da Amizade. O PRF, já antigo, indicou que ele procurasse um PRF recém-ingresso na corporação e ao procurá-lo, o APF DANlEL disse que sabia que estava vindo uma carga de três pacotes de alto valor, que iria ser passada pelo “rapel“. Os PRF's deveriam ficar lá embaixo esperando até que descessem as três caixas, depois, em companhia do Policial Federal, abordariam e apreenderiam as mercadorias, mas só apresentariam para a Receita Federal duas caixas, ficando com uma delas. Cerca de três equipes de PRF que atuam na PIA informaram terem sido abordadas pelo APF DANIEL à procura de parceiros para entrar em um esquema de desvio de mercadoria. Essas informações foram transmitidas ao Chefe de Delegacia, em exercício, para que fossem tomadas as providências cabíveis.“ (fl. 101, grifei). O relato da autoridade policial indica claramente que os fatos apurados no presente feito não se mostram um incidente isolado na vida do APF DANIEL, circunstância que só vem a reforçar a necessidade de segregação do acusado. Dessa forma, apontando os autos que a ligação entre os acusados data de momento anterior ao cometimento do delito denunciado, possuindo os mesmos facilidade de rearticulaçâo - os três, até o momento, residem na mesma localidade -, que os denunciados seguem de posse de armas de fogo, entre outros equipamentos, e havendo notícia nos autos - com relação ao APF Daniel e ao acusado Daniel Menzes - de que os fatos ocorridos no dia 03.02.2007 não seriam as primeiras incursões dos acusados em conduta semelhante, seja pela afirmação de Daniel Menzes sobre cobranças de dívidas anteriores, seja, com relação ao APF Daniel, pelo relato acima transcrito, manifesto se mostra o pressusposto de garantia da ordem pública, autorizador da segregação cautelar dos denunciados. 6. Por outro lado, não verifico a necessidade de prisão dos denunciados por conveniência da instrução criminal, entendida esta como custódia em razão de perturbação ao regular andamento do processo ou da investigação. Isso porque, conquanto tenha a autoridade policial relatado o temor das testemunhas/vitimas em firmar seus depoimentos, nenhuma ocorrência em concreto, no sentido de que os acusados tivessem cometido qualquer ato tendente a atemorizar tais pessoas, está noticiada nos autos ou mesmo foi apontada. 7. Diante do exposto, justifica-se a custódia preventiva dos indiciados para garantia da ordem pública, com fundamento nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. (Fls. 113/117 destes autos) Realmente, a reiteração delitiva justifica a custódia cautelar em prol da ordem pública. A decisão atacada esclarece que além da concussão pela qual é o paciente processado, há ainda notícias de outras cobranças forçadas de cheques por ele confessadas, além de suposto esquema de desvio de mercadorias que estaria sendo pelo réu organizado. Com razão a defesa ao apontar que não existe prova de instauração de procedimentos administrativos ou criminais para apuração dos demais fatos, mas nessa fase processual e para o juízo da cautelar de prisão, bastam as informações constantes dos autos, parte inclusive provinda do próprio investigado. De outro lado não acompanho o argumento, utilizado na decisão atacada, de que o uso de arma e material policial pelo réu, que licitamente os detinha como policial, traria consigo a presunção de reiteração por permanecerem à disposição do paciente os meios da prática delituosa. De todo modo, entendendo por ora suficientes os fundamentos fáticos de reiteração delitiva a legitimar a garantia da ordem pública, não vejo ilegalidade na decisão atacada, razão pela qual denego a liminar pleiteada. Oficie-se, solicitando informações . Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Intimem-se. (21.03.07)