Prisão em flagrante. Custódia cautelar. Paciente com extensa folha de antecedentes. Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal para assegurar a aplicação da lei penal. Excesso de prazo. Princípio da razoabilidade.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por CLÁUDIO GOMES DA SILVA em favor de FLÁVIO ALESSANDRO MIRANDA SEVERO, objetivando a concessão de liberdade provisória, nos autos do Inquérito nº 2007.71.00.006637-0, em trâmite junto à 3ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre. Segundo se depreende da inicial, FLÁVIO foi preso em flagrante no dia 02 de março do corrente ano pela prática, em tese, do crime de estelionato tentado (art. 171, § 3º c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal) além de falsidade ideológica e uso de documento falso (arts. 299 e 304 do CP). A defesa requereu a concessão de liberdade provisória, tendo a MM. julgadora singular indeferido o pedido e decretado a custódia cautelar do Paciente, nos seguintes termos (fls. 07/8): “Flávio Alessandro Miranda Severo foi preso em flagrante no dia 02/03/2007, na agência do INSS de Gravataí, quando tentava receber benefício previdenciário da falecida Sueli Fleck Duarte. Apesar de não lograr seu intento, o flagrado chegou a apresentar junto à Autarquia procuração supostamente firmada pela beneficiária, documento atestando a impossibilidade de comparecimento pessoal à agência e documentos originais da outorgante e do outorgado. Além disso, dirigiu-se à agência do Bradesco a fim de sacar os valores relativos ao benefício, só não o fazendo porque o banco foi comunicado acerca da fraude e solicitou a Flávio que retornasse ao INSS. A prisão foi homologada no mesmo dia do flagrante. Foram apreendidos em poder do investigado uma carteira de identidade de Sueli Fleck Duarte, cartão magnético e extrato da conta da beneficiária no Banco Bradesco, além de documentos do INSS. Juntados os antecedentes do flagrado na Justiça Federal da 4ª Região e nas Comarcas de Porto Alegre e Gravataí, os autos foram remetidos ao MPF, que requereu a decretação da prisão preventiva. A materialidade do crime e os indícios de autoria encontram-se demonstrados na Comunicação de Prisão em Flagrante nº 2007.71.00.006637-0, notadamente pelos depoimentos das testemunhas Camila Centenaro Levandowski, técnica previdenciária, e Sérgio Ricardo Pagliari, chefe da agência do INSS de Gravataí. Ademais, o flagrado confessou ter elaborado a procuração supostamente outorgada pela beneficiária Sueli, na qual foi aposta a impressão digital de uma cigana não identificada, bem assim ter comprado o atestado médico utilizado para comprovar a suposta impossibilidade de comparecimento pessoal da beneficiária, além de ter apresentado a documentação falsa no INSS e de ter comparecido à agência bancária para sacar o benefício indevido. Com relação à preventiva, entendo presente o requisito da garantia da ordem pública a fim de evitar a reiteração delitiva, haja vista que a folha de antecedentes da Justiça Federal registra uma condenação, em fase de execução penal, pelo cometimento de outras fraudes, inclusive com ordem de prisão expedida pela 2ª VF Criminal (conforme mandado juntado aos autos nº 2007.71.00.006637-0) além de estar respondendo pela prática de outros delitos perante a Justiça Estadual. Do mesmo modo, estão presentes os requisitos da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal porque, estando até então foragido do sistema prisional, o flagrado demonstra desinteresse em se submeter aos limites impostos pelo sistema repressivo, podendo-se acreditar que, caso seja libertado, não apenas se esquivará de responder pelo delito agora praticado, como também retornará à atividade ilícita e persistirá afrontando as normas jurídicas. Impende, pois, precaver a sociedade de maiores danos. Cumpre ressaltar, por fim, que ser afamiliado, possuir residência fixa e atividade lícita não impedem o decreto preventivo, se presentes, como visto, os requisitos para a sua decretação. Ante o exposto, diante das provas da existência do crime e dos fortes indícios de autoria, como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, decreto a prisão preventiva de FLÁVIO, com base no art. 312 do CPP. Comunique-se à SUSEPE e também aos Juízos das seguintes Varas, onde tramitam processos contra o flagrado: 11ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre, onde tramita o processo 001/2.06.0044610-8; Comarca de Venâncio Aires, para onde foi remetido o processo 015/2.06.0006676-4 da Comarca de Gravataí; c) Comarca de Alvorada, para onde foram remetidos os processos 2002.71.00.013228-8 e 2002.71.00.027416-2 deste Juízo. Intimem-se a defesa e o Ministério Público Federal. Daí o ajuizamento do presente habeas corpus. Nas razões, sustenta o Impetrante a falta de fundamentação concreta do decisum monocrático quanto aos pressupostos da prisão preventiva. Alega que inexistem razões justificando a segregação, haja vista a pequena gravidade do delito imputado, que admite inclusive o sursis. Por fim, aduz haver “coação ilegal ao seu direito de ir e vir“ por estar preso há mais de 75 dias sem que até o momento tenha sido encerrado o inquérito policial. Diante disso, requer o deferimento da liminar para “determinar a expedição de alvará de soltura em favor do Paciente“, bem como a concessão da ordem pela Turma, a fim de que seja revogado o guerreado decreto prisional. Inobstante os doutos argumentos da impetração, não se encontram evidenciados os requisitos indispensáveis para o deferimento da medida de urgência pleiteada neste writ. A custódia cautelar do Paciente restou devidamente fundamentada nas hipóteses do art. 312 do CPP, em especial o requisito da ordem pública, uma vez que, consoante asseverado pela autoridade Impetrada, o investigado possui extensa folha de antecedentes, “demonstrando desinteresse em se submeter aos limites impostos pelo sistema repressivo, e, caso seja libertado, é possível crer que retornará à atividade ilícita e persistirá afrontando as normas jurídicas.“ Por outro lado, conforme temos referido em casos análogos, em relação aos prazos processuais penais, impõe-se considerá-los sob a perspectiva da razoabilidade, ao invés de adotar parâmetros rígidos e imutáveis. Assim, não se pode apontar eventual delonga pela observação isolada de cada uma das etapas do feito, mas, sim, pela análise do conjunto. Na hipótese de não serem extrapolados limites toleráveis, considerando as circunstâncias peculiares do caso concreto, pequenas demoras - associadas, também, à complexidade da causa - hão de ser aceitas e não consubstanciam ilegalidade. O limite de 101 dias, na Justiça Federal, para o término da instrução criminal resulta de construção pretoriana, considerando a mera soma aritmética dos lapsos temporais estabelecidos no Estatuto Penal Adjetivo. Todavia, a jurisprudência é remansosa no sentido de que tais prazos não constituem períodos fatais e peremptórios, podendo ser mitigados, frente às características do feito em julgamento. Nesse sentido, já decidiu o STJ que “pequeno atraso na instrução, justificado pelas circunstâncias, não conduz ao reconhecimento do excesso de prazo. Nesse ponto, vige o princípio da razoabilidade, pelo qual se leva em conta o prazo global percorrido e não as fases intermediárias, tolerando-se pequeno atraso, consoante as circunstâncias de cada caso.“ (6ª Turma, RHC nº 7372/SP, Rel. Min. Anselmo Santiago). Na mesma direção, consulte-se o Acórdão assim ementado: CRIMINAL. HC. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INCIDENTES PROCESSUAIS. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS. PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. DEMORA JUSTIFICADA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. (OMISSIS). Por aplicação do princípio da razoabilidade, tem-se como justificada eventual dilação de prazo para a conclusão da instrução processual, em hipótese de feito complexo e diante da necessidade de observância às formalidades da expedição de cartas precatórias. Inexiste constrangimento ilegal quando o trâmite é regular e a demora não é provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, mas sim, decorrente de incidentes do feito e de diligências usualmente demoradas. O prazo de 76 dias para a conclusão da instrução criminal, na apuração de crimes previstos pela Lei nº 6.368/76 não é absoluto. O constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada... (STJ, HC nº 18.684/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, julg. em 26.02.2002, publicado no DJ em 08.04.2002). Na hipótese dos autos, não é possível constatar, de plano, a alegada demora excessiva da investigação, devendo-se aguardar os informes do Juízo de primeiro grau para melhor esclarecimento da quaestio. A par disso, mister referir que o presente mandamus não foi suficientemente instruído com as cópias do procedimento criminal em debate, inviabilizando assim análise conclusiva quanto à verossimilhança das alegações trazidas na inicial, frente à ausência dos elementos de prova pré-constituída. Com essas considerações, não vislumbrando, por ora, flagrante constrangimento ilegal à liberdade do Paciente, indefiro a liminar. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada, que as prestará no prazo de 05 (cinco) dias. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 18 de maio de 2007.
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