Habeas Corpus Nº 2007.04.00.016882-3/pr

Estelionato contra ente público. Pequeno prejuízo e pequeno valor. Avaliação. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Trancamento da ação penal. Não cabimento.

Rel. Des. Néfi Cordeiro


Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por RICARDO KREISS NETO, em causa própria, contra ato do Juízo Federal da 3ª VF Criminal e JEF Criminal de Curitiba/PR, objetivando o trancamento do processo-crime 2006.70.00.014314-9. Segundo a impetração foi o paciente denunciado por estelionato contra ente público, já que como servidor da prefeitura Municipal de Curitiba teria feito incluir seu nome no cadastro único de programas oficiais de distribuição de renda, embora sabedor de que não se enquadrava na categoria de baixa renda familiar, vindo a perceber o indevido benefício de R$ 360,00 (fl. 07); Sustenta o impetrante ser a denúncia inepta, porquanto não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente, não havendo, sequer, menção ao artifício, ardil ou outro meio fraudulento supostamente utilizado pelo acusado, tal como previsto no art. 171, do CP. Argumenta que a conduta é atípica uma vez que requereu o Programa Bolsa Família por extrema necessidade e após ter o conhecimento sobre os requisitos expostos de maneira defeituosa, por um mal funcionário e pelo mal funcionamento do órgão concessor do benefício, tendo requerido seu cancelamento junto à Fundação de Ação Social, conforme documento da fl. 10. Prossegue o impetrante postulando a aplicação do princípio da insignificância em face do montante ínfimo auferido, que perfaz R$ 360,00. Por tais razões, requer, inclusive por liminar, o trancamento do processo-crime 2006.70.00.014314-9, por ausência de justa causa para a ação penal, pois malfere, a um só tempo, os princípios da insignificância e fragmentaridade, invalidando-se, desde a denúncia, inclusive, todos os atos processuais praticados na referida causa penal. Pleiteia, ainda, a gratuidade judiciária. É o relatório. Decido. Inicialmente aponto que deixo de examinar a argüição de inépcia da denúncia porquanto não juntou o impetrante referida peça nos presentes autos - apenas fazendo menção na inicial do writ, sucintamente, como os fatos se sucederam, a fim de que se possa verificar a correta imputação fática. Na seqüência, embora possível o exame do princípio da insignificância em qualquer crime, onde se observará o atingimento com mínima relevância do bem jurídico tutelado, a condição de dano irrelevante não se verifica na espécie. Valores de um salário mínimo são pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admitidos como aptos a gerar no máximo o estelionato privilegiado - e não a insignificância - de modo que com isso claramente se afastam as quantias indicadas neste feito da hipótese de dano irrelevante ou nenhum: PENAL. HABEAS CORPUS. (EC 22/99). ESTELIONATO. PEQUENO PREJUÍZO E PEQUENO VALOR. AVALIAÇÃO. REINCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA I - As situações, em termos de momento de avaliação, entre o pequeno valor no furto privilegiado e pequeno prejuízo no estelionato privilegiado se identificam. As proibições inseridas nos tipos objetiva a proteção do patrimônio como bem jurídico. No furto, em relação a bens móveis (pequeno valor da res) e, no estelionato, em relação a bens móveis e imóveis (pequeno prejuízo). II - O “pequeno prejuízo“, que pode ser, em regra, até um salário-mínimo, é o verificado por ocasião da realização do crime e, na conatus (tentativa), é aquele que adviria da pretendida consumação. Tudo isto, sob pena de se transformar toda tentativa de estelionato em tentativa de estelionato privilegiado III - A reincidência impede a aplicação do § 1º do art. 171 do C. Penal IV - O princípio da insignificância diz com a afetação ínfima, irrisória, do bem jurídico, sendo causa de exclusão da tipicidade penal. Nem todo estelionato-privilegiado permite a incidência do referido princípio, pois pequeno prejuízo não implica, necessariamente, em prejuízo irrisório. Writ indeferido. HC 9199/MG, Relator FELIX FISCHER, j. 17/06/1999. Na espécie o valor recebido indevidamente é de R$ 360,00, montante superior ao salário mínimo, o que já exclui de plano a tese da insignificância. Os precedentes do STJ bem esclarecem quanto aos limites admitidos naquela Corte para a insignificância: Ademais, a própria exordial acusatória ressalta que o preço real do talão seria R$ 1, 20 (um real e vinte centavos), podendo ser adquirido em bancas de jornais e postos de venda credenciados. Mesmo assim, a vítima teria optado por pagar o preço de R$ 3,00 (três reais) ao paciente (fl. 14). Considera-se como delito de bagatela, incidindo, portanto, o princípio da insignificância, o estelionato praticado, em tese, para a obtenção de vantagem de ínfimo valor monetário - hipótese dos autos, acrescentando-se que não restou evidenciada a ocorrência de prejuízo significativo ao patrimônio da suposta vítima (HABEAS CORPUS N° 18.314-RJ, RELATOR GILSON DIPP, J. 04/06/02) Observa-se que a falsificação do ticket de estacionamento pela paciente, teve por objetivo ilidir o pagamento de R$ 1,50 (um real e cinqüenta centavos). HABEAS CORPUS Nº 34.626 - MG, RELATOR FELIX FISCHER, J. 15/06/04. Ademais, a imputação é de que aproveitou-se o paciente de sua função pública para inserir dados inverídicos e assim obter o indevido benefício assistencial, o que faz também ver como atingida a fé pública e a moral administrativa, bens jurídicos subsidiariamente tutelados pelo estelionato. O mesmo raciocínio é aplicado ao princípio da fragmentaridade, como adotado no precedente citado pela impetrante (HC 21.750/SP), pois igualmente aqui há de se entender como atingido de forma relevante o bem jurídico patrimônio, pois existentes danos superiores ao salário mínimo. Assim, típica é a conduta imputada. Acrescento que recentemente acolheu esta Turma igual entendimento, por maioria, no julgamento de mérito de habeas corpus da mesma questão e no mesmo processo de origem: “HABEAS CORPUS“ Nº 2007.04.00.001026-7/PR RELATOR:Des. Federal NÉFI CORDEIRO IMPETRANTE:DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO ADVOGADO:Fabiano Caetano Prestes PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO CONTRA ENTE PÚBLICO. BOLSA FAMÍLIA. RECEBIMENTO INDEVIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NÃO CABIMENTO. 1. O princípio da insignificância diz com a afetação ínfima, irrisória, do bem jurídico, sendo causa de exclusão da tipicidade penal. 2. Em sede de estelionato, o valor correspondente ao salário-mínimo tem sido considerado como limite para o pequeno dano (estelionato privilegiado), pelo que ainda menos poderia justificar a insignificância. 3. Incabível o trancamento da ação penal, havendo justo motivo para a persecução penal. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a egrégia 7ª turma do tribunal regional federal da 4ª região, por maioria, vencida a Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère , denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 06 de fevereiro de 2007. Ressalto, por fim, que a alegada necessidade dos programas de auxílio do governo em virtude da baixa renda familiar é matéria de mérito, sendo incabível a discussão na via estreita do habeas corpus. Por ora, pois, não vejo como possível atribuir a condição de acusação infundada à denúncia, porque existente suporte probatório mínimo da ocorrência do crime imputado. De outro lado, cabível é o benefício da gratuidade judiciária, pois pleiteado na forma legal, sendo também legal o direito do órgão ministerial à intimação pessoal. Defiro, pois, os pleitos das alíneas a e b, dos pedidos preliminares, da fl. 08. Anote a Secretaria. Desse modo, indefiro o pleito liminar. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Intime-se. Porto Alegre, 31 de outubro de 2007.

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