Habeas Corpus Nº 2007.04.00.017512-8/sc

Associação para o tráfico internacional de drogas. Lavagem de dinheiro. Periculosidade do agente. Reprodução de fatos criminosos. Garantia da ordem pública. Prisão preventiva mantida.

Rel. Juíza Eloy Bernst Justo

Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, que Hector Ribeiro Freitas e Guaracy Freitas impetram em favor de Celso Gomes objetivando a revogação da prisão preventiva do paciente, decretada pelo Juízo Substituto da Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Florianópolis-SC nos autos do Inquérito Policial nº 2007.72.00.004302-4 (relativo à denominada Operação Conexão Criciúma). Argumentam os impetrantes a incompetência do magistrado da Vara Criminal da Capital Catarinense para o processamento do caderno investigatório e, por conseguinte, a nulidade da decisão que determinou a custódia provisória do paciente. Aduzem, outrossim, que a restrição ambulatorial de Celso Gomes, além de afrontar o princípio constitucional da presunção de inocência, não encontra respaldo em fatos concretos. É o relatório. Decido. Inicialmente, razão não assiste à impetração no concernente à incompetência do Juízo prolator da medida hostilizada. É que se apura, na espécie, não apenas o crime de associação para o tráfico de entorpecentes, mas também o branqueamento de valores oriundos desta prática ilícita, e, na forma do disposto na Resolução nº 56/06-PRES/TRF4R, compete à Vara Federal Criminal de Florianópolis processar e julgar todos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores ocorridos no âmbito da Seção Judiciária de Santa Catarina. Pois bem. Dúvida não existe de que a presunção constitucional de inocência não impede a prisão provisória de natureza cautelar. No entanto, como a sua decretação representa uma exceção àquele princípio, é imprescindível que o juiz a fundamente, objetiva e concretamente, em face do material constante dos autos e à luz dos pressupostos e requisitos legais. De fato, a legitimidade da imposição da medida acautelatória em apreço subordina-se à presença simultânea do fumus comissi delicti (prova da materialidade e indícios de autoria) e do periculum libertatis (pressupostos da preventiva). No caso, em que pese ausente a apreensão de material estupefaciente, não há como deixar de reconhecer, neste exame perfunctório, a existência de sinais exteriores apontando a probabilidade real da autoria das infrações penais em apuração, bem como a materialidade delitiva. Com efeito, o suposto envolvimento do paciente no tráfico internacional de substância alucinógena não resulta da conclusão de atos apuratórios isolados e recentes, mas sim “de extenso trabalho investigativo“ com mais de um ano de desenvolvimento, conforme ressaltado pela autoridade policial em seu relatório parcial (fl. 21). Os impetrantes, a respeito, eximiram-se de apresentar os dados coligidos no inquérito à Corte, obstando, conseqüentemente, qualquer manifestação mais aprofundada sobre o teor dos elementos probatórios até então produzidos. Quanto aos pressupostos para a impingência da medida em apreço, restam igualmente presentes. Senão vejamos. A determinação da idéia de ordem pública contida no artigo 312 da Lei Adjetiva Penal, como é sabido, deve ser aferida por meio da estrutura de valores que servem de suporte a uma sociedade harmônica, segura e confiável. É assim que o conceito de tal expressão, em face da necessidade da própria comunidade, vem sendo paulatinamente ampliado pela jurisprudência e doutrina pátrias, não mais se destinando apenas “a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida, como já se decidiu no STF, deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa. Embora seja certo que a gravidade do delito, por si só, não basta à decretação da custódia provisória, não menos exato é que a forma de execução do crime, a conduta do acusado, antes e depois do evento, e outras circunstâncias provoquem intensa repercussão, e clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública“ (MIRABETTE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 1991, p. 368). Ora, o decisum impugnado tem por fundamento não meras presunções, mas, justamente, a grandiosidade da associação desvendada, competindo seu comando a Celso Gomes, que atua “como responsável pela logística da remessa do entorpecente para o continente europeu“ (fl. 50). Não fosse tal constatação bastante, notória é a periculosidade que representa, para a sociedade, a prática da referida infração penal, sobretudo em razão de sua contribuição para o incremento de outros inúmeros crimes que lhe dão suporte. Outrossim, também a recalcitrância do agente na modalidade delitiva está a legitimar sua custódia ante tempus. A propósito, o julgador primevo salientou que o investigado já foi outrora flagrado “em um laboratório de refino na Fazenda Panorama II, cidade de Redenção/PA. Esse laboratório foi considerado, na época, o maior no refino de drogas no Brasil, com capacidade para produção de uma tonelada de pasta de cocaína por mês“ (fl. 51). Realmente, em juízo de cognição sumária, parece-me indubitável que a conduta do paciente é manifestamente atentatória à estabilidade do meio social, consubstanciando evidente risco à paz pública, já que ostenta diversos registros criminais (fl. 21). Nessa exata linha de conta, o doutrinador anteriormente referido (in Código de Processo Penal Interpretado. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 803) vaticina que a prisão preventiva para garantia da paz social justifica-se a fim de evitar “que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida“. Desse modo, levando-se em consideração que a expressão ordem pública alcança, necessariamente, a imperiosidade de se prevenir a reprodução de fatos criminosos, não sendo menos exato afirmar que Celso Gomes tem reiteradamente desrespeitado o ordenamento jurídico-penal, revela-se, na hipótese, a necessidade de que o mesmo seja segregado provisoriamente do convívio social para preservação da ordem pública, abalada que se encontra pelo seu constante envolvimento em atividades delituosas. De fato, evidenciado o menosprezo do paciente para com a Justiça, bem como sua personalidade voltada ao crime, impõe-se a preservação do decreto prisional, a fim de refrear sua caminhada criminosa. Consoante assentou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o HC nº 16004/CE, “fundamentado à saciedade o decreto de prisão preventiva (artigo 312 do Código de Processo Penal), sobretudo na garantia da ordem pública, que se encontra em sobressalto em face da reiteração delituosa do agente, não há falar em sua revogação“ (STJ, 6ª Turma, HC nº 200100179959/CE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 29.10.2001). Não se pode olvidar, outrossim, que o agente apresenta intenso trânsito internacional, tendo permanecido em Milão/Itália “praticamente durante todo o segundo semestre de 2005“ (fl. 25). Ademais, constatou-se no curso das investigações que possui ele diversos contatos “em diferentes locais do Brasil e do mundo“, sendo que “inúmeras conversas telefônicas fazem referência a um montante de dinheiro existente na Suíça“. Ainda segundo apurado pelas investigações preliminares, apesar de não possuir atividade laborativa fixa, Celso e seu cônjuge movimentaram, “nos últimos seis anos, valores superiores a dois milhões de reais“ (fl. 51). Tudo isso está a desvelar, em princípio, uma concreta possibilidade de fuga do distrito da culpa, em manifesto prejuízo da instrução criminal do processo-crime a ser oportunamente instaurado e de forma a restar frustrada casual expiação penal que venha a ser infligida ao paciente em decorrência dos fatos em questão. Sendo assim, indefiro a tutela de urgência postulada. Requisitem-se informações à indigitada autoridade coatora. Após, dê-se vista do writ à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 23 de maio de 2007.

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