Habeas Corpus Nº 2007.04.00.017522-0/pr

Inquérito Policial. Crime contra a ordem tributária. Art. 1º da Lei 8137/90. Falsidade de documentos. Arts. 299 e 304 do CP. Absorção pelo delito de sonegação fiscal. Liminar deferida para suspender o procedimento investigatório.

Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado


Cuida-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando o trancamento do Inquérito Policial nº 2006.70.01.002990-8/PR, instaurado por ordem de Procurador da República para apuração da eventual prática dos delitos dos artigos 299 e/ou 304, ambos do Código Penal. Consta da portaria que instaurou o procedimento investigatório que o paciente teria usado “recibos de despesas médicas com indícios de falsidade. Tais recibos, apresentados pelo contribuinte à Receita Federal quando dos trabalhos de fiscalização de sua declaração de renda ano-calendário 2000, teriam por finalidade comprovar despesas médicas inexistentes, deduzidas da base de cálculo de seu IR“. Os impetrantes sustentam que “se crime houve, o fato delituoso se subsume apenas, e tão somente, ao tipo tributário, tendo em vista que a falsidade ideológica e/ou uso de documento falso atribuídos ao paciente, só podem ser considerados como crimes meios para o fim desejado pelo agente“. Referem que “a alegação de que os delitos de falsidade documental e/ou uso de documento falso ocorreram em momento posterior ao crime tributário não está em conformidade com os elementos dispostos nos autos, bastando observar que os recibos a que faz referência o Ministério Público Federal, foram apresentados e citados pelo paciente em sua Declaração de Imposto de Renda no ano de 2001 (...), restando evidente que, caso se entenda pela existência de crime, o intuito do paciente foi a redução ou supressão de tributo“. Acrescentam, ainda, a ausência de justa causa para o inquérito policial “tendo em vista o parcelamento do tributo devido antes do recebimento da denúncia“, impondo-se a aplicação do preceito contido no artigo 34 da Lei nº 9.249/95. A questão tratada nos autos não é novidade nesta Corte, tendo sido abordada pela 8ª Turma por ocasião do julgamento do HC nº 2007.04.00.011517-0/PR, relator Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, publicado no Diário Eletrônico do dia 17 de maio do ano em curso. A decisão foi ementada como segue: PENAL. HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º DA LEI 8.137/90. FALSIDADE DE DOCUMENTOS. ARTIGOS 299 E 304 DO CP. ABSORÇÃO PELO DELITO DE SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95. PARCELAMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. 1. Consoante pacífica jurisprudência, a infração prevista no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se perfectibiliza com o término do procedimento fiscal, onde efetuado lançamento definitivo do tributo devido. 2. A apresentação pelo contribuinte de documentos inidôneos destinados a comprovar o cumprimento da obrigação tributária, durante o curso do processo administrativo, é conduta integrante do próprio delito de sonegação, inexistindo crime autônomo de falsum a ser investigado. 3. Na hipótese dos autos, os recibos em tese falsificados guardam estrita pertinência com a declaração de rendimentos e foram utilizados antes da lavratura do auto de infração, justamente com o intuito de suprimir e/ou reduzir o imposto de renda devido, restando essa conduta absorvida pela infração tipificada no artigo 1º da Lei 8.137/90. 4. Conforme têm decidido os Tribunais Superiores, o entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que o mero parcelamento do débito tributário autoriza a aplicação do benefício previsto no art. 34 da Lei nº 9.249/95 não merece mais prevalecer. 5. Após a edição da Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, instituindo o REFIS, bem como da recente Lei 10.684, de 30 de maio de 2003, revela-se cristalina a intenção do legislador de somente extinguir a punibilidade dos crimes tributários com o pagamento integral do débito, e não com o simples parcelamento que enseja tão-somente a suspensão da pretensão punitiva e da prescrição. 6. Determinado o trancamento do caderno investigatório quanto à falsidade e uso de documentos falsos, bem como a suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional no tocante ao crime contra a ordem tributária, com apoio no art. 9º da Lei nº 10.684/03. Em razão da excelência dos fundamentos, peço vênia para transcrever parte do voto condutor do julgado: Na espécie, os recibos foram juntados em maio/2005 e o auto de infração foi lavrado em março/2006. Destarte, a apresentação à Receita Federal de documentos inidôneos destinados à prova do cumprimento da obrigação tributária, durante o curso do processo administrativo - como ocorreu na hipótese dos autos - integra o iter criminis do próprio delito de sonegação fiscal, a ser consumado apenas com o lançamento definitivo do crédito. Com efeito, eventual falsidade ideológica e uso de documentos falsos praticados com o intuito de suprimir e/ou reduzir tributos são logicamente absorvidos pelo crime previsto na Lei nº 8.137/90, infração que, in casu, ainda não estava perfectibilizada por ocasião da juntada dos recibos contrafeitos, em face da ausência de conclusão do procedimento fiscalizatório. Veja-se que tais documentos guardam estrita pertinência com a declaração de rendimentos prestada pela contribuinte, pois caso fossem tidos como verdadeiros, não restaria configurada a dedução indevida do IRPF e, por conseguinte, não haveria imposto a ser lançado. Logo, considerando que a persecutio criminis depende da referida condição objetiva de punibilidade (resultado material) encontrando-se a conduta da Paciente nitidamente vinculada à apuração do crédito tributário e tendo ocorrido antes de conclusão definitiva do processo fiscal, não há delito autônomo de falsum a ser investigado. Assim, em que pese a pretensão de investigar a suposta prática dos delitos previstos no art. 299 c/c o art. 304 do CP, na hipótese sub judice os fatos em debate caracterizam fraude empregada como modus operandi para a execução do delito insculpido no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, eis que não exaurida naquele momento a instância administrativa. No caso em tela, em procedimento fiscal que teve início em 26 de julho de 2005, o paciente apresentou documentos para comprovação de despesas médicas. Constatada a inidoneidade dos mesmos, restou apurado pela autoridade fiscal, em 14 de novembro do mesmo ano, crédito tributário de R$ 37.247,97. Ocorre que, tendo as irregularidades sido detectadas no curso do processo administrativo, quando ainda não apurada a materialidade do suposto delito fiscal, revela-se incabível o prosseguimento das investigações no tocante à falsidade documental, porquanto, como inseridas no iter criminis daquele ilícito, por ele fica absorvido. Isso posto, presentes os requisitos, defiro liminar para suspender o Inquérito Policial nº 2006.70.01.002990-8/PR até julgamento final deste habeas corpus pela Turma. Comunique-se a autoridade impetrada, solicitando-lhe, na oportunidade, informações. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intime-se. Porto Alegre, 29 de maio de 2007.

No Comments Yet.

Leave a comment