Habeas Corpus Nº 2007.04.00.022118-7/pr

Depositário infiel. Segregação. Pressupostos de adequação, necessidade e proporcionalidade. Promessa de pagamento em parcelas que deve ser examinada pelo julgador. Liminar concedida em parte.

Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz


Cuida-se de habeas corpus preventivo, com pedido de provimento liminar, que Fábio Forselini impetra em favor de Nilson de Almeida Carneiro, objetivando a expedição de salvo-conduto ao paciente, tendo em vista encontrar-se na iminência de ser preso, na qualidade de depositário infiel, por força de decisão exarada nos autos da execução fiscal nº 2004.70.12.001325-0, em trâmite perante a Vara Federal de Pato Branco/PR. Argumenta o impetrante, em síntese, que a venda do bem objeto do depósito somente se deu em razão das dificuldades financeiras por que passou o paciente, sendo ele pessoa humilde, de poucas posses e sem conhecimento dos ditames legais. Aduz que o devedor, ora paciente, possui condições de pagar a dívida em 60 meses, restando evidente a sua honestidade, pois que, em setembro de 2006, com muita dificuldade e sacrifício depositou aos cofres da União o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), o que não está sendo considerado em seu favor. É o relatório. Decido. É cediço que aquele que assume o encargo de depositário responde pela guarda e conservação dos bens que lhe foram confiados, logo, sendo de sua responsabilidade a entrega da coisa ao Juízo, quando intimado para tanto, não lhe sendo lícito buscar esquivar-se de suas responsabilidades sob o amparo da via angusta do habeas corpus. Entretanto, levando-se em consideração as particularidades do caso vertente, neste juízo de cognição sumária, a decretação da prisão civil do paciente não pode ser mantida. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de manifestar-se pela inaplicabilidade de prisão ao depositário quando mostrar-se desproporcional a imposição de uma sanção de elevada gravidade como a em apreço. Na referida oportunidade, assentou o eminente Relator, Ministro Rui Rosado de Aguiar (STJ - 4ª Turma; RHC nº 12878/SP; DJ 11/11/2002, p. 219) - grifou-se: “(...) Há evidente ofensa ao princípio da proporcionalidade, com a aplicação da mais severa das sanções, inclusive na órbita penal, para forçar o depositário a entregar bens móveis de valor irrisório, que não chega a 20% de um salário mínimo. A idéia da proporcionalidade, diz o Prof. Willis Santiago Guerra Filho, um dos primeiros a tratar do tema entre nós, traduz-se em um importante princípio jurídico porque viabiliza a dinâmica da acomodação dos princípios e funciona como verdadeiro 'topos' argumentativo, útil para equacionar questões práticas ('O Princípio Constitucional da Proporcionalidade'). É nesse aspecto que serve ao juiz quando colocado diante da possibilidade de aplicar ou deixar de aplicar regras de direito material ou processual que imponham sanções, restringindo alguns bens fundamentais, como a liberdade e a igualdade. Cumpre-lhe atentar para a finalidade a ser atingida e o valor que se quer preservar, a vantagem que daí possa decorrer e a desvantagem no âmbito pessoal ou social. Se a ofensa a ser causada pela sanção for desproporcional ao proveito, deve o juiz deixar de fazer a aplicação judicial da medida, que a lei autoriza, ainda que adequada (eficaz) ou exigível (necessária). Isso é o que explica o uso do princípio da bagatela, no Direito Penal, para afastar a condenação; o princípio do adimplemento substancial, no Direito das Obrigações, para impedir a resolução do contrato; o princípio da insignificância para rejeitar a deserção do recurso que veio com preparo insuficiente, e serve como argumento útil para não se impor a pena de prisão civil a quem cumpriu substancialmente com a sua obrigação de depositário, como no caso do autos, em que se faz incidir imediatamente aquele princípio - que decorre implicitamente do sistema constitucional vigente - para regular uma situação processual. E assim deve ser porque, segundo máxima do Tribunal Constitucional alemão, 'quanto mais a intervenção afeta formas de expressão elementar da liberdade de ação do homem, tanto mais cuidadosamente devem ser ponderados os fundamentos justificativos de uma ação cometida contra as exigências fundamentais da liberdade do cidadão' (Curso de Direito Constitucional, Paulo Bonavides, 12ª ed., Malheiros Editores, p. 372). (...)“Efetivamente, a prisão, em qualquer hipótese, é medida extrema, que só pode ser decretada se atendidos os pressupostos de adequação, necessidade e proporcionalidade. No caso sub judice, embora com a impetração não tenha vindo a íntegra da execução fiscal, restou evidente que o paciente tem a intenção de honrar com a sua obrigação, pois já depositou em favor da União a quantia de R$ 1.000,00 (hum mil reais), devendo, ainda, a quantia de R$ 5.361,81 (cinco mil trezentos e sessenta e um reais e oitenta centavos). Sinalou, na inicial, a pretensão de pagar tal montante em 60 (sessenta) meses. Considerando que o devedor propôs a quitação da dívida e que a prisão não tem um objetivo em si mesmo, mas o de compelir ao cumprimento da obrigação, mostra-se razoável que a proposta em questão possa elidi-la. Com efeito, acerca da possibilidade de parcelamento da dívida, a fim de afastar a imposição da segregação, encontramos o seguinte aresto, prolatado por esta Turma Julgadora: “PROCESSO PENAL. 'HABEAS CORPUS'. DEPOSITÁRIO INFIEL. PROMESSA DE PAGAMENTO IMEDIATO DE MAIS DA METADE DA DÍVIDA E DO RESTANTE EM SESSENTA DIAS. CONCESSÃO DA ORDEM. Ao depositário infiel de bem oferecido à penhora é possível elidir a prisão pela entrega da coisa ou pagamento do valor executado. Mostra-se razoável a concessão de habeas corpus em favor de executado que, estando preso, promete, para se livrar da prisão, pagar imediatamente mais da metade da dívida e o restante em 60 (sessenta) dias, ressalvado, ao juiz de primeiro grau, o poder de expedir nova ordem caso a promessa não seja cumprida.“ (TRF 4ª Região - 8ª Turma; HC nº 200304010450477/RS; Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz; DJU 19/11/2003, p. 963). Sendo assim, defiro parcialmente a liminar para expedir o salvo-conduto postulado, devendo o paciente, contudo, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar proposta concreta de parcelamento da dívida perante o juízo impetrado.Comunique-se à autoridade coatora, requisitando-se-lhe, inclusive, informações, especificamente quanto ao cumprimento da condição imposta no presente decisum. Após, dê-se vista do feito à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 13 de julho de 2007.

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