Exercício de atividade profissional com infração de decisão administrativa. Acusado que continua ilegalmente exercendo a advocacia após ter sido suspenso pela OAB. Ações penais ajuizadas em diferentes Comarcas. Reiteração de atos. Habitualidade. Crime único não havendo se cogitar de concurso material ou continuidade delitiva. Competência. Prevenção.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Fernando Negreiros Lagranha, em favor de Marcelo Domingues de Freitas e Castro, objetivando, em síntese, o trancamento da ação penal número 2007.71.07.000974-0, em trâmite na Vara Federal Criminal de Caxias do Sul/RS. Segundo se depreende, nos autos do aludido feito, o paciente foi denunciado pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 205 c/c art. 71, ambos do Código Penal, nos seguintes termos: “No período compreendido entre 19.04.2006 e 19.10.2006, o denunciado MARCELO DOMINGUES DE FREITAS E CASTRO, advogado inscrito na OAB sob o nº 31.306, exerceu, mediante atuação como Procurador em processos judiciais interpostos perante a Justiça Federal de Caxias do Sul, atividades profissionais de advocacia, para as quais estava suspenso por força de decisões administrativas proferidas pela Ordem dos Advogados do Brasil. O denunciado, mesmo após ter sofrido a cominação da pena de suspensão das suas atividades profissionais pela Ordem dos Advogados do Brasil, proferida nos autos do Procedimento Disciplinar nº 102137/1999 (fl. 16) ingressou na Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal da Subseção Judiciária de Caxias do Sul, com as Ações de nºs 2006.71.07.004837-5, 2006.71.07.002259-3, 2006.71.07.002933-2 (...). A materialidade dos delitos restou comprovada por meio dos documentos juntados aos autos do Procedimento Administrativo, consubstanciados nos resultados de pesquisa de fls. 18/34, nas petições iniciais, manifestações e procurações firmadas pelo denunciado perante a Justiça Federal de Caxias do Sul (...) e certidão da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Rio Grande do Sul, atestando a suspensão do exercício profissional do denunciado pelo prazo de 6 (seis) meses (fl. 16). A defesa do réu peticionou nos autos postulando a reunião do feito com o processo nº 2006.71.05.008246-8/RS, em tramitação na Vara Federal de Santo Ângelo, onde foi denunciado pelo mesmo delito. O MM. Juiz a quo indeferiu o pleito. No seu decisum assim se manifestou: “A defesa (petição, fls. 29/30) requer que este Juízo avoque a competência da Ação Penal nº 2006.71.07.05.008246-8, em trâmite na Subseção Judiciária de Santo Ângelo, alegando que o feito trata de crimes semelhantes àqueles descritos na denúncia de fls. 02-04. O Ministério Público Federal (parecer, fl. 34) manifestou-se pelo indeferimento do pedido, uma vez que os fatos, embora de mesma capitulação legal, foram praticados sob circunstâncias diversas. Assiste razão ao Órgão Ministerial. Quando da realização da audiência de interrogatório (termo, fls. 16-18) a defesa já havia veiculado pedido semelhante, o qual foi indeferido, pois os fatos objeto da ação penal em trâmite na Subseção Judiciária de Santo Ângelo se referem às condutas, em tese, perpetradas pelo acusado naquele Juízo e o presente feito, por sua vez, trata de eventos ocorridos nesta Subseção. Ademais, conforme mencionado, estar o réu respondendo por delitos semelhantes não acarreta a conexão de procedimentos, uma vez que o concurso de crimes será apreciado no momento oportuno, qual seja, na fase de execução das penas, acaso confirmadas as condenações. Intimem-se. Caxias do Sul, 30 de julho de 2007.“ Em razão disso, foi ajuizado o presente writ. Sustenta o Impetrante, em síntese, que o delito imputado ao paciente é classificado como habitual, necessitando de várias condutas para se consumar. Aduz, assim, que “não poderia ter sido denunciado por ter praticado os crimes em continuidade delitiva, muito menos ter ações diferentes pelo mesmo crime, uma vez que ele teria cometido apenas um delito, através de vários atos.“ Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que seja extinta a ação penal nº 2007.71.07.000974-0/RS, com posterior reunião do feito aos autos do processo em trâmite na Vara Federal de Santo Ângelo. Subsidiariamente, pleiteia a “desclassificação de crime continuado para a figura simples.“ Ao menos neste juízo provisório, tenho que assiste razão ao Impetrante. Com efeito, a natureza jurídica do crime previsto no artigo 205 do Código Penal já foi objeto de análise pela Oitava Turma desta Corte no julgamento da ACR nº 2004.71.05.008201-0/RS (Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no D.E. em 10.01.2007) cuja ementa foi lavrada nestas letras: PENAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE COM INFRAÇÃO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA. ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL. TIPICIDADE. HABITUALIDADE. A expressão típica “exercer atividade“, constante no artigo 205 do Caderno Criminal, requer a habitualidade do agente na realização de atos inerentes à sua atividade durante o período no qual o exercício dos mesmos se encontre obstado por decisão administrativa. No voto-condutor, consta exauriente lição doutrinária sobre as características do aludido tipo penal, verbis: “(...) Atividade deve ser entendida como trabalho, profissão. O seu exercício implica repetição de atos próprios de determinada profissão, exigindo-se habitualidade (...)“ (Damásio Evangelista de Jesus, in Código Penal Anotado, Editora Saraiva, 13ª Edição, 2002, p. 706). “(...) O núcleo exercer tem a significação de praticar, exercitar, desempenhar. Requer que o agente aja com habitualidade, porquanto o exercício de atividade implica reiteração, repetição, constância. O exercício é de atividade (trabalho desempenhado por uma pessoa), que traz, também, a mesma idéia de habitualidade, a qual é, assim, imprescindível à tipificação do delito. (...)“ (Celso Delmanto e outros, in Código Penal Comentado, Editora RENOVAR, 5ª Edição, 2000, p. 404). “(...) Exercer (praticar, desempenhar ou cumprir, com certa habitualidade) atividade, de que está impedido por decisão administrativa. Não se costuma dizer que alguém exerce determinada atividade se o fez uma só vez. O exercício fornece a nítida idéia de regularidade.(...)“ (Guilherme de Souza Nucci, in Manual de Direito Penal, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, 2006, p. 743). “(...) Trata-se de crime habitual que se configura no exercer, desempenhar, praticar, exercitar atividade de que está proibido por suspensão, cancelamento e cessação de licenças e faculdades do Ministério do Trabalho ou de qualquer outro órgão da administração pública que regula ofício, arte ou profissão, inclusive os de organização profissional.(...)“ (Júlio Fabbrini Mirabete, in Código Penal Interpretado, Editora Atlas Jurídico, 3ª Edição, 2002, p. 1504). Verifica-se, portanto, que a reiteração de atos constitui crime único, circunstância incompatível com o instituto da continuidade delitiva. Pela mesma razão, não se justifica a instauração de diversas ações penais contra o réu, uma vez que os vários atos praticados - independentemente do local - consubstanciam o mesmo delito, e não 'concurso de crimes', conforme considerado no decisum. Diante desse quadro, a priori, a competência firma-se pela prevenção, devendo todas as ações praticadas pelo acusado serem analisadas pelo Juízo que primeiro tomou conhecimento da matéria. No caso dos autos, a competência é da Vara Federal Criminal de Santo Ângelo/RS, uma vez que a ação penal nº 2006.71.05.008246-8 foi distribuída em 06.11.2006, anteriormente, portanto, ao feito de Caxias do Sul (proc. nº 2007.71.07.000974-0) que ocorreu na data de 05.03.2007. Ante o exposto, presentes os requisitos legais, defiro a liminar para suspender a ação penal nº 2007.71.07.000974-0, até o julgamento do presente mandamus pelo Colegiado. Comunique-se à Vara de origem. Dispensadas as informações, porquanto os elementos acostados aos autos são suficientes para a análise da quaestio. Abra-se vista à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se.
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