Crimes de resistência, desacato e descaminho. Prisão preventiva. Medida cautelar criminal extrema. Liberdade provisória mediante fiança. Possibilidade. Condições para estipulação. Valor razoável.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Eliane Dávilla Sávio, em favor de Simone Neres, objetivando a exclusão ou redução do valor da fiança arbitrada pelo MM. Juiz da 2ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR. Segundo se depreende, a paciente foi presa em flagrante pela prática, em tese, dos delitos previstos nos artigos 329, 331 e 334, todos do Código Penal. Postulada a liberdade provisória, o benefício restou concedido mediante pagamento de fiança, arbitrada no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (fl. 50). Face a tanto, foi ajuizado o presente writ. Sustenta a Impetrante, em síntese, que o “quantum arbitrado a título de fiança é impraticável e impagável, diante da situação financeira da paciente, que tem dois filhos menores, os quais convivem e dependem da mesma, sobrevivendo com uma renda mensal precária, visto que recebe míseros R$ 150,00, de pensão alimentícia do pai“. Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma, para determinar a exoneração da fiança ou a redução do seu valor. Em que pesem as razões de fls. 03/08, não se verifica, pelo menos em análise perfunctória, a presença dos pressupostos legais para o deferimento da medida de urgência. Ab initio, mister referir que a despeito do disposto no artigo 310, parágrafo único, do Diploma Processual, esta Corte tem se manifestado no sentido de condicionar o deferimento do benefício da liberdade provisória ao pagamento de fiança, como forma de fixação de vínculo entre o flagrado e o Juízo, principalmente nos casos do delito tipificado no artigo 334 do CP. Nesse sentido:HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRODUTO ESTRANGEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA CAUTELAR CRIMINAL EXTREMA. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE FIANÇA. FIXAÇÃO. GARANTIA DE PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. 1. Há casos, como o dos autos, crime de descaminho/contrabando, em que não se mostra necessário tomar a medida extrema da prisão preventiva, para acautelar o juízo, devendo-se, porém, utilizar outro instituto, menos rigoroso, mas também eficaz, que é a fiança. 2. Decisão reformada a fim de que o Juízo a quo condicione a liberdade provisória ao pagamento de fiança a ser por ele arbitrada. (Sétima Turma, HC nº 2004.04.01.028971-3/RS, Rel. Des. José Luiz Borges Germano da Silva, public. no DJU de 25.08.2004, p. 678). PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E DESCAMINHO. ART. 334, CP. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312, CPP. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. ARTIGOS 322 E 323 DO CPP. 1. A liberdade provisória deve ser concedida se não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva. 2. A prisão cautelar é medida extrema, devendo ser imposta somente nos casos onde há absoluta necessidade, nos termos do art. 312 do CPP. 3. Existindo dúvidas quanto à personalidade do réu, ou mesmo sua habitualidade criminosa, deve-se condicionar sua liberdade provisória à prestação de fiança, como medida de cautela e fixação de vínculo entre o paciente e o Juízo, mormente em se tratando de delitos de contrabando e descaminho. (Sétima Turma, HC número 2004.04.01.025591-0/SC, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no DJU de 09.09.2004, p. 562). Inobstante isso, conforme bem destacado pelo ilustre Des. Nefi Cordeiro no julgamento do HC nº 2004.04.01.057169-8, “a fiança deve ser fixada de modo que não se torne obstáculo indevido à liberdade (afastado expressamente pelo art. 350 do CPP para o preso pobre) nem caracterize montante irrisório, meramente simbólico, que torne inócua sua função de garantia processual“. Nesse sentido, veja-se ainda o seguinte precedente: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FIANÇA. FIXAÇÃO DO VALOR. ARTIGO 326 DO CPP. CONDIÇÕES PARA ESTIPULAÇÃO. VALOR RAZOÁVEL. 1 - Nos termos do artigo 326 do CPP, 'Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento'. 2- Não obstante os critérios estabelecidos pelo artigo 325 do Código de Processo Penal, o exame do caso concreto, principalmente no que diz respeito à capacidade financeira do custodiado, torna-se imprescindível para fixação do valor da fiança, pena de ser arbitrada em montante que impossibilite seu pagamento pelo interessado, desatendendo, com isso, direito constitucionalmente assegurado (inciso LXVI do artigo 5º da Constituição Federal). De outra parte, não se pode olvidar que a estipulação da fiança em valor irrisório também não é desejável, pois não atingiria sua finalidade, já que, entre outras coisas, visa assegurar o pagamento das custas, a satisfação do dano resultante da infração e eventual multa. 3 - Hipótese em que, observada a situação econômica do paciente, a gravidade dos delitos a ele imputados, bem como o disposto no Código de Processo Penal (artigo 321 e seguintes), é determinada a redução do valor fixado para fiança. (HC nº 200504010152384/PR, Oitava Turma, Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, public. no DJU de 18.05.2005, p. 904). Na hipótese dos autos, a assertiva de que a paciente não possui condições financeiras de pagar o valor arbitrado não está demonstrada nos autos, não sendo suficiente cópia de conta de luz e de acordo referente à pensão alimentícia. Afora isso, não consta do feito o Auto de Prisão em Flagrante, de Apresentação e Apreensão das mercadorias, tampouco o respectivo Laudo de Avaliação, circunstância que impede análise mais acurada da quaestio. Registre-se, ainda, que a paciente apresenta certa persistência na prática do crime de descaminho, consoante bem destacado na r. decisão monocrática, verbis: “A requerente Simone Neres, presa em flagrante como incursa nas penas dos artigos 329, 331 e 334 do Código Penal, requereu a liberdade provisória tendo, para tanto, apresentado documentos que, segundo afirmou, comprovam ser merecedora do benefício. (...) Verifico que foram juntadas cópia da identificação civil da acusada, certidões de antecedentes referentes ao Cartório Distribuidor Estadual de Foz do Iguaçu, Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios do Estado do Paraná além do comprovante de residência e certidão de antecedentes criminais da Justiça Federal da 4ª Região, da qual constaram as ocorrências criminais, cujas certidões explicativas encontram-se anexadas às fls. 42 e 44. É o relatório. Passo à decisão. Considerando que a prisão em flagrante configura hipótese de prisão cautelar, e tendo em vista os princípios da excepcionalidade e da instrumentalidade que se aplicam ao caso, a jurisprudência acabou por entender que o texto acima referido deve ser interpretado de forma sistemática com o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, ou seja, somente mediante a presença dos requisitos da prisão preventiva é que pode ser negada a liberdade provisória. Ressalte-se, ainda, que a motivação dos atos judiciais é indispensável em qualquer caso, essencialmente nas hipóteses de prisão provisória, tendo em vista o conteúdo do princípio da presunção de inocência, que não impede a decretação da prisão cautelar, mas exige a verificação concreta das hipóteses autorizadoras da medida. Passo então a analisar os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. A requerente foi presa em flagrante transportando mercadorias de origem estrangeira, supostamente introduzidas em território nacional sem o recolhimento dos tributos devidos, conduta que se subsume, em tese, no fato típico descrito no artigo 334 do Código Penal. A materialidade do delito está consubstanciada no auto de apresentação e apreensão da fl. 11 do Comunicado de Prisão em Flagrante apenso. Compulsando os elementos colacionados aos autos verifica-se que a flagrada possui duas incidências criminais, consubstanciadas nos autos da Ação Penal nº 2007.70.05.002817-8, em trâmite na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cascavel/PR, pela prática do mesmo delito do artigo 334 do Código Penal (fl. 44), e nos autos do Inquérito Policial nº 2005.70.02.007171-1, tramitando nesta Vara Federal, no qual foi indiciada também pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 334 do Código Penal (fl. 42), o que demonstra, em princípio, sua RENITÊNCIA NA PRÁTICA DELITUOSA. No entender deste magistrado, encontra-se a flagrada na tênue linha que separa o seu direito à liberdade da necessidade de manutenção de sua custódia para garantia da ordem pública, já que É GRANDE A PROBABILIDADE DE QUE SE FOR COLOCADA EM LIBERDADE PODERÁ ELA VIR A SE ENVOLVER NOVAMENTE EM FATOS SEMELHANTES OU VENHA A SE FURTAR DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. Entretanto, tendo em conta o conteúdo do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, sobremaneira no que concerne à excepcionalidade da prisão, tenho que, nada obstante fortes indícios da presença dos requisitos da prisão preventiva, conforme já demonstrado, deve ser oportunizado à flagrada, uma vez mais, que responda ao eventual processo em liberdade, evitando, desta feita, sua manutenção no cárcere, sendo que, para isso o valor da fiança deva ser significativa para acautelar o Juízo. Observo que a flagrada comprovou devidamente seu endereço, conforme documento da fl. 16. Ante o exposto, considerando os elementos constantes do auto de prisão (a flagrada, após ordem de parada da autoridade policial, tentou se evadir da ação policial, só parando em virtude de acidente em que se envolveu o veículo que conduzia), assim como pela existência de incidências criminais, DEFIRO a liberdade provisória à indiciada Simone Neres, MEDIANTE FIANÇA, arbitrando-a em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), nos termos dos artigos 325 e 326 do Código de Processo Penal, valor este que entendo ser necessário e suficiente para vinculá-la ao Juízo. Intimem-se. Recolhido o valor, expeça-se alvará de soltura a fim de que Simone Neres seja imediatamente colocada em liberdade, a menos que haja outro motivo para permanecer no cárcere.“ Ante o exposto, não vislumbrando, por ora, flagrante ilegalidade na decisão atacada, indefiro a liminar. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada - principalmente cópia do Auto de Prisão em Flagrante, de Apresentação e Apreensão, bem como Laudo de Avaliação das mercadorias - que as prestará no prazo de 05 (cinco) dias. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se.