Tráfico de cocaína na região serrana do RS. Prisão preventiva. Organização criminosa. Fumus comissi delicti e periculum libertatis. Dados objetivos apontados pelo julgador monocrático.
Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz
Cuida-se de habeas corpus que Pedro Surreaux de Oliveira impetra contra a decisão proferida pelo Juízo Substituto da Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Caxias do Sul-RS que, nos autos do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefônicos nº 2007.71.07.000254-9 (relativo à cognominada Operação Colméia), decretou a prisão preventiva de Gilmar Antônio Croda, Maicon de Fraga Croda, Andréia Croda, Cecília dos Santos e Anderson dos Santos Maciel. Argumenta o impetrante, em síntese, que o decisum prolatado carece de fundamentação concreta que o ampare. Pretende, desse modo, inclusive mediante a concessão de provimento liminar, a revogação da ordem prisional expedida. É o relatório. Decido. Dúvida não existe de que a presunção constitucional de inocência não impede a prisão provisória de natureza cautelar. No entanto, como a sua decretação representa uma exceção àquele princípio, é imprescindível que o juiz a fundamente, objetiva e concretamente, em face do material constante dos autos e à luz dos pressupostos e requisitos legais. De fato, a legitimidade da imposição da medida acautelatória em apreço subordina-se à presença simultânea do fumus comissi delicti (prova da materialidade e indícios de autoria) e do periculum libertatis (pressupostos da preventiva). No que tange à materialidade dos crimes em apuração, tenho encontrar-se satisfatoriamente demonstrada pelo resultado das complexas e profundas diligências realizadas pela Polícia Federal, com a devida autorização judicial, consistentes, sobretudo, de monitoramento telefônico e acompanhamento discreto dos agentes (mediante filmagens e fotografias), o que proporcionou, inclusive, a apreensão de aproximadamente 300kg de cocaína-base, além de 200Kg de mistura e 100Kg de entorpecentes diversos. Quanto aos sinais apontando a participação dos pacientes, o decisum hostilizado aponta que Cecília “participaria do tráfico junto de seu companheiro Gilmar. Como exemplo de sua participação, podem ser referidas as conversas entre Cecília e Anderson dos Santos interceptadas no dia 29.07.2007, em que Anderson dos Santos informa estar à procura de Gilmar, ao que Cecília refere que o assunto que Gilmar pretendia tratar com Anderson era “aquilo“. Assim, conclui o nobre magistrado que, “como há evidência nos autos indicando que Gilmar se dedicaria exclusivamente ao tráfico de entorpecentes, presume-se que aquilo seja o tráfico“. Sobre Maicon, a deliberação que decretou sua custódia cautelar salienta que “Gilmar também utilizaria os serviços de seu filho Maicon para o tráfico de drogas, podendo ser utilizado como exemplo desta atividade um rápido diálogo ocorrido entre Gilmar e Maicon no dia 29.07.2007, em que Gilmar pede a seu filho que traga 'a do Anderson'. Como não há nenhuma menção a que pertence de Anderson dos Santos Gilmar estaria se referindo, como Maicon não demonstra nenhuma exitação sobre que pertence seu pai estaria se referindo, e como existem sérios indícios da ligação de Gilmar com Anderson dos Santos para o tráfico de drogas, presume-se que Maicon tenha participação efetiva na organização (...)“. Andréia Croda (irmã de Gilmar), por seu turno, “seria a responsável pela distribuição do entorpecente em Caxias do Sul/RS, tendo inclusive ligações com o investigado Aírton Corrêa da Silva (...). Em uma conversa entre Andréia e Gilmar, ocorrida em 17.07.2007, Gilmar informa que 'um de seus peões' acabou 'se ferindo na Semana Farroupilha', e precisaria que Andréia indicasse 'um outro peão pra trabalhar, daqueles bons'. Como nessa época ainda faltaria dois meses para a chegada da Semana Farroupilha, conclui-se que se trata de evidente código para a prisão de um dos distribuidores de drogas de Gilmar (...). No dia 23.07.2007, Andréia e Gilmar conversam novamente, sendo que Andréia faz menção ao investigado Aírton, nominado por Gilmar, informando que ele teria sido 'mandado embora por aquele outro', ou seja, teria perdido seu fornecedor original, e que estaria pensando em negociar com ele.“. No concernente a Anderson, esclarece a decisão hostilizada que “seria um dos principais auxiliadores de Gilmar, tendo em vista a significativa freqüência das conversas entre ambos, ocorridas principalmente no dia 29.07.2007, sendo interessante notar a rapidez das conversas e a ausência de qualquer menção ao assunto tratado, o que demonstra a preocupação da quadrilha com eventual interceptação de suas ligações“. Pois bem. Em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, faz-se mister, para a decretação da segregação preventiva, que sejam apontados pela autoridade judiciária dados objetivos, indicativos de motivos concretos autorizadores da medida extrema, exigindo-se, também, em observância ao artigo 93, IX, da Carta Magna, a individualização e particularização dos seus fundamentos em relação a cada um dos investigados/réus. Assim é que “a justificação judicial, dissociada de qualquer elemento concreto e individualizado, não tem, de per si, o condão de justificar a custódia cautelar“. (STJ, 5ª Turma, RHC nº 16923/ES, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJU 14.03.2005). Não pode o juiz, pois, fundamentar-se em meras suposições para admitir a prisão provisória, sob pena de violar a garantia constitucional da desconsideração prévia de culpabilidade. Ora, salvo melhor entendimento, o que se tem em relação Cecília, Maicon, Andréia e Anderson são meras conjecturas, não estando a ordem prisional lastreada em fatos concretos que conduzissem, obrigatoriamente, à conclusão de fundada probabilidade (e não mera presunção) do cometimento de atitudes criminosas por parte dos nominados. Não pode o decreto de prisão preventiva basear-se em meras conjecturas, cabendo ao julgador sempre demonstrar, in concreto, a existência de atos inequívocos que indiquem a necessidade incontrastável da medida, o que não ocorreu quanto aos aludidos pacientes, cujas inferências do Juízo são fruto de simples suspeitas. Diversa, no entanto, é a particular situação de Gilmar Antônio Croda, em relação ao qual se constatou a existência de ligações telefônicas (em que figurava como um dos interlocutores) pertinentes à aquisição de substâncias estupefacientes, mantendo assíduos contatos com Ademar Fracalossi e Gilnei Simon Ribeiro, sendo aquele tido como o líder da organização criminosa e este um dos responsáveis pela compra, diretamente com os fornecedores estrangeiros, do material alucinógeno, consoante pode se observar dos excertos das fls. 468, 472 e 488 do apenso. Quanto a Gilmar, portanto, o decisum impugnado apresenta-se irrepreensível, tendo por fundamento não meras presunções, mas, sim, a grandiosidade da associação por ele integrada, competindo-lhe a distribuição de drogas na região serrana do Estado do Rio Grande do Sul. Não fosse tal constatação bastante, notória é a periculosidade que representa, para a sociedade, a prática da referida infração penal, sobretudo em razão de sua contribuição para o incremento de outros inúmeros crimes que lhe dão suporte, de forma a se afigurar indubitável que a conduta do mencionado paciente é manifestamente atentatória à estabilidade do meio social, consubstanciando evidente risco à paz pública. Ademais, é indiscutível que a garantia da ordem pública constitui motivo idôneo para a decretação da prisão preventiva, sobretudo em se tratando, como no caso, de elaborada organização criminosa que dispõe de diversos artifícios e subterfúgios facilitadores de suas atividades delituosas (contando, até mesmo, com a participação de agentes policiais), os quais também têm o condão de obstar o conhecimento da movimentação da quadrilha por parte dos órgãos repressores. O acautelamento de Gilmar, logo, legitima-se com o escopo de desarticular o esquema delituoso, impedindo, conseqüentemente, a retomada das ações delitivas, mormente diante da relevância de sua participação para a consecução dos delitos supostamente perpetrados pela quadrilha desvendada. Sendo assim, defiro parcialmente a liminar, tão-somente para revogar a prisão preventiva de Maicon de Fraga Croda, Andréia Croda, Cecília dos Santos e Anderson dos Santos Maciel, devendo o juízo impetrado tomar destes o termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo em suas presenças se fizerem necessárias. Comunique-se, com urgência, a indigitada autoridade coatora, requisitando-se-lhe, inclusive, informações. Após, dê-se vista do writ à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Porto Alegre, 28 de setembro de 2007.
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