Eventuais irregularidades em processos licitatórios no Exército. Inquérito Policial Militar arquivado com apoio na falta de indícios de infração ou transgressão militar a punir. Denúncia posteriormente oferecida na Justiça Federal pela prática, não de crime militar, mas de crime comum.
Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado
Cuida-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando o trancamento da Ação Penal nº 2007.71.10.003512-6/RS, na qual José Carlos Poppl Filho, juntamente com outros, foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos dos artigos 89 e 90, ambos da Lei nº 8.666/93 e artigo 288 do Código Penal. Consta da denúncia que teriam ocorrido “irregularidades nos processos de aquisição de suprimentos para o posto médico“ do 9º Batalhão de Infantaria Motorizada de Pelotas/RS. Refere que “Os elementos colhidos durante a instrução dos procedimentos acima referidos, demonstram que houve dispensa de licitação e foram firmados contratos de comodato irregulares entre o 9º Batalhão de Infantaria e as empresas Prolabho Distribuidora de Produtos para Saúde Ltda. e Coffer Com. de Equipamentos Hospitalares Ltda.“, bem como a ocorrência, “nos processos licitatórios realizados pelo 9º Batalhão de Infantaria Motorizado para aquisição de material laboratorial a ser utilizado pelo Posto Médico da Guarnição“, de favorecimento às referidas empresas. O impetrante sustenta que o inquérito policial militar instaurado para apurar referidas condutas restou arquivado por decisão judicial a pedido do Ministério Público Militar. Todavia, o Ministério Público Federal, “ao tomar conhecimento do arquivamento do inquérito na Auditoria Militar, sem qualquer providência suplementar, ofereceu denúncia que desencadeou o processo criminal de que se cuida neste habeas corpus“. Afirma que “os fatos investigados no IPM eram rigorosamente os mesmos de que cuida agora a inicial acusatória, nada representa senão uma inadmissível violação à imutabilidade da decisão judicial que determinou o arquivamento daquela investigação. O oferecimento de denúncia em circunstâncias que tais renega tudo quando se apreende da doutrina e da jurisprudência, além de contrariar, frontalmente, o texto da súmula 524 da Suprema Corte“, que dispõe que “Arquivado o Inquérito Policial, por despacho do Juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas“, sendo, portanto, “inadmissível a ação penal sem antes providenciar o desarquivamento; e impossível o desarquivamento sem que haja prova nova“. Assevera, ainda, que o direito penal pátrio não acolhe a responsabilidade objetiva. Com base nisso, ponderou o impetrante que o paciente não firmou “os três 'contratos' trazidos do IPM pelo doutor Procurador da república e por ele especificamente destacados na inicial“, bem como que no período de 12 de janeiro de 1999 ao final de 2002 outros oficiais estiveram no comando do 9º Batalhão já referido.Destaca o relatório final do inquérito policial militar que a investigação foi instaurada “com a finalidade de apurar possíveis irregularidades nos processos licitatórios no Posto Médico da Guarnição (PMGu), junto ao 9º Batalhão de Infantaria Motorizado“ (fl. 159), concluindo que “Em face do exposto e que dos autos consta, concluo que não há indícios de crime ou transgressão militar a punir“ (fl. 166), o que foi repetido na “solução do IPM“ (“não há indício do cometimento de crime militar ou de transgressão disciplinar por parte dos militares envolvidos no presente Inquérito Policial Militar“ - fl. 167). Cumpre referir que o inquérito policial militar visa a apuração da eventual prática de delito militar, ou seja, daqueles constantes do Código Penal Militar. Portanto, a decisão que determina o seu arquivamento não vincula eventual investigação em curso buscando apurar a ocorrência de crime comum, nem mesmo o Ministério Público Federal caso entenda presentes elementos suficientes à oferta de denúncia, isso porque a inexistência de crime militar não exclui a possibilidade de ocorrência de crime comum. Ainda que os fatos apurados sejam os mesmos, não existe a relação de prejudicialidade ventilada na impetração, já que as apurações visam ilícitos diversos, que não são da mesma natureza. O desarquivamento do inquérito policial militar de regra somente ocorrerá mediante a apresentação de novas provas, todavia, não existe óbice para que, entendendo o dominus litis presentes os elementos necessários, denuncie pela prática de crime comum. Ao acolher o pedido de arquivamento do inquérito policial militar, a Justiça Militar da União, por meio da ilustre Juíza-Auditora, destacou que “deve a conduta se amoldar a uma das hipóteses previstas no artigo 9º do Código Penal Militar para que seja firmada a competência da Justiça Castrense“ (fl. 180). E prossegue: “considerando a ausência de um dos requisitos previstos no artigo 30 do Código de Processo Penal Militar e considerando o parecer ministerial de fls. 1771/1779, DETERMINO O ARQUIVAMENTO do presente Inquérito Policial Militar, com base no caput do artigo 397 do CPPM, sem prejuízo das medidas administrativas necessárias, conforme sugerido pelo Relatório da Tomada de Contas Especial“. Assim, não estando evidenciados os elementos necessários à configuração de crime militar, correto o arquivamento do respectivo inquérito, sem que isto constitua óbice ao oferecimento de ação penal junto à Justiça Federal. Quanto à ausência de responsabilidade do paciente, o fato de não ter firmado os contratos indicados na denúncia não afasta, de pronto, qualquer participação em eventual irregularidade ocorrida em processo de licitação. Da mesma forma, os autos indicam que o paciente manteve o comando do 9º Batalhão de Infantaria Motorizado ao menos em parte do período indicado na denúncia como a época em que teria sido efetuadas fraudes ao caráter competitivo do procedimento licitatório. Assim, não se evidenciam, nesta oportunidade de juízo provisório da matéria, os pressupostos que justifiquem a medida de urgência. Isso posto, indefiro a liminar postulada. Solicitem-se informações à autoridade impetrada. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intime-se. Porto Alegre, 26 de setembro de 2007.
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