Descaminho. Prisão preventiva tendo em conta o valor das mercadorias e precedente registro criminal em desfavor do paciente por infração ao art. 125, XII, da Lei 6815/80. Fato isolado em sua vida ocorrido há mais de dois anos. Fundamentação insuficiente. Decreto que não evidencia circunstâncias concretas a ensejarem a medida excepcional. Liminar concedendo liberdade provisória mediante fiança.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Glauco Salvatti Pinto, em favor de Rogério da Silva Borge, contra decisão do MM. Juiz da Vara Federal Criminal de Londrina/PR, lavrada nas seguintes letras: 1 - Trata-se de pedido de liberdade provisória, mediante fiança, formulado às fls. 34/43 dos autos epígrafe, em favor do custodiado ROGÉRIO DA SILVA BORGE, atualmente recolhido da Delegacia de Polícia Federal, em razão de prisão em flagrante pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal. Ouvido o Ministério Público Federal acerca da concessão da benesse, este manifestou-se pelo seu deferimento, tendo em vista que o delito em exame admite a suspensão condicional do processo, bem como o preceito secundário do tipo (pena máxima de 04 anos) é compatível com o regime aberto e com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Em seguida, vieram os autos conclusos. 2 - Faz-se necessária a manutenção da prisão cautelar do requerente em face da presença dos requisitos autorizadores do artigo 312 do Código de Processo Penal, vejamos: O 'fumus comissi delict' está consubstanciado na existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade delitiva. Destaco, inclusive, o elevado valor das mercadorias apreendidas (R$ 294.335,77), conforme se verifica no auto de infração de fls. 07/11. O 'periculum libertatis', por sua vez, configura-se na medida em que se evidencia a necessidade de preservar-se a garantia a ordem pública, tendo em vista a possibilidade de que o custodiado volte a delinqüir, eis que já responde atualmente ao processo nº 2005.70.15.005171-2, perante a Vara Federal de Apucarana/PR, pela prática, em tese, do fato ocorrido no dia 01/09/2005, consistente no crime de introduzir estrangeiro clandestinamente no país, tipificado no artigo 125, inciso XII, da Lei nº 6.815/80, conforme se verifica às fls. 48/55. Destarte, embora presentes os comprovantes de atividade lícita (fl. 41) e de residência fixa (fl. 42/43), entendo que a prisão cautelar justifica-se pela garantia de manutenção da ordem pública. 3 - Assim, indefiro o pedido de liberdade provisória. 4 - Intime-se.“ Sustenta o Impetrante, em síntese, ausência dos requisitos da prisão preventiva, alegando que a liberdade do paciente não implica ofensa à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal. Aduz também que Rogério não teve qualquer participação nos fatos relativos à ação penal nº 2005.70.15.005171-2, conforme será posteriormente demonstrado. Assevera, por fim, que o paciente é primário, de bons antecedentes, possuindo trabalho lícito e residência fixa. Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que o paciente seja posto em liberdade mediante o arbitramento de fiança. Ab initio, cumpre observar que o constituinte de 1988, atento às disposições da Declaração Universal dos Direitos do Homem, estabeleceu que 'ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória' (artigo 5º, inciso LVII). Assim, a segregação provisória, na expressão de Basileu Garcia (Comentários ao Código de Processo Penal, Forense, p. 144) deve ser vista como “necessidade fatal: fatal aos indivíduos e fatal à sociedade, fatal também à Justiça, porquanto se prende, inocente ou culpado, o homem que ainda não foi julgado“. Por esses motivos é que a prisão preventiva só deve ser decretada se houver indeclinável necessidade, e não porque o agente já respondeu a processo-crime ou o delito é considerado grave. Tal orientação encontra respaldo na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, bem como da Suprema Corte: “PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DECRETO QUE NÃO EVIDENCIA CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS A ENSEJAREM A MEDIDA EXCEPCIONAL. RECURSO PROVIDO. A prisão preventiva, consoante uníssona doutrina e jurisprudência, deve ser calcada em sua extrema necessidade, fazendo-se mister, além da materialidade e indícios de autoria, a presença concreta de circunstâncias que a recomendem, lastreada nas hipóteses do art. 312, do Código de Processo Penal (...). Destarte, para a decretação da prisão preventiva há necessidade de fatos concretos que venham a colocar em risco o bom andamento do processo, ou que haja necessidade de se garantir a ordem pública, ou, ainda, assegurar eventual aplicação de lei penal.“ (RHC nº 11307/SE, 5ª Turma, Relator Min. Jorge Scartezzini, public. no DJU de 29/10/2001, p. 218). “A custódia cautelar não pode se basear em conjecturas, mas na real necessidade de constrição que justifique a medida“ (RTJ 128/749, Rel. Min. Francisco Rezek). “A prisão preventiva deve ser decretada quando absolutamente necessária. Ela é uma exceção à regra da liberdade.“ (HC 80.719, Rel. Min. Celso de Mello). É preciso ressaltar que a medida impugnada - que em instante algum se confunde com o encarceramento pelo crime cometido (carcer ad poenam) - também não possui como objetivo atribuir punição ao agente que, em tese, praticou uma conduta típica. Não é idéia de retribuição pelo crime cometido. Constitui, por sua finalidade específica, instrumento destinado a possibilitar um desenvolvimento válido e regular do processo penal. Portanto, não pode ser usada como meio de antecipar a pretensão punitiva do Estado, pois, caso fosse possível assim entender, haveria evidente afronta ao princípio constitucional da não-culpabilidade (artigo 5º, inciso LVII, da CF). Logo, por seu caráter excepcional, a prisão preventiva só é admitida nas hipóteses preestabelecidas no artigo 312 do CPP, ou seja, naqueles casos em que o status libertatis do agente representa ameaça concreta à ordem pública, à ordem econômica, à conveniência da instrução criminal e à efetiva aplicação da lei penal. A despeito da fundamentação exarada pela autoridade coatora, não se verifica, in casu, a presença das condições que autorizam a prisão preventiva, de modo que o direito à liberdade provisória deve ser reconhecido ao paciente. Não se desconsidera o fato da existência de outro registro criminal em desfavor de Rogério (proc. nº 2005.70.15.005171-2/PR). Nada obstante, entendo que mantê-lo encarcerado com esteio nessa circunstância é medida desproporcional, que destoa da excepcionalidade da custódia 'ante tempus', principalmente porque o referido ilícito (art. 125, XII, da Lei nº 6.815/80) ocorreu na data de 1º.09.2005, portanto, há mais de 02 (dois) anos, sendo, a priori, fato isolado na vida do paciente, porquanto não há notícia nos autos de qualquer envolvimento em outros fatos ilícitos. A segregação provisória deve ser reservada para os casos em que seja evidente a necessidade de resguardo da ordem pública (v.g., quando o agente integra organização criminosa extremamente nociva à sociedade, que vem praticando delitos há razoável tempo e, uma vez solto tudo indica que vá reestruturar o esquema ilícito) o que, a princípio, não ocorre no caso concreto. Além disso, nada está a demonstrar que o paciente esteja dificultando a colheita da prova, muito menos que, permanecendo solto, irá evadir-se do distrito da culpa, furtando-se à aplicação da lei penal. Por fim, insta registrar que a despeito do disposto no artigo 310, parágrafo único, do Diploma Processual, esta Corte tem se manifestado no sentido de condicionar o deferimento do benefício da liberdade provisória ao pagamento de fiança, como forma de fixação de vínculo entre o flagrado e o Juízo, principalmente nos casos do delito tipificado no artigo 334 do CP. Nessa linha: 'HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRODUTO ESTRANGEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA CAUTELAR CRIMINAL EXTREMA. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE FIANÇA. FIXAÇÃO. GARANTIA DE PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. 1. Há casos, como o dos autos, crime de descaminho/contrabando, em que não se mostra necessário tomar a medida extrema da prisão preventiva, para acautelar o juízo, devendo-se, porém, utilizar outro instituto, menos rigoroso, mas também eficaz, que é a fiança. 2. Decisão reformada a fim de que o Juízo a quo condicione a liberdade provisória ao pagamento de fiança a ser por ele arbitrada.' (Sétima Turma, HC nº 2004.04.01.028971-3/RS, Rel. Des. José Luiz Borges Germano da Silva, public. no DJU de 25.08.2004, p. 678). 'PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E DESCAMINHO. ART. 334, CP. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312, CPP. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. ARTIGOS 322 E 323 DO CPP. 1 a 2. 'omissis'. 3. Existindo dúvidas quanto à personalidade do réu, ou mesmo sua habitualidade criminosa, deve-se condicionar sua liberdade provisória à prestação de fiança, como medida de cautela e fixação de vínculo entre o paciente e o Juízo, mormente em se tratando de delitos de contrabando e descaminho.' (Sétima Turma, HC nº 2004.04.01.025591-0/SC, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no DJU de 09.09.2004, p. 562). Ante o exposto, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (natureza da infração, valor das mercadorias - R$ 294.335,77 - e a vida pregressa do paciente) defiro a liminar para conceder liberdade provisória a Rogério, mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) bem como termo de compromisso de comparecimento (a ser firmado perante o Juízo a quo) a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício. Comunique-se, com urgência, à Vara de origem (ou Juiz Plantonista). Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada, que as prestará no prazo de 05 (cinco) dias. Após, abra-se vista à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se.
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