Tráfico de cocaína. Prisão preventiva. Liberdade provisória com ou sem fiança. Nos termos do art. 44 da nova Lei de Drogas, os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça e indulto, anistia e liberdade provisória. Cuidando-se de legislação especial, a superveniência da modificação trazida pela Lei 11.464/2007 não possibilita a concessão da liberdade provisória aos réus que respondem pela prática da apontada infração penal. Se a Carta Magna (art. 5º, inciso XLIII) não permite para esse crime sequer a fiança, não seria razoável a admissibilidade de liberdade provisória sem fiança.
Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado
Trata-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando a concessão de liberdade provisória a André Luiz Bühler independentemente do pagamento de fiança ou a redução daquela arbitrada. Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante em 12 de setembro do ano em curso pela suposta prática da conduta tipificada no artigo 33, caput, combinado com o artigo 4o, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, uma vez que trazia consigo aproximadamente 70g de cocaína e 150g de “crack“. Postulada a liberdade provisória, foi concedida mediante o depósito de R$ 6.000,00 a título de fiança. O impetrante sustenta que “a liberdade provisória com fundamento no art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, embora vinculada ao processo, em razão do termo de compromisso, independe de fiança ou qualquer espécie de caução“. Acrescenta que a sua imposição contraria literalmente o disposto no artigo 323, inciso I, do Código de Processo Penal, que veda a concessão de fiança aos delitos em que a pena mínima cominada ultrapasse os dois anos. Caso entenda-se pela manutenção da fiança, afirma que o valor fixada é muito alto, já que o paciente não tem condições financeiras de arcar com o seu recolhimento. Ao delito imputado ao paciente é prevista pena de 05 a 15 anos de reclusão. Consoante prescreve o Código de Processo Penal, em seu artigo 323, inciso I, “Não será concedida fiança (...) nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos“. Decorrentemente, condicionar a liberdade provisória ao recolhimento de fiança em crime que não admite a sua imposição não é medida a ser ordinariamente aceita. Entendimento diverso possibilitaria considerar todos os delitos suscetíveis de fiança, mesmo que vedado o seu arbitramento pela lei. De outra parte, dispõe a Lei nº 11.343/06 que “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça e indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos“ (artigo 44). Portanto, ainda que a imposição de fiança para a obtenção da liberdade provisória ao delito de tráfico seja em regra indevida, a concessão desse benefício ao delito em questão também encontra vedação na lei, o que, segundo ao menos parcela considerável dos julgados do egrégio Superior Tribunal de Justiça, seria, por si só, suficiente para negar o seu deferimento. Confiram-se: HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO EXPRESSA CONTIDA NA LEI N.º 11.343/06. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E SUFICIENTE PARA JUSTIFICAR O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. EXCESSO DE PRAZO PARA FORMAÇÃO DA CULPA. REQUERIMENTOS DA DEFESA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 64 DO STJ. 1. Na linha do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a vedação expressa do benefício da liberdade provisória aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, disciplinada no art. 44, da Lei n.º 11.343/06 é, por si só, motivo suficiente para impedir a concessão da benesse ao réu preso em flagrante e condenado por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto no art. 5.º, inciso LXVI, da Constituição Federal, que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais. 2. A instrução criminal foi conduzida sem qualquer desídia ou irregularidade, restando plenamente justificado o excesso de prazo, uma vez que não provocado pelo Juiz ou pelo Ministério Público, mas, sim, pela própria Defesa. Incidência da Súmula n.º 64 do STJ. 3. Ordem denegada. (HC nº 80.934/SP, 5ª Turma, relª. Minª. Laurita Vaz, DJU, ed. 08-10-2007, p. 340) CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. CRIME HEDIONDO. VEDAÇÃO LEGAL. LEI ESPECIAL. INAFIANÇABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. Hipótese em que o paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes, tendo sido indeferido pelo Magistrado singular o benefício da liberdade provisória. O entendimento anteriormente consolidado nesta Corte orientava-se no sentido de que, ainda que se cuidasse de crime de natureza hedionda, o indeferimento do benefício da liberdade provisória deveria estar fulcrado em suficiente e adequada fundamentação, com base nos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Revisão da jurisprudência em virtude de entendimento do Supremo Tribunal Federal, sentido de que o disposto no art. 2º, inciso II, da Lei dos Crimes Hediondos, por si só, constitui fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória, sem a necessidade de explicitação de fatos concretos que justifiquem a manutenção da custódia. A proibição da liberdade provisória a acusados pela prática de crimes hediondos deriva da inafiançabilidade dos delitos dessa natureza preconizada pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XLIII. A superveniência da modificação trazida pela Lei 11.464/2007 não possibilitou a concessão da liberdade provisória aos réus que respondem ação penal pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. A Lei 11.343/2006 cuida de legislação especial, e contém disposição expressa quanto à proibição do deferimento da liberdade provisória nas hipóteses de tráfico de entorpecentes. Em se tratando de lei especial, não se mostra plausível a tese de que tal dispositivo foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007. Superveniência de sentença, tendo o réu sido condenado à pena de 12 anos e 02 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, vedado o apelo em liberdade por ter permanecido preso durante a instrução criminal. Ordem denegada. (HC nº 83.010/MG, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, DJU, ed. 19-06-2007, p. 602) Colhe-se do voto condutor daquele primeiro julgado citando os fundamentos que seguem: A nova concepção acerca da matéria tem como principal alicerce, segundo o escólio do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, a inafiançabilidade, prevista constitucionalmente (art. 5º, inciso XLIII, CF/88: “A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem“ ). Isso porque, uma vez que a Constituição Federal não permite, para esses crimes, sequer a fiança, não seria razoável a admissibilidade de liberdade provisória sem fiança. É, aliás, o que se extrai do seguinte excerto do voto proferido no HC 83.468/ES (STF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 27/02/2004), in verbis : “A proibição legal de concessão da liberdade provisória seria inócua, se a afastasse o juízo da não ocorrência, no caso concreto, dos motivos autorizadores da prisão preventiva: precisamente porque a inocorrência deles é uma das hipóteses de liberdade provisória do preso em flagrante (Código de Processo Penal, art. 310, parágrafo único, cf. Lei n.º 6.416/77), o que a Lei 8.072 a vedou, se cuida de prisão em flagrante de crime hediondo. De outro lado, a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: como acentuou, com respaldo da doutrina, o voto vencido, no Tribunal do Espírito Santo, do il. Desemb. Sérgio Teixeira Gama, seria ilógico que, vedada pelo art. 5.º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança Conheço do habeas corpus, mas o indefiro: é o meu voto. Tem-se, assim, que para o legislador, tanto o constituinte quanto o ordinário, a periculosidade do agente, no caso dos crimes hediondos ou assemelhados, é presumida, merecendo, assim, maior repressão. Observe-se, ainda, que o legislador ordinário, reiterando o seu pensamento consignado na Lei dos Crimes Hediondos, ao editar a nova Lei de Tóxicos - Lei n.º 11.343/2006), vedou expressamente a concessão de liberdade provisória ou fiança, ad lítteram : “Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.“ (...) Ressalte-se, por fim, que a supressão promovida pela Lei n.º Lei 11.464/07 quanto à vedação legal do benefício liberdade provisória em nada afetou esse entendimento. A Lei n.º 11.343/06, por regular particularmente a disciplina dos crimes de tráfico, é especial em relação à Lei dos Crimes Hediondos, inexistindo, portanto, qualquer antinomia no sistema jurídico, a luz do brocardo lex specialis derrogat legi generali . Frente a tais considerações, mostra-se prudente a manutenção da fiança, no valor fixado, pois ainda assim é benefício concedido ao paciente.Isso posto, indefiro a liminar postulada. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intime-se. Porto Alegre, 24 de outubro de 2007.
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