Contrabando/descaminho. Prisão preventiva. Desarticulação de organização criminosa. Credibilidade do Judiciário. Garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. Presunção de inocência. Liminar indeferida.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Alex Sandro Sommariva, em favor de Rosinaldo Luiz, contra decisão proferida pelo MM. Juiz Substituto da Vara Federal de Caçador/SC que, nos autos de número 2007.72.11.001100-5/SC, decretou a prisão preventiva do paciente, como forma de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal. Segundo se depreende, a custódia cautelar de Rosinaldo foi determinada nos autos da operação denominada Vento Sul, instaurada para apurar possível existência de organização criminosa voltada à prática de contrabando de cigarros procedentes do Paraguai. Em razão disso, foi ajuizado o presente mandamus. Sustenta o Impetrante, em síntese, ausência dos requisitos da prisão provisória, alegando que “nada há de concreto a demonstrar que o paciente voltaria a cometer novos delitos de contrabando/descaminho, havendo apenas suposições neste sentido, o que nem de longe serviria de amparo a justificar a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública“. Aduz também que inexistem elementos indicando que o paciente pode prejudicar a colheita de provas ou frustrar a aplicação da lei penal. Assevera, ainda, que Rosinaldo é “primário, sem qualquer antecedente criminal, com residência fixa, bem como profissão definida“. Ressalta, por fim, que o paciente possui “sérios problemas de saúde“, e que “está com casamento marcado para o dia 23.11.2007.“ Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que seja revogado o decreto prisional. Em que pesem as razões de fls. 02/21, não se verifica, pelo menos em análise perfunctória, a presença dos pressupostos legais para o deferimento da medida de urgência. A propósito, vejam-se os fundamentos constantes da r. decisão monocrática, verbis: Trata-se de representação, proveniente da Delegacia da Polícia Federal de Lages, de prisão preventiva de Rosinaldo Luiz, vulgo Bilu. Afirma que o requerido ROSINALDO LUIZ é parte de uma operação que visa o transporte e posterior revenda de cigarros procedentes do Paraguai. Sustenta que a prisão de ROSINALDO visa assegurar a ordem pública, uma vez que, sendo decretada, irá desmantelar a organização criminosa da qual faz parte o requerido, inibindo nova prática de descaminho. Dado vista ao Ministério Público Federal, manifestou-se pelo deferimento (fls. 09/14). É o relatório. Decido. (...). 1. Materialidade do delito (parte final do art. 312 do CPP). Compulsando os autos, verifica-se que a materialidade resta comprovada nos autos da Comunicação de Prisão em Flagrante nº 2007.72.11.001099-2 em que foi apreendido um caminhão Scania/T114, placas IGD 6505 e reboque/TANQUE, placas ICT 8251, com 360 caixas de cigarros de origem estrangeira, sem documentação fiscal, de diversas marcas, com 50 pacotes cada, ou seja, 18.000 pacotes. 2. Indícios de autoria (parte final do art. 312 do CPP). Há indícios suficientes de autoria. Inicialmente, o interrogatório do motorista Inácio Gutjahr demonstra que as mercadorias tinham destino certo - a cidade de Criciúma/SC e seriam entregues a Rosinaldo Luiz, vulgo BILU. A tal assertiva, corrobora as anotações apreendidas pela Polícia Federal, em que constava o telefone celular de BILU. Além disso, a interceptação telefônica há algum tempo realizada pela Polícia Federal e judicialmente autorizada, por conta da operação Vento Sul, confirmou os indícios de autoria. Transcrevo o depoimento da testemunha e condutor Silnei Dario Silveira Neto Mendina (fls. 4-5 dos autos de Comunicação de Prisão em Flagrante nº 2007.72.11.001099-2): (...) segundo a análise do monitoramento telefônico de BILU, foi possível constatar que o investigado estava prestes a receber grande carga de cigarros contrabandeados; (...) contando com informações de que BILU utilizava caminhões-tanques para o transporte do contrabando (...); após ser encontrado em sua carteira um pedaço de papel amarelo com as anotações “Bilu Criciúma-SC (48) 9602-2340 + 1500,00 360cx“, e ser questionado sobre essa anotação, o motorista disse que realizou ligação para Bilu, e que este era o recebedor da carga. Disse, ainda, que realizou a ligação do telefone do posto de gasolina e pernoitou no local conforme instrução do investigado Bilu (...). No mesmo sentido, a testemunha Daniel Lira, agente da Polícia Federal afirmou (fls. 6-7): 'O motorista conversa com BILU que lhe avisa que não deve continuar viagem, pois “está sujo“ já que os “homens estão em toda parte“; BILU recomendou que fique onde está e que entre em contato no dia seguinte; (...) o motorista informou que a carga seria para BILU, após a equipe encontrar, na carteira dele, uma anotação com esse nome e um número de telefone, (...) disse que não conhecia BILU, mas sabia que era para ele que a carga estava destinada, por isso manteve contato telefônico com o mesmo (...)“. 3. Hipótese Legal (art. 313, inciso I). O delito em investigação é o previsto no art. 334 do Código Penal e se trata de crime doloso punido com reclusão, permitindo, se necessário, a decretação da medida extrema, conforme inciso I do art. 313 do CPP. 4. Circunstâncias que autorizam a prisão preventiva (art. 312). A prisão antes de transitada em julgado a sentença condenatória, denominada de preventiva, é medida extrema e somente se torna possível na ocorrência das hipóteses elencadas no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução penal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. 4.1 Ordem pública. A decretação da prisão preventiva se fundamenta na garantia da ordem pública visando dentre outros objetivos, impedir a reiteração de práticas criminosas. Ao expor sobre a garantia da ordem pública, Fernado Capez explica que a prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinqüir, ou de acautelar o meio social (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 11 ed. Editora Saraiva. 2004. p. 242). (...). A partir da fundamentação exposta, são elementos concretos que permitem a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública: a) No caso de Rosinaldo Luiz não se trata de mera 'mula'; ao contrário, exerce papel de destaque na organização criminosa, coordenando o transporte do contrabando e monitorando a atuação policial, conforme os autos da Comunicação de Prisão em Flagrante 2007.72.11.001099-2 e as informações da Polícia Federal. Faz-se, assim, necessária a desarticulação da organização criminosa. Nesse sentido, o Ministério Público Federal asseverou: vislumbra-se da narração da autoridade policial que a prisão do representado poderá ter como consectário a dissolução da quadrilha, ainda que o mesmo não seja autor intelectual dos crimes ou chefe da quadrilha/organização criminosa. b) o grupo da região, especificamente de Criciúma, revela ampla organização criminosa. Possui batedores, tanto que o flagrado motorista que transportava a carga (...) foi saber o que tinha dentro ontem, às 17 horas, através de um “cara“ que o abordou na estrada e disse que havia contrabando dentro do tanque (...) o pessoal que o contratou não lhe disse que iria vir alguém junto, acompanhando o caminhão (...). Possui outros líderes, como por exemplo, BARBOSA, mencionado no depoimento do flagrado; c) em liberdade, a reiteração da conduta será certa, posto que diversas são as apreensões realizada pela Polícia Federal nesta Subseção de cargas que se destinam à região de Criciúma. Conforme informações da PF, BILU é parte de uma operação que tem por objetivo trazer cigarros oriundos do Paraguai para posterior revenda nas cidades (...). Tal investigação resultou na chamada operação Vento Sul deflagrada pela Polícia Federal no dia 6.11.2007 na região sul de Santa Catarina, com o cumprimento de vários mandados de prisão, bem como medidas de busca e apreensão (...). Diversos números foram interceptados durante a investigação, dentre eles, o número (...), o qual seria utilizado por BILU. d) Outra circunstância que leva à decretação da prisão preventiva nesses casos é a preservação da credibilidade do Judiciário. Nesses termos manifestou-se o Supremo Tribunal Federal: (...) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judiciário, quanto à visibilidade e transparência das políticas públicas de persecução criminal e desde que diretamente relacionadas com a adoção tempestiva de medidas adequadas e eficazes associadas à base empírica concreta que tenha ensejado a custódia cautelar. (Habeas Corpus 89.090-3, Relator Min. Gilmar Mendes). Nesse sentido, Julio Fabbrini Mirabete ensina: (...) o conceito de ordem pública não se limita só a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. (MIRABETE, Julio Fabbrini, Processo Penal, 16 ed. Editora Atlas, 2004, p. 418). 4.3 Conveniência da instrução penal. A prisão preventiva de ROSINALDO se faz necessária também para fins da conveniência da instrução penal, pois em liberdade, diante dos elementos trazidos aos autos pela Policial Federal, o requerido poderá impedir a produção de provas essenciais ao esclarecimento do ilícito. 4.4 Assegurar a aplicação da lei penal. Conforme narrado pela Polícia Federal de Lages, na representação pela prisão preventiva de ROSINALDO, a organização da qual faz parte o requerido é de grande vulto, o que ficou demonstrado tanto pela considerável quantidade de bens contrabandeados como por conseguir monitorar a atuação policial, fatos esses comprovados pelo depoimento das testemunhas ouvidas na oportunidade do flagrante. Diante disso e dos demais elementos colhidos pela operação “Vento Sul“, a possibilidade de fuga do requerido ROSINALDO é concreta, o que impedirá a aplicação da lei penal. Com efeito, conforme bem asseverou o MPF, há risco de que o representado acabe por evadir-se, posto ser o destinatário da grande quantidade de cigarros apreendidos. Objetiva-se com a decretação da prisão preventiva (...) evitar o desaparecimento do réu. Justifica-se a providência cautelar a fim de impedir que eventual condenação não possa ser aplicada em face da fuga do réu, o que pode ocorrer, especialmente, quando o acusado que não tem profissão definida, não possui endereço conhecido, não reside no distrito da culpa, não tem laços familiares, etc. (Código de Processo Penal Interpretado, 11ª ed., Júlio Fabbrini Mirabete, Atlas: São Paulo: 2003, pág.: 812). Ante o exposto, decreto a prisão preventiva de ROSINALDO LUIZ, vulgo BILU, para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução penal e para assegurar a aplicação da lei penal. Expeça-se, com urgência, mandado de prisão, encaminhando-o à Polícia Federal para cumprimento. Intime-se o Ministério Público Federal.“ Inicialmente mister referir que não consta dos autos cópia de nenhuma peça do procedimento investigatório referente à operação denominada Vento Sul, dos Autos de Prisão em Flagrante, nem dos de Busca e Apreensão, tampouco das interceptações telefônicas, todos mencionados na r. decisão hostilizada, circunstância que impede uma análise mais pormenorizada a respeito da dimensão da aludida associação criminosa, bem como da efetiva participação de cada agente e, por conseqüência, da imprescindibilidade da prisão provisória. Inobstante isso, do decisum acima transcrito, a priori, revelam-se demonstrados os fundamentos legais para a manutenção da segregação ante tempus. Com efeito, pelo relato efetivado pelo MM. Juiz a quo, constata-se que não se trata de prática isolada de contrabando e/ou descaminho, porquanto há elementos a indicar efetiva atuação do paciente em associação criminosa voltada para a prática reiterada desse tipo de delito, o que torna difícil a fiscalização pelos agentes estatais, bem como provável a reestruturação das atividades caso os principais responsáveis sejam colocados em liberdade. Logo, há necessidade do desmantelamento da quadrilha, tendo como objetivo não só a segurança coletiva, mas também evitar a destruição de provas, verificando-se, desse modo, os pressupostos da garantia da ordem pública e da instrução criminal, que, in casu, justificam a custódia cautelar, ao menos até a conclusão das investigações. A propósito, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte: PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. OPERAÇÃO RODA LIVRE. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. 1. A liberdade provisória deve ser concedida se não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva (art. 312, CPP). 2. Caso em que a acusada foi presa preventivamente em razão de que, em tese, teria papel fundamental na quadrilha investigada, porquanto seria a responsável pelo fornecimento e introdução dos cigarros de procedência alienígena, que seriam distribuídos em território nacional, evidenciando a necessidade de prisão cautelar dos membros mais relevantes, como in casu, para fins de desarticulação de organização criminosa, garantindo a ordem pública e a aplicação da lei penal. (Sétima Turma, HC nº 2007.04.00.011597-1/RS, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no D.E. em 20.06.2007). HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO ALCATRÃO. PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTRABANDO. DESCAMINHO. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. 1. A liberdade provisória deve ser concedida se não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva (art. 312, CPP). 2. Não é o caso dos autos, onde as investigações policiais trazem à tona a prova da materialidade do crime de descaminho e que o paciente é o idealizador e chefe da organização criminosa especializada no tráfico de cigarros do Paraguai para o território nacional. Para tanto, noticia-se que criou verdadeira empresa, com diversos subordinados, frota de veículos e logística de armanezamento e distribuição de cigarros ilegalmente importados. 3. Assim, não é desarrazoado depreender que, caso solto, o paciente, além de representar efetiva ameaça à ordem pública, pois continuará o seu “negócio“, em face da possibilidade real de rearticulação da sua organização, ameaça à aplicação da lei penal. 4. Por outro lado, resta sedimentado que a prisão cautelar não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (Súmula 09 do STJ), desde que demonstrado de forma concreta, objetiva, os elementos que indicam os motivos da medida constritiva, como in casu. 5. Condições pessoais favoráveis - primariedade, residência fixa e profissão lícita - por si só, não ensejam o afastamento da segregação cautelar quando presentes os requisitos para sua decretação. (Sétima Turma, HC nº 2007.04.00.005612-7/SC, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no D.E. em 28.03.2007). Por fim, nada há nos autos demonstrando que o paciente não está recebendo tratamento médico adequado, tanto que a própria impetração informa que ele está 'internado em hospital da cidade de Criciúma desde a data de 14.11.2007.“ De igual forma, o fato de haver casamento marcado para o dia 23.11.2007 em nada interfere na adoção da custódia cautelar, quando presentes os requisitos legais (art. 312 do CPP) como ocorre no caso sub judice. Ante o exposto, não vislumbrando, por ora, flagrante ilegalidade na decisão atacada, indefiro a liminar. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada - principalmente cópia das principais peças relativas à operação Vento Sul - que as prestará no prazo de 05 (cinco) dias. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 21 de novembro de 2007.
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