Habeas Corpus Nº 2007.04.00.039325-9/rs

Militar. Transgressão disciplinar. Prisão Administrativa. Princípios da legalidade, ampla defesa e contraditório. Inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica.

Rel. Des. Néfi Cordeiro


BRUNO SELIGMAN DE MENEZES impetrou o presente habeas corpus em favor de JOSÉ FRANCISCO MEIRELLES JÚNIOR contra ato do MM. Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Santa Maria/RS, que denegou ordem de habeas corpus em favor do paciente, mantendo punição disciplinar de seis dias de prisão. Narra o impetrante que o paciente é soldado da Base Aérea de Santa Maria/RS e que, em razão de problemas de saúde, o serviço médico concedeu-lhe dispensa pelo período de dez dias. No intervalo desta licença, o paciente foi visto por um Major da unidade onde está lotado o paciente, que instaurou procedimento para apuração de eventual transgressão disciplinar. Relata que, sem acolher as justificativas do paciente, o Major aplicou-lhe a punição de seis dias de prisão. Diz, sem adentrar no mérito administrativo do ato, que a prisão do paciente é ilegal, pois não houve observância aos princípios da legalidade, ampla defesa e contraditório. Prossegue sustentando a inconstitucionalidade do RDAER, pois dispôs sobre matéria reservada exclusivamente à lei e que não poderia ser tratada por Decreto, como a criação de tipos incriminadores. Inobstante, afirma que o paciente foi notificado que seria recolhido, na data de ontem, para cumprir a punição por infringência aos itens 50 e 66 do art. 10 do RDAER, que em verdade não são tipos penais, pois fica ao arbítrio do aplicador e não permitem o exercício da ampla defesa. Prossegue afirmando que a prova do sustentado é que o paciente foi punido por estar trabalhando em um sábado pela manhã, “tamanha a elasticidade de interpretação proporcionada pelo anatemizado Decreto nº 76.322, de 1975“. Assevera que o procedimento administrativo feriu o princípio do devido processo legal, pois o paciente deveria ter sido intimado para comparecer, se quisesse, acompanhado de advogado, para que fosse ouvido, e não apenas que fosse tomado seu depoimento sob pressão e não lhe fosse oportunizado aconselhamento profissional. Refere, ainda, a necessidade de nomeação de dativo, caso não houvesse advogado constituído, e a indispensável abertura de prazo para interposição de recurso da decisão que aplicou a punição. Sustentando a ilegalidade da prisão administrativa requer, inclusive por liminar, a concessão de ordem de habeas corpus a fim de que o paciente seja posto imediatamente em liberdade. É o relatório. DECIDO. Insurge-se o impetrante contra a decisão que denegou habeas corpus impetrado em primeiro grau, objetivando a soltura do paciente, proferida nos seguintes termos: “(...) BRUNO SELIGMAN DE MENEZES impetrou Habeas Corpus em favor de JOSÉ FRANCISCO MEIRELLES JÚNIOR, contra ato do Sr. Major Intendente da Base Aérea de Santa Maria, objetivando a revogação do decreto de prisão do paciente. Alegou que é soldado da Base Aérea de Santa Maria e por apresentar problemas no joelho direito lhe foram concedidos dez dias de licença médica. Referiu que, no prazo da referida licença, foi surpreendido pela Autoridade Impetrada carregando uma camionete com entulhos, o que ocasionou a instauração de procedimento de apuração de eventual transgressão disciplinar, que culminou com a punição de seis dias de prisão. Sustentou que o procedimento administrativo não observou os princípios constitucionais contraditório e da ampla defesa. Aduziu que a punição desponta ilegal, uma vez que o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica é inconstitucional. Juntou documentos (fls. 18-23). É o relatório. Decido. Constitucionalidade do RDAER Alega o Impetrante a inconstitucionalidade do Regulamento Disciplinar da Aeronáutica - RDAER - Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, ao argumento de que a referida norma fere o art. 5º, inciso LXI, porquanto tratou de matéria que somente poderia ser definida em Lei, bem como pelo fato de os tipos ali previstos serem demasiadamente amplos, deixando ao arbítrio do aplicador da punição a adequação fática. O Regulamento Disciplinar Militar é o diploma castrense que trata das transgressões disciplinares, as quais estão sujeitos os militares, sendo uma norma interna. O Direito Militar, penal ou disciplinar, é um ramo especial da Ciência Jurídica, com princípios e regras próprias. Conforme leciona José da Silva Loureiro Neto, na obra Direito Penal Militar, 43 edição, 2001, pp. 25-26: “Infere-se, pois, que atentam contra o ordenamento jurídico militar não os delitos contemplados na legislação penal militar como também as transgressões militares contidas nos Regulamentos Militares. Isso porque os militares estão sujeitos a indeterminado número de deveres que servirão de arcabouço à disciplina militar. E esses deveres têm origem na lei, nos regulamentos e nas ordens superiores de caráter geral. Assim como o delito pressupõe a violação de uma norma legal em virtude de sua gravidade, a infração disciplinar, menos grave, pressupõe a violação de um regulamento militar. (...) O crime militar contém no preceito sancionador uma pena determinada pelo legislador, ao passo que a infração disciplinar contém uma sanção sujeita a uma faculdade discricionária da autoridade militar. Justifica-se, pois o princípio do nullum crimem, sine lege; perfeitamente aplicável ao direito penal como dogma, inexiste quando se trata de aplicação de sanções disciplinares (..).Portanto, a diferença entre o crime militar e transgressão disciplinar (..) o primeiro é sempre previsto expressa e especificadamente pela lei, quer quanto à noção, quer quanto à sanção, sendo esta última constantemente obrigatória e irrevogável, enquanto que a transgressão disciplinar é normalmente prevista em gênero (falta a qualquer dever de serviço ou conduta), como genericamente são previstas as respectivas sanções, a respeito, de cuja aplicação ou revogação dispõe de um poder discricionário o superior hierárquico, o que absolutamente não se dá no direito penal.“ Dessa forma, verifica-se que, em tema de transgressão disciplinar, o principio da legalidade é mitigado, pois a lei em sentido formal é imprescindível apenas em relação ao dever imposto ao militar, não sendo ela estritamente necessária quando se tratar do detalhamento da infração e da correspondente sanção. Cumpre mencionar que os deveres de cunho disciplinar estão definidos na Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), a qual previu, no artigo 31, o dever do militar de obedecer às ordens de seu superior: Art. 31. Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente: I - a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida; II - o culto aos Símbolos Nacionais, III - a probidade e a lealdade em todas as circunstâncias; IV - a disciplina e o respeito à hierarquia; V - o rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens; e VI - a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com urbanidade (grifei). A Lei n 6.880/80 foi recepcionada pela atual Constituição (art. 5°, inc. LXI), estando o dever de cumprir ordem superior expressamente previsto em Lei, tendo o RDAER tão-somente se limitado a especificar as transgressões militares. Contraditório e Ampla Defesa Pelo que depreende da própria inicial, já que o impetrante não apresentou qualquer documento com relação a apuração da transgressão disciplinar que resultou na punição em questão, o Paciente foi devidamente ouvido antes da aplicação da punição, tendo o Impetrante referido que foi oportunizado a esse dclinar suas razões em um formulário padrão, verificando-se, desta forma, o respeito ao contraditório e a ampla defesa. Neste cenário, tenho que não ocorreu qualquer vício de procedimento, nem desrespeito a garantias individuais do Paciente. Ademais, saliento que o §2° do artigo 142 da Constituição da República disciplina que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares“. Não vejo clara ilegalidade na decisão atacada. Quanto ao primeiro fundamento argüido, de inconstitucionalidade do RDAER, analogamente já resolveu o Superior Tribunal de Justiça ser compatível o regulamento disciplinar com as exigência constitucionais de legalidade, contraditório e devido processo legal: RHC 555/RJ, Relator Ministro EDSON VIDIGAL, em julgado unânime da Quinta Turma, publicado no DJ 21.05.1990, p. 4436. De outro lado, claro é que o direito de defesa precisa ser assegurado mesmo na imposição de sanções disciplinares leves e nesse ponto, como observa o magistrado de primeiro grau, não há prova certa de que isso não foi observado. Ao contrário, não foram juntadas cópias do procedimento disciplinar e noticiou o próprio impetrante que fora o paciente ouvido antes da aplicação da punição. A mera forma suciente, em formulário adequado, não impede ou prejudica o exercício do direito de defesa. Nestas condições, indefiro o pedido liminar. Solicitem-se informações da Autoridade impetrada. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intime-se. Porto Alegre, 09 de novembro de 2007.

No Comments Yet.

Leave a comment