Pressupostos da segregação cautelar. Integrante de organização criminosa especializada no tráfico e comércio de cigarros, munições, produtos de informática e remédios do Paraguai. Garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Giovanni Dagostini Marchi, em favor de Jonathan Borges Salvático, contra decisão proferida pela MMª. Juíza Substituta da Vara Federal Criminal de Florianópolis/SC que, nos autos de número 2007.72.00.013079-6/SC, decretou a prisão preventiva do paciente, como forma de garantir a ordem pública. Segundo se depreende, a custódia cautelar de Jonathan foi determinada em decorrência da operação denominada Vento Sul, instaurada para apurar possível existência de organização criminosa voltada à prática de contrabando de cigarros procedentes do Paraguai, além de outras mercadorias (munição, produtos de informática) inclusive remédios. Em razão disso, foi ajuizado o presente mandamus. Sustenta o Impetrante, em síntese, que não existem indícios suficientes da autoria e/ou materialidade para que seja mantida a prisão do paciente. Aduz também ausência dos requisitos da prisão preventiva, porquanto não restaram demonstrados a possibilidade concreta de reiteração da conduta criminosa e o risco de que o paciente possa comprometer o bom andamento da instrução criminal. Ressalta ainda que Jonathan é primário, de bons antecedentes, possuindo residência fixa e família constituída. Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que seja revogado o decreto prisional. Em que pesem as razões de fls. 03/13, não se verifica, pelo menos em análise perfunctória, a presença dos pressupostos legais para o deferimento da medida de urgência. A propósito, vejam-se os fundamentos constantes da r. decisão monocrática, verbis: (...) A presente representação resulta de amplo trabalho investigativo, no qual a Polícia Federal logrou desbaratar esquema de contrabando de cigarros originários do Paraguai, além de comércio ilegal de munição, medicamentos (pramil, atemix, cytotec, desobesi e sibutramina) e produtos de informática. As investigações pautaram-se, precipuamente, em ação controlada, com a colheita de dados obtidos mediante interceptações telefônicas autorizadas por este Juízo. As informações compiladas, de forma clara e muito bem fundamentada na representação, dão conta de que os investigados reuniram-se em grupos que atuam na região sul catarinense. Dentre os envolvidos, a Polícia Federal identificou: ALEXANDRE MEDEIROS RABELO (...); VALDINA MAGE FERNANDES (...); JOÃO BATISTA VOLPATO (...); JONATHAN BORGES SALVÁTICO: Há indícios nos autos da autoria de Jonathan em delitos de contrabando de cigarros (art. 334 do Código Penal) comércio ilegal de arma de fogo (art. 17 da Lei nº 10.826, de 2003 - fl. 95) e de medicamentos de origem estrangeira, estes sem registro na ANVISA (art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal). Segundo informações obtidas nos monitoramentos telefônicos, Jonathan comercializa cigarros transportados por motoristas contratados para tal fim. O principal cliente é Valdenir Mario da Rosa, com quem Jonathan conversa, acertando a comercialização nos resumos constantes nas fls. 92/93. Nas fls. 93/95, a autoridade policial relata várias outras conversas realizadas com outros clientes e motoristas encarregados pelo transporte dos cigarros. Acerca da internação de medicamentos sem registro na ANVISA, nos resumos das conversas interceptadas, Jonathan comenta vender: pramil (para impotência sexual) atemix, cytotec (usado como abortivo) reumazin, desobesi e sibutramina (os dois últimos, inibidores de apetite). Segundo se depreende dessas conversas, Jonathan tem medicamentos para pronta-entrega e ensina como usá-los, conforme consta nas transcrições abaixo (fls. 95/96): 'Nesta conversa com Luciana, ele se compromete a fornecer o medicamento sibutramina, em caixa com 30. Trata-se de fármaco inibidor de apetite muito procurado ultimamente para tratamento da obesidade, cuja importação do Paraguai não sofre a devida repressão por parte da ANVISA' 'Jonathan recebe ligação de Robson, que pergunta se ele tem remédio pramil, usado para combater a impotência sexual masculina. Robson pede 2 cartelas e Jonathan fica de entregar depois. Essa versão paraguaia do viagra também tem a venda proibida no Brasil.' 'Jonathan demonstra conhecer os possíveis efeitos prejudiciais à saúde dos medicamentos que comercializa, tal como nesta ligação, na qual o interlocutor solicita os fármacos atemix e pramil, além de sibutramina. Jonathan diz que vende a R$ 40,00 e que sabe para quem seu interlocutor repassará, o que pode ocasionar problemas para ele (Jonathan).' 'Na próxima ligação, mais um novo cliente chega até Jonathan à procura de remédios ilegais. Nesta ligação, 'Nego', de Ouro Negro, diz que foi indicado por Robson da farmácia e que precisa de cytotec (fármaco abortivo). Jonathan diz que vende pelo preço de R$ 300,00 por cartela, e que não gosta de falar dessas coisas por telefone. Então, fornece o endereço de sua loja para que 'Nego' passe lá para conversarem: IJ Eletrônica, em Forquilhinha/SC, embaixo do 'Miro Cereais'. 'Esse alvo monitorado não apenas vende remédios proibidos, mas também chega a atuar como 'consultor' a respeito do medidamento. No próximo trecho, em conversa com alguém que nem conhece (o amigo de Crispim) Jonathan orienta que o medicamento em questão seja colocado dentro da vagina da mulher sem que ela saiba, a fim de provocar sangramento e aborto e sugere que o interlocutor 'dê um porre nela', no intuito de facilitar o feito. O interlocutor rejeita a hipótese, pois a mulher em questão (amante) não consome álcool, de modo que eles ficam de se encontrar para que Jonathan explique melhor.' 'Jonathan demonstra ter medicamentos para pronta-entrega. Na próxima ligação, ele fala em Camila e pede que ela pegue numa maleta cromada, cujo código é 333, uma caixa de medicamento reumazin, cuja venda é proibida em território nacional, e leve para Fernando na farmácia.' 'Na seqüência, Luciana (revendedora) pede os fármacos inibidores de apetite desobesi e sibutramina. Jonathan menciona os preços e também fala de perfumes encomendados por ela. Jonathan tem para pronta-entrega e mandará seu irmão levar pela manhã.' 'Jonathan recebe ligação de uma mulher que se identifica como faxineira de um prédio de um conhecido dele (Bortoloto) e diz que recebeu indicação de Fernando, no sentido de que Jonathan venderia cytotec, pois a pessoa que lhe vendia anteriormente (Turvo/SC) foi presa quando trazia medicamentos do Paraguai. Ele diz que vende e pede para que ela passe na loja no sábado pela manhã para que conversem, bem como que não é necessário falar o nome (cytotec) pelo telefone, bastando citar a primeira letra.' 'Jonathan fala com 'Rafa', que lhe pede 'cytotec', 'aquele remédio que faz descer o que tem dentro da barriguinha'. Jonathan diz que vai ver com o Pedro'. A materialidade do delito de contrabando restou comprovada em apreensão realizada pela Polícia Federal no dia 19/09/2007, quando foram presos em flagrante Jonathan, Luiz Fernando Vitali e Joelci Rafael da Rosa (fls. 253/264 do anexo I). Jonathan conduzia o veículo Fiat/Uno, placas MDH-9724, e estava acompanhado de Joelci. Luiz Fernando conduzia o veículo VW/Quantum, placas LXL-7968, onde a Polícia Federal encontrou aproximadamente trinta e cinco caixas de cigarros de origem paraguaia, contendo cinqüenta pacotes de cigarros cada (fl. 263 do anexo I). Os três voltavam juntos do Paraguai quando abordados pela Polícia Federal no trevo de acesso ao município de Curitibanos/SC (fl. 253 ao anexo I). Jonathan nada referiu acerca dos cigarros, mas afirmou que 'vai, aproximadamente, a cada 3 (três) meses para o Paraguai pra comprar produtos' (fl. 258 do anexo I). Ante o exposto, conclui-se que presentes indícios de autoria dos delitos de contrabando de cigarros (art. 334 do Código Penal) comércio ilegal de arma de fogo (art. 17 da Lei nº 10.826/2003 - fl. 95) e de medicamentos de origem estrangeira, estes sem registro na ANVISA (art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal) assim como comprovada a materialidade do primeiro, com reiteração da conduta criminosa, inclusive após ser preso em flagrante. Dessa forma, impõe-se a decretação da prisão preventiva de Jonathan como garantia da ordem pública, ameaçada pela reiterada prática do comércio irregular. Cabível, ainda, a busca e apreensão no endereço residencial e comercial de Jonathan (itens VI e VII da fl. 117) com fundamento no que dispõe o art. 240 do Código de Processo Penal. As razões expostas na r. decisão monocrática são corroboradas pela Representação pela expedição de mandados de busca e apreensão, prisão preventiva, seqüestro e apreensão de bens, bloqueio de contas bancárias e quebra de sigilos bancário e fiscal acostada às fls. 28-140, em que se constata a intensa atividade do paciente no comércio irregular de cigarros, munição, produtos de informática e remédios, efetivando contatos com outros membros integrantes da atividade ilícita ('Alemão', 'Valdir', etc.) utilizando-se, ainda, de motoristas para o transporte das mercadorias. Extrai-se, portanto, que não se trata de prática isolada de contrabando e/ou descaminho, porquanto há elementos a indicar efetiva atuação do paciente na prática reiterada de crimes, verificando-se, desse modo, o pressuposto da garantia da ordem pública, o que justifica a custódia cautelar.A propósito, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte: PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO E DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. OPERAÇÃO RODA LIVRE. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. 1. A liberdade provisória deve ser concedida se não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva (art. 312, CPP). 2. Caso em que a acusada foi presa preventivamente em razão de que, em tese, teria papel fundamental na quadrilha investigada, porquanto seria a responsável pelo fornecimento e introdução dos cigarros de procedência alienígena, que seriam distribuídos em território nacional, evidenciando a necessidade de prisão cautelar dos membros mais relevantes, como in casu, para fins de desarticulação de organização criminosa, garantindo a ordem pública e a aplicação da lei penal. (HC nº 2007.04.00.011597-1/RS, public. no D.E. em 20.06.2007). HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO ALCATRÃO. PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTRABANDO. DESCAMINHO. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. 1. A liberdade provisória deve ser concedida se não estiverem presentes as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva (art. 312, CPP). 2. Não é o caso dos autos, onde as investigações policiais trazem à tona a prova da materialidade do crime de descaminho e que o paciente é o idealizador e chefe da organização criminosa especializada no tráfico de cigarros do Paraguai para o território nacional. Para tanto, noticia-se que criou verdadeira empresa, com diversos subordinados, frota de veículos e logística de armanezamento e distribuição de cigarros ilegalmente importados. 3. Assim, não é desarrazoado depreender que, caso solto, o paciente, além de representar efetiva ameaça à ordem pública, pois continuará o seu “negócio“, em face da possibilidade real de rearticulação da sua organização, ameaça à aplicação da lei penal. 4. Por outro lado, resta sedimentado que a prisão cautelar não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (Súmula 09 do STJ), desde que demonstrado de forma concreta, objetiva, os elementos que indicam os motivos da medida constritiva, como in casu. 5. Condições pessoais favoráveis - primariedade, residência fixa e profissão lícita - por si só, não ensejam o afastamento da segregação cautelar quando presentes os requisitos para sua decretação. (HC nº 2007.04.00.005612-7/SC, public. no D.E. em 28.03.2007). Ante o exposto, não vislumbrando, por ora, flagrante ilegalidade na decisão atacada, indefiro a liminar. Solicitem-se informações à digna autoridade impetrada, que as prestará no prazo de 05 (cinco) dias. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
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