Habeas Corpus Nº 5003304-60.2019.4.02.0000/RJ

RELATOR: DESEMBARGADOR: ANDRÉ FONTES -  

DECISÃO. 

I – A prisão preventiva constitui providência excepcional e a sua decretação, pela autoridade judicial, está autorizada nos casos em que concretamente são demonstrados os seus requisitos, expressamente estabelecidos no art. 312 e 313, I do Código de Processo Penal.  

II – Se, a partir de flagrante quanto às figuras típicas do art. 158, § 1º, 180, caput, 288-A e 334, § 1º, IV do Código Penal, em interpretação conjunta com o art. 16, caput, da Lei 10.826-2003, restou provável que a liberdade dos pacientes é atentatória à ordem pública, dada a gravidade concreta dos delitos apurados, correta a decretação da prisão cautelar.  

III – Não há excesso injustificado de prazo no processamento do feito originário a caracterizar, em juízo de cognição sumária, o apontado constrangimento ao status libertatis.   

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de ANDERSON DA CUNHA FIGUEIREDO e FLAVIO SOARES SANTOS, SANTOS RAIMUNDO, objetivando fazer cessar alegado constrangimento ilegal perpetrado pelo d. juízo da 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro que, nos autos de ação penal a que responde o pacientepelo cometimento em tese dos delitos dos art. 158, § 1º, 180, caput, 288-A e 334, § 1º, IV, todos do Código Penal, como também do art. 16, caput, da Lei 10.826-2003, consubstanciado na mantença da prisão cautelar após flagrante delito ocorrido em 10.10.2018.  

Na sua peça, narra o impetrante que a imputação ministerial constante da denúncia atribuem aos ora pacientes a participação em “milícia privada armada, com atuação no bairro de Manguariba/RJ, e estavam associados de forma estável e permanente a Mauro Sérgio Baptista de Azevedo Júnior, vulgo “Juninho”, que veio a óbito após suposto confronto com policiais. Afirma o parquet que os pacientes, em comunhão de desígnios, constrangiam, mediante o uso de arma de fogo, grave ameaça portando, proprietários de estabelecimentos comerciais e moradores locais no intuito de obter indevida vantagem econômica, as extorsivas “taxas” de segurança. Além disso ainda, que os pacientes, em tese, mantinham em depósito mercadorias proibidas, no exercício de atividade comercial, a saber, 58 (cinquenta e oito) caixas de cigarro da marca “Gift”, de origem paraguaia, no interior do veículo clonado HB20, placa LRQ-3392, apreendido no dia do flagrante.”. 

Narra, também, que os “pacientes encontram-se à disposição da justiça, sem qualquer previsão para o fim da instrução criminal, eis que em audiência de instrução e julgamento o Ministério Público requereu diligencias, sendo estas, a posteriori deferidas pelo r. Juizo, conforme veremos. O flagrante foi realizado no dia 10 de outubro de 2018, conforme APF em anexo, ou seja, exatos 215 (duzentos e quinze) dias contados até a data da distribuição deste habeas corpus. Segundo o relatório do flagrante ora anexado, o Sr. DELPOL assistente Fábio Salvadoretti, baseou-se em supostas informações de inteligência relacionadas à milícia, para concluir que os pacientes faziam parte da OCRIM, e apoiado nesta suposição, adentrou na residência do paciente Flavio dos Santos Cerri, ocasionando o óbito de Mauro Sergio Baptista de Azevedo Junior. Ressalta-se, que não há nos autos da investigação policial sequer menção do envolvimento dos pacientes na dita OCRIM, afim de que se justifique a entrada no domicílio, a apreensão de materiais ilícitos, que imputem aos pacientes, cidadãos honestos, sem antecedentes criminais, pais de família e trabalhadores crimes dessa magnitude.”.

Aponta, no contexto, que há evidente desordem judiciária no curso do feito originário, em razão dos seguintes acontecimentos:  

 O flagrante ocorreu em 10/10/2018, porém, o procedimento só foi formalizado na madrugada do dia 11/10/2019. (Doc. anexo – fls.02/131);  

 A audiência de custódia foi realizada em 12/10/2018, ocasião em que a prisão em flagrante foi convertida em preventiva, conforme fls.145 em anexo. Ato seguinte, o processo foi distribuído para a 19ª Vara Criminal da Comarca da Capital, contudo, em 16/10/2018 foi proferida decisão determinando a remessa dos autos à uma das varas criminais regionais de Santa Cruz, tendo em vista que os fatos ocorreram no bairro de Paciência. (Fls.153 em anexo);  

 Somente em 29/11/2018, o processo foi enviado à conclusão do juízo da 1ª Vara Criminal Regional de Santa Cruz, que em despacho determinou a remessa dos autos ao Ministério Público. (Fls. 180V/181 em anexo);  

 Em 12/12/2018 o ilustre representante do Ministério Público, manifestou-se pelo declínio de competência com a remessa dos autos ao Juízo federal, tendo em vista que o artigo 334-A, §1°, IV, do Código Penal, contempla inexorável interesse da União. (Fls.191/193);  

 Acolhendo o parecer ministerial, o Douto Juízo da 1ª Vara de Santa Cruz proferiu decisão pelo declínio da competência, determinando a remessa do feito ao Juizo Federal. (Fls. 194);  

 O ofício com a remessa dos autos à Justiça Federal foi expedido em 18/12/2018 (Fls.199), porém, os autos só foram distribuídos em 11/01/2019, recebendo a numeração 5001014-95.2019.4.02.5101;  

 Somente em 25/01/2019, quando os pacientes já estavam presos há 107 (cento e sete) dias, foi proferida decisão pelo juízo da 4ª Vara Federal Criminal determinando a inclusão da advogada que atuou da audiência de custódia, quando só então a defesa teve acesso integral ao processo. (Decisão em anexo);  

 A Denúncia foi oferecida em 31/01/2019, conforme documento em anexo, tendo sido a mesma recebida pelo Douto Juízo ad quo somente em 04/02/2019, sendo determinada a citação dos pacientes nesta mesma data. (Decisão em anexo);  

 Ato seguinte, o processo passou a tramitar com a numeração 004794-43.2019.4.02.5101, a citação foi realizada somente em 07/02/2019, ou seja, 120 (cento e vinte) dias após a prisão dos pacientes, conforme certidão do oficial de justiça em anexo;  

 Somente em 14/02/2018 a Defesa foi intimada para apresentar a Resposta à Acusação dos pacientes, que visando acelerar o andamento processual, protocolizou a peça defensiva no dia 15/02/2019. (Doc. anexo)  

 Em 20/02/2019 foi proferida decisão/despacho, informando que antes de dar prosseguimento ao trâmite processual, havia a necessidade do envio dos laudos dos bens apreendidos ainda faltantes relacionados ao objeto da denúncia, assim como alguns dos bens apreendidos para serem acautelados em Juízo, que já haviam sido solicitados peara a Polícia Civil. (Doc. anexo) 

Ato contínuo, indica a prolação de decisão por meio da qual a autoridade impetrada determinou a “vinda dos laudos dos bens apreendidos ainda faltantes relacionados ao objeto da denúncia, assim como a vinda de alguns dos bens apreendidos para serem acautelados em Juízo. Assim, diante da manifestação ministerial do Evento 52, decido: Determino que a secretaria deste Juízo, por qualquer meio célere, proceda a contato com o Delegado da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, a fim de agilizar as providências já solicitadas através do ofício 510000495330 (Evento 40). Determino que deverão ser encaminhados à secretaria deste Juízo da 4ª Vara Federal Criminal os laudos dos seguintes bens apreendidos (já requisitados pela própria Polícia Civil, mas ainda não juntados aos autos). Esses bens deverão, após a produção do laudo, ser encaminhados também a este Juízo: 1. 2 anéis de metal branco; 2. 1 fragmento de impressão papilar; 3. 1 relógio de pulso dourado; 4. 2 balaclavas pretas (já solicitadas pelo ofício 510000495330); 5. 1 chapéu preto; 6. 1 bastão de madeira (já solicitado pelo ofício 510000495330); 7. 2 cintos táticos (já solicitados pelo ofício 510000495330); 8. 2 pares de botas pretas (já solicitadas pelo ofício 510000495330); 9. 1 par de luvas; 10. 1 colete à prova de balas (já solicitado pelo ofício 510000495330). Determino que a Polícia Civil dê cumprimento à solicitação contida no ofício 510000457709, encaminhando o veículo HYUNDAI HB20 ao Departamento de Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro - ICCE para produção de laudo, nos mesmos moldes do Laudo nº 035543/2018, realizado no veículo Gol/VW (quesitação), o qual não foi requisitado anteriormente pela autoridade policial, à época da tramitação do Flagrante, conforme restou confirmado na resposta da autoridade policial (Evento 47). Determino que deverão ser encaminhados à secretaria deste Juízo da 4ª Vara Federal Criminal, os seguintes bens apreendidos (cujos laudos já se encontram nos autos): 1. 1 bateria para rádio comunicador; 2. 4 aparelhos celulares (2 Samsung, 1 Iphone e 1 Motorola); 3. 2 unidades de rádio comunicadores; 4. 60 envelopes (já solicitados pelo ofício 510000495330); 5. 1 talão de notas promissórias (já solicitados pelo ofício 510000495330); 6. 1 caderno de anotações contábeis (já solicitados pelo ofício 510000495330); 7. 1 caderneta com anotações contábeis (já solicitados pelo ofício 510000495330); 8. 1 bilhete com anotações contábeis (já solicitados pelo ofício 510000495330).”.  

Sendo certo que “ofício n° 510000543942 foi expedido em 22/02/2019, solicitando prioridade no atendimento, tendo em vista se tratar de processo de réu preso e o trâmite processual estar no aguardo das determinações judiciais relativas aos bens apreendidos. (Doc. anexo) Dito isto, vale mencionar que apenas em 13/03/2019 foi proferida decisão admitindo o largo lapso temporal para a designação da audiência, justificando pela necessidade da vinda do material apreendido e dos laudos faltantes, conforme requerido pela defesa. (Doc. em anexo) É inadmissível Excelências, que a demora nos trâmites administrativos entre a Polícia Civil e a Justiça Federal recaiam sobre a defesa. Ante o ocorrido, absurdo e injustificável, somente em 29/04/2019 foi realizada a audiência de instrução e julgamento, (...)”.  

Na mesma perspectiva, apõe que “ao término da audiência de instrução, restou evidente a falta de provas para configurar as imputações criminais feitas na denúncia, bem como ausentes os requisitos para manutenção na prisão preventiva, motivos pelos quais o I. Parquet Federal requereu perícia nos celulares apreendidos quando da prisão em flagrante dos pacientes. Nesta oportunidade, observando que NÃO FOI ENCERRADA A FASE DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL, tendo em vista o requerimento feito pelo MPF, dando continuidade à fase de diligências, e o fato de os pacientes estarem acautelados à disposição da justiça há mais de 200 (duzentos) dias, a defesa técnica requereu o relaxamento da prisão e, alternativamente, a substituição por medidas cautelares, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. A decisão combatida neste remédio foi proferida em 30/04/2019 e ratifica a informação de que o processo encontra-se em fase de instrução, tendo apenas encerrada a fase de Audiência de Instrução e Julgamento, com a oitiva de testemunhas e interrogatório dos pacientes. A autoridade coatora entendeu que a produção da prova requerida se faz relevante, uma vez que possibilitará a colheita de elementos importantes para a delimitação de eventuais responsabilidades e à convicção do órgão julgador, mostrando-se necessária e proporcional para a instrução do presente feito, razão pela qual deferiu a produção da prova requerida. (Decisão em anexo). Na mesma oportunidade, apesar de reconhecer o excesso de prazo que gera a ilegalidade da prisão, imputou que a demora foi causada pela própria defesa, quando solicitou a juntada dos laudos e bens apreendidos no flagrante, justificando o indeferimento do pedido defensivo, mantendo a prisão preventiva para a garantia da ordem pública, por considerar que os pacientes são integrantes de milícia privada,”.  

Para, nesse passo, concluir ser “evidente que a perícia determinada pela autoridade coatora retardará ainda mais o fim da instrução, tornando o cárcere premeditado dos pacientes, mais gravoso que uma possível condenação no término do processo. Nota-se que em sede de audiência de instrução e julgamento, tanto as testemunhas de acusação, quanto a autoridade policial, não lograram êxito e comprovar a necessidade da segregação cautelar dos pacientes, tendo em vista que não existir sequer um única prova material de que os pacientes possuam qualquer vínculo com os crimes imputados. Não há também procedimentos onde os pacientes constem como investigados ou vítimas que reclamem de qualquer ação criminosa feita pelos mesmos. Conclui-se da audiência, que o suposto ato de pertencer a uma organização criminosa, foi baseado em suposições, ilações e interpretações da autoridade policial, sem nenhum meio de prova tangível. Neste contexto, é imperioso destacar que ambos os pacientes possuem residência fixa, filhos menores de idade e meios lícitos para manter seus sustentos e de suas famílias, cabendo, alternativamente, a aplicação de outras medidas cautelares substitutivas da prisão. Ante a complexidade da diligência requerida pelo Ministério Público Federal, verifica-se que não há previsão para conclusão do feito, e não há como considerar plausível que a demora processual tenha sido causado pela defesa, conforme já explanado nos parágrafos anteriores. Na mesma toada, esclarece a defesa que não esta exercendo uma simples soma aritmética de datas, prazos e eventos, mas sim exercendo o múnus assumido ante a complexidade para a solução do deferido pelo r. juízo de piso, o que certamente ocasionará aos pacientes extremo prejuízo ao seu direito de liberdade. Dentro desta lastimável situação, observa-se que não há previsão para o fim da fase de diligências, muito menos para prolação de sentença, concluindo-se que os pacientes aguardam o fim de sua peregrinação há exatos DUZENTOS E QUINZE DIAS, sem previsão de Sentença. Assim, Eminentes Desembargadores, diante desta demora para o fim da fase de instrução em que os pacientes, seres humanos, restam presos por mais de sete meses à disposição da justiça, resta claro a ilegalidade da prisão, fundamenta-se o motivo do deferimento liminar da ordem de habeas corpus, independente do já noticiado por esta defesa e de os mesmos ostentarem condições pessoais favoráveis e existir amparo legal para a concessão da liberdade pleiteada.”.  

Na sequência, o impetrante tece considerações a respeito das condições pessoais dos pacientes, esclarecendo que o “Sr. Flavio Soares Santos Cerri, trabalhava no cargo de repositor no Supermercado Bom Dia no bairro de Manguariba, além de ser proprietário de uma barraca de batata frita e bebidas, de onde complementa sua renda mensal. Além disto, possui residência fixa no distrito da culpa, especificamente, na Rua Joanilson de Melo, 47, casa 02, Conjunto Manguariba, CEP 23065-240, local em que reside com sua mãe, Sra. Claudia Soares Santos Cerri, (doc. em anexo) e é pai de 02 (duas) filhas - Flavia (09 anos) e Lara (01 ano), sendo certo que ambas dependem, exclusivamente do sustento do requerente (docs. em anexo). O Sr. Anderson da Cunha Figueiredo, trabalhava como pintor e prestava serviço como autônomo em locais determinados pela Empresa Assumpção e Mattos Consultoria Imobiliária Construção e Reformas Me, com sede na Avenida Gilka Machado, n°02, sala 204, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, RJ. (Doc. Em anexo) No mais, possui residência fixa também no distrito da culpa, especificamente, na Rua Tomé de Souza, n° 02, Fazenda Cassiano, Paciência, CEP 23065-023, local em que reside com companheira, Sra. Aline, (doc. em anexo) e é pai de Riquelme, de apenas 09 anos, dependente do requerente, conforme certidão de nascimento em anexo. Exa., dada as condições pessoais, os pacientes nem por vislumbre aparentam possuir personalidade voltada para a pratica de crimes, quiçá pressupor que poderiam agir de modo danoso à coletividade ou ao andamento processual. Aponta a defesa para outra peculiaridade da prisão dos pacientes Anderson e Flavio. Não houve para ambos situação de flagrante durante a investida policial, nenhum material foi encontrado em suas casas, não resistiram à prisão e por nunca terem se imaginado nesta situação, inertes ficaram em sua prisão e apaticamente hoje (sobre)vivem aguardando justiça.”.  

Já em relação aos fundamentos do decreto cautelar, argumenta que “não prosperam as alegações de risco à ordem pública. O Supremo Tribunal Federal já entende que a periculosidade do agente não pode ser demonstrada levando-se em conta apenas a gravidade em concreta do delito, já que prescinde de uma análise conjunta dos elementos que demonstram a gravidade concreta do crime, com elementos que demonstrem a possibilidade real e efetiva de reiteração delitiva. Entende-se que a gravidade do crime, ou a forma pela qual o mesmo foi perpetrado, são circunstâncias insuficientes para embasar a prisão preventiva sob o manto da garantia a ordem pública. Portanto, o fato de o crime ter natureza hedionda não implica em decretação imediata da segregação cautelar, tendo em vista que gravidade do crime e crueldade na qual o mesmo fora executado são circunstâncias que demonstram a realidade fática, e não a personalidade do agente; não implica dizer, portanto, que o agente voltará a delinquir. Nessa esteira, a periculosidade do agente pode ser demonstrada a partir da possibilidade real de reiteração delitiva, ou então a partir da gravidade concreta e real do crime perpetrado, corroborada com a possibilidade de reiteração delitiva. Aury Lopes Junior (Prisões cautelares. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2013) diz que o argumento de perigo de reiteração delitiva é de natureza inquisitória, já que irrefutável, tendo em vista que é impossível a prova de que o indivíduo solto praticará ou não um crime. Afirma ainda que nem o direito penal tampouco direito processual penal estão legitimados a tutelar o imprevisível; o futuro. Na mesma toada, são se sustentam as alegações de conveniência da instrução criminal. O enclausuramento por conveniência da instrução criminal possui caráter eminentemente instrumental, pois visa a tão somente o bom andamento do processo. O periculum libertatis estaria configurado quando a coleta da prova ou o normal desenvolvimento do feito estiverem em risco, em virtude de ameaças ou constrangimentos às testemunhas, vítimas e peritos, bem como em caso de destruição ou alteração do local do crime (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 2v;). O Ilustre representante do Ministério Público Federal não explicita os exatos motivos que tornam a prisão preventiva premente, em detrimento de medidas cautelares menos gravosas, como determina o artigo 93, IX, da CF/88 combinado com o artigo 282, §6°, do CPP, razão pela qual a segregação cautelar, além de desumana, é nula, consubstanciando-se em constrangimento ilegal, conforme dispõem os artigos 5°, LXVIII, da CF/88 e 647 e 648, I, do CPP; Inesquecível também, o devido respeito ao princípio da homogeneidade, corolário dos princípios constitucionais implícitos da proporcionalidade e da razoabilidade, temos que, ante a eventual condenação dos ora pacientes, dada suas excelentes condições pessoais, o regime que lhes seria imposto certamente seria menos gravoso que o atual, causa pela qual, novamente, a prisão decretada é ilegal, segundo imperativo dos artigos 5°, LXVIII, da CF/88 e 647 e 648, I, do CPP.”.  

Sobre o alegado excesso de prazo, advoga que a “jurisprudência pátria, em consonância com a legislação processual penal, é unânime em determinar que nos casos de réu preso – também aplicável ao caso telado - os prazos processuais não podem ser excedidos, sob pena de se caracterizar constrangimento ilegal, devendo a instrução criminal encerrar-se no prazo razoável, não podendo ser visto por vossa excelência, como simples contagem aritmética! Ora, é de conhecimento da defesa, a sobrecarga do judiciário e a observância do principio da razoabilidade, mas esse fato não pode recair sobre a fragilidade do pacientes, uma vez que se passaram mais de 07 (sete) meses, tornando-a ainda mais ilegal e afastando totalmente o principio da razoabilidade dos atos processuais. Note-se, ainda, que os pacientes possuem residência fixa no Distrito da culpa, trabalho lícito, são arrimos de família (comprovados nos autos) e em razão disso, poderão receber as intimações em seu domicílio e, consequentemente, comparecer em juízo quando for solicitado sem causar nenhum impasse à atuação da Justiça. Como se sabe, o direito de ir e vir não está sujeito a efeitos preclusivos, sendo um dever do Magistrado, delineado pela Constituição Federal, reconhecer e declarar qualquer violação à liberdade de locomoção. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no Brasil através do Decreto n. 678/92, consigna a ideia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Assim, toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um Juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. Ad argumentandum tantum, os pacientes, coagidos pelo inércia da justiça, são pessoas de bom caráter, não tendo contra eles nenhum outro mandado de prisão preventiva, tendo bons antecedentes, nunca tendo sido presos anteriormente, por quaisquer sejam os motivos. Contudo, verifica-se que não possui perigo à sociedade. A conservação dos pacientes em tempo superior ao convencionado para a finalização da instrução processual vulnera também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e integrado ao Direito Pátrio por força do Decreto n. 678, de 6.11.1992, cujo artigo 7º, item 2, preceitua: “Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições Políticas dos Estados-partes ou pelas Leis de acordo com elas promulgadas.” A prisão de alguém sem sentença condenatória transitada em julgado é uma violência, que somente situações especialíssimas devem justificar.”.  

Concluindo, no particular, que a “toda evidência a demora no encerramento da instrução criminal está associada à deficiência do Estado e não à Defesa, como tentou justificar o parquet. Não há dúvida de que uma prisão cautelar que se protrai por período superior a 7 meses vislumbra-se antecipação da pena, o que é também é vedado pela Lei Maior. V. Exa., sabemos ser imperioso resguardar a idoneidade pública, porém imperiosa também a devida e justa aplicação da lei penal em todos os sentidos. Isto porque, antes de tal trânsito, o que se encontram são apenas suposições, de forma que a gravidade do delito, por si só, não pode ensejar risco à ordem pública, simplesmente porque é uma hipótese, gozando ainda os pacientes status de inocência. Por outro lado, caso se acolha entendimento contrário, isso significaria que, por exemplo, sempre que uma conduta de tortura ou de cárcere privado fosse imputada a alguém, dever-se-ia determinar o encarceramento preventivo, o que constituiria uma repristinação de normas já revogadas do Código de Processo Penal, que previam a prisão compulsória em alguns casos e seriam uma manifesta afronta ao princípio da presunção de inocência. Ou seja, se a gravidade do delito pudesse servir como fundamento idôneo para justificar a prisão dos ora pacientes, seria de se esperar a prisão automática de todas as pessoas que respondem a ações penais, independentemente das particularidades do caso concreto, o que, como se sabe, não ocorre na prática forense. Portanto, depreende-se que nem o Legislador Constituinte, por meio da positivação do princípio presunção de inocência, nem o Legislador Ordinário, por conta da revogação dos artigos que positivavam a prisão compulsória, permitem a associação da gravidade do delito com a garantia da ordem pública, para fins de decretação da prisão preventiva. Pelo contrário, têm que ser demonstrado de forma clara os motivos específicos e concretos que tornem a liberdade de eventual acusado em um risco efetivo à garantia da ordem pública, o que claramente não ocorreu no caso em tela. Igualmente, Excelência, não se perfaz, no caso concreto, o cerceamento preventivo da liberdade dos ora pacientes com fulcro na conveniência da instrução criminal. De outro giro, temos que resta necessária a apresentação clara de motivos concretos que prejudicariam a instrução criminal. Novamente, não cabe aqui quaisquer presunções. Importa ainda registrar que a jurisprudência predominante nas instâncias superiores é sólida no sentido de reconhecer que, para a manutenção da prisão, não basta a mera referência genérica, sendo imperiosa a existência de indicativos concretos de que a colocação em liberdade do acusado poderá interferir na produção da prova testemunhal.”

Lado outro, tece considerações acerca da ausência de fundamentação e motivação concreta para o decreto de prisão cautelar em detrimento das demais cautelares diversas, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, asseverando que “ao contrário do que entendeu o douto juízo, considerando as particularidades do presente caso, a ausência dos requisitos da prisão preventiva e as circunstâncias pessoais dos pacientes, entendemos, data vênia, que há uma série de medidas cautelares alternativas, como as previstas no rol do art. 319 do CPP, à prisão preventiva que poderiam garantir a ordem pública e a instrução criminal, com igual rigor, caso se entendesse necessário. Nesse ínterim, ressaltamos que a prisão preventiva figura como medida extrema em nosso processo penal, como se aduz da regra contida no art. 282, §6°, do CPP, a qual determina que tal segregação só será possível quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar.”.  

E, em relação à liminar requerida, aduz que os “ora pacientes fazem jus à concessão da ordem de habeas corpus, inclusive em sede liminar, mesmo que nos autos houvesse indícios da existência do ilícito e da autoria atribuídos aos mesmos, não se podendo afirmar, apenas com base na modalidade do crime e na conduta, aliás, haver necessidade da cautelar, como já dissertado. Com efeito, não existem provas, nem fundamentação idônea, que indiquem a imprescindibilidade da prisão, estando, assim, aptos a aguardarem o fim da instrução em liberdade. Cabe destacar, ainda, que todas as testemunhas já foram ouvidas, não cabendo, de alguma forma, falar em temor com a liberdade dos pacientes. Nesse sentido, então, o pedido liminar é cabível, por se encontrar presente o fummus boni iuris, já que é plausível e razoável vislumbrarse, desde já, a violação do direito à liberdade de ir e vir deste. E, repita-se, violação não apenas por uma ilegalidade, mas sim por três distintas, tendo a autoridade coatora de piso não fundamentado devidamente a prisão preventiva, bem como ignorado as condições pessoais dos pacientes. Igualmente o periculum in mora se perfaz, tendo em vista que a continuidade dos pacientes no cárcere significa a extensão de sofrimento indevidamente imposto a ele. Cabe lembrar, nesse ponto, que a inocência é presumida e a prisão preventiva tem um caráter meramente processual, além de ser excepcional, não devendo, então, a liberdade de um indivíduo ser minada, sem fortes justificativas, posto que no processo penal a conduta abordada em eventual exordial acusatória é apenas uma hipótese que pode vir a ser confirmada ou não ao fim do trânsito em julgado. Desse modo, Excelência, resta cabível o pedido liminar, posto estarem presentes os requisitos que lhes autorizam, não havendo em se falar de confusão entre o pedido liminar e a análise de mérito, já que tal pedido se mostra como uma verdadeira tutela de urgência na proteção de um dos direitos fundamentais mais caros ao cidadão, tendo um caráter essencialmente provisório, enquanto o mérito se trata do provimento, tendencialmente definitivo, de uma ação autônoma de impugnação, a saber, o remédio heróico, o habeas corpus.”.  

Inicial instruída com documentos.

 

É o relatório. Decido.  

De início, deve ser ressaltado que o deferimento de liminar em sede de habeas corpus decorre de construção jurisprudencial, sendo admitida apenas e tão somente quando evidente o constrangimento apontado, atentatório ao estado de liberdade do paciente. Portanto, trata-se de situação excepcional, e que tutela a liberdade do direito de locomoção, diante de ato ilegal e arbitrário de autoridade. Nesse passo, e uma vez que o questionamento ora formulado é respeitante à prisão cautelar dos pacientes, dúvidas não subsistem que, ao menos em tese, há periculum in mora suficiente a justificar a imediata análise da tutela in limine requerida e que objetiva assegurar a liberdade do paciente. Resta, assim, contrapor os fundamentos do r. decisum a partir da argumentação defensiva elaborada na petição inicial, tudo em compasso com o caderno de provas trazido aos autos.  

Iniciando pelo flagrante delito ocorrido em 11.10.2018, verifica-se que a autoridade policial deu conta da captura de FLAVIO SOARES SANTOS CERRI e ANDERSON DA CUNHA FIGUEIREDO, na posse de uma pistola Glock, calibre .380 e numeração suprimida, uma pistola Taurus de calibre .40, bem como uma carabina Beretta, de calibre 9mm, além de um automóvel Hyundai HB20, placa LSG-3063 clonada (original LRQ3392), esse último objeto de roubo. Na oportunidade, com os pacientes foi encontrada diversas anotações referentes a cobrança de “taxas de segurança” da milícia privada que supostamente integram, além de coletes, equipamentos táticos e munição de fuzil. Concluindo a sua manifestação aduzindo que “a atuação policial se deu em hipótese clara de atuação em legítima defesa, já que os agentes se defenderam de uma tentativa de homicídio praticada pelo opositor falecido, fato que se subsume ao crime de homicídio, art. 121, “caput”, c/c 14, II, do Código Penal, figurando como vítimas os policiais civis e como autor o opositor – HOMICÍDIO DECORRENTE DE INTERVENÇÃO POLICIAL, n/f do art. 23, II do Código Penal; Considerando, portanto, não haver dúvida de que a conduta do capturado FLAVIO SOARES SANTOS CERRI se amolda aos crimes previstos nos arts. 180, “caput”, e 288-A, ambos do Código Penal, bem como no art. 16, “caput”, da Lei 10.826/03, ao passo que a conduta de ANDERSON CUNHA FIGUEIREDO se amolda aos crimes previstos no art. 288-A, do Código Penal, bem como no art. 16, “caput”, da Lei 10.826/03;”.  

Comunicado o flagrante à Justiça Ordinária local, em 12.10.2018, e representado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, houve por bem o d. juízo decretar a prisão preventiva na mesma data, ao fundamento de que “existem indícios de materialidade e autoria dos crimes previstos no art. 16 caput da lei 10.826/03 e 288-A do Cp em relação a ambos os custodiados, além do crime de receptação em relação a Flavio. Quem tem disposição para integrar uma milícia privada, com a quantidade de armas assim mencionados, inclusive com membros dispostos a pontar armas contra os policiais que efetuaram a prisão, são um risco a ordem pública, que justifica a decretação da prisão preventiva. A gravidade em concreto dos fatos narrados afasta a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares.”.

Dessas considerações, em juízo de cognição sumária, este Relator se convence de que os fundamentos vertidos na petição inicial do “writ” não se sobrepõem à prisão cautelar de FLAVIO SOARES SANTOS CERRI e ANDERSON CUNHA FIGUEIREDO, cujo decreto está concretamente fundamentado na garantia da ordem pública, dada a gravidade concreta dos delitos representados no flagrante delito. A concatenação de fatos e acontecimentos, a partir dos elementos de prova que intruíram a comunicação do flagrante, notadamente a busca e apreensão, relacionam diretamente os pacientes nos delitos investigados.  

E, em compasso com o processamento do feito originário, como narrado na peça vestibular e na ora decisão impugnada datada de 23.01.2018, “os respectivos autos tombados sob o número 024408810.2018.8.19.0001 foram distribuídos ao Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Santa Cruz, que, por decisão datada de 13/12/2018 (fl. 194 (Evento 02/Dec 15) , acolheu a promoção do Ministério Público Estadual de fls. 191/193, declinando de competência em favor da Justiça Federal, considerada a apreensão também de 58 (cinquenta e oito) maços de cigarro da marca GIFT, de origem paraguaia, conforme laudo de fls. 124/125, acrescentando o crime previsto no art. 334-A, § 1º, do CP, na conduta de ambos os investigados. O declínio de competência em favor da Justiça Federal abarcou todos os delitos praticados, tendo em vista a alegação de conexão entre as condutas, tendo afirmado o MPE que a conduta de contrabando estaria intimamente ligada aos demais delitos, e que seria uma das atividades típicas da milícia, devendo haver julgamento conjunto em razão da conexão probatória (art. 76, III, CPP).”. 

Acolhida a competência no referido decisum, pelo juízo da 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro foi mantida a prisão cautelar dos pacientes, sendo mais uma vez destacado que “se trata de supostos integrantes de milícia privada, presos com armas em situação em que houve, inclusive, confronto armado com a polícia civil, o que demonstra a gravidade e a periculosidade a justificar a manutenção da prisão preventiva.”. Sendo certo que a denúncia, oferecida em 31.01.2019 e que imputa a ANDERSON DA CUNHA FIGUEIREDO e FLAVIO SOARES SANTOS CERRI, respectivamente, as condutas típicas dos arts. 158, § 1º, 180, caput, 288-A, 334-A, § 1º, IV do Código Penal, em interpretação conjunta com o art. 15 da Lei 10.82603, foi recebida em 04.02.2019.  

Seguiu-se, assim, ao oferecimento das respostas à acusação, em 15.02.2019 e cumprimento de diligência relacionadas ao material apreendido com os réus, ora pacientes, tendo sido rechaçadas as teses defensivas alegadas, na forma do art. 396 do Código de Processo Penal, relativas à situações do art. 397 do mesmo diploma, em decisão datada de 12.03.2019; quando, então, se deu início à instrução criminal, audiência de instrução e julgamento designada para o dia 29.04.2019.

Contexto em que, sob a ótica do alegado excesso de prazo da prisão cautelar dos pacientes, se pode concluir, ao menos em juízo de cognição sumária, não ter havido qualquer demora injustificada a conotar patente constrangimento ilegal, em especial se se tiver em mente a complexidade dos fatos objeto da apuração.

O fato de ANDERSON DA CUNHA FIGUEIREDO e FLAVIO SOARES SANTOS CERRI serem possuírem trabalho e endereço certos, por si só, não afastam a possibilidade de decretação excepcional da prisão preventiva, uma vez demonstrados concretamente os seus requisitos, como no caso dos autos. Não sendo demais o registro de que a prisão cautelar foi recepcionada, porque compatível, pela novel ordem constitucional e as garantias individuais incertas no texto magno.

De todo o exposto, INDEFIRO A LIMINAR.  

I – Oficie-se a autoridade impetrada, para que preste as informações pertinentes no prazo legal.  

II – Com a vinda das informações, remetam-se os autos à Procuradoria Regional da República, para parecer.  

III – Por fim, voltem-me conclusos.

 

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