Inquérito policial. Sigilo de diligências frente ao investigado e seu defensor. Conclusão das diligências. Possibilidade de acesso ao procedimento investigatório.
Rel. Des. Néfi Cordeiro
Busca o impetrante afastar decisão judicial que lhe impediu acesso à ordem de prisão e aos documentos que a instruem, constantes da representação criminal nº 2007.70.02.002502-3. Narra que foi o impetrante preventivamente preso na mencionada representação criminal, em 08/05/07, tendo seu pleito de vistas dos autos condicionado pelo juiz ao cumprimento das demais medidas deferidas; que verbalmente foi informado ao impetrante que isto se daria apenas após cumpridos todos mandados de prisão, busca e apreensões e de seqüestro; que permanece a defesa sem ter acesso às razões e fundamentos da prisão do impetrante, ou mesmo à decisão que decretou tal medida. Sustenta seu direito de pleno acesso aos autos, inclusive para retirar fotocópias, atendendo aos constitucionais princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, além dos princípios do direito de ação e da proporcionalidade ou razoabilidade; que também o EOAB assegura o direito de acesso aos autos, não se podendo admitir a prisão sem conhecimento de seus fundamentos. Requer, inclusive por liminar, lhe seja garantido o acesso integral aos autos da representação criminal ou, ao menos, ao pedido e decisão de prisão. É o relato. D E C I D O. Com o cumprimento da prisão está atingido o mais relevante direito individual do investigado, sua liberdade, não podendo o conhecimento da decisão e das provas em que se embasada manterem-se sigilosos. O art. 5º da Constituição Federal determina que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem“. O inc. XV do art. 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906/94), por seu turno, dispõe ser direito dos advogados “ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais“. Inicialmente é necessário esclarecer que os procedimentos investigatórios são regidos pelo princípio inquisitório, não se lhes aplicando o princípio processual constitucional do contraditório. A ampla defesa também é exercida nessa fase com limitações, incidindo apenas quando violado direito individual. De outro lado, embora entenda a grande maioria da doutrina e jurisprudência que o sigilo é da natureza da representação criminal/inquérito policial, tal restrição é feita frente ao conhecimento popular e não ao investigado e seu procurador. Há direito de acesso aos autos de investigação criminal pelo advogado, conforme bem determinam o Estatuto da OAB e a Constituição Federal. Nesse sentido analisa Paulo Luiz Neto Lôbo: “Direito a exame de processos e documentos. Os incisos XIII a XVI, do artigo 7º, minudenciam as hipóteses mais comuns do direito de acesso e exame de inquéritos e processos judiciais ou administrativos findos ou em andamento e documentos, com ou sem procuração, nos órgãos públicos ou judiciários. A única restrição é quando estejam em regime de sigilo, previsto em lei. É a lei que estabelece, caso a caso, o regime de sigilo, para prevenir dano irreparável aos direitos, à imagem, à reputação, à intimidade das pessoas, como ocorre com os conflitos do status familiar. (in “Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB“, Paulo Luiz Neto Lôbo, co-edição Conselho Federal da OAB e Brasília Jurídica, Brasília-DF, 1994, pp. 55-56) - (grifei). Não obstante, a própria Constituição expressa a limitação ao interesse social - embora isso até não precisasse prever, pela interpretação de que nenhum direito constitucional é absoluto, pois sempre pendente de valoração ante a proporcionalidade dos demais direitos e institutos constitucionais - e de outro lado o Estatuto OAB tem a lei como limitação. Assim é que as leis de crime organizado e de interceptação telefônica, entre outras, previram a possibilidade de atos sigilosos mesmo aos investigados e seus procuradores, sempre quando a descoberta da diligência pudesse frustrar seus objetivos. Ocorre que o sigilo então será da diligência - inclusive autuada em apartado - e apenas enquanto esteja em ela em andamento. Concluída a diligência (de escuta telefônica, como é o caso presente), deve de imediato ser disponibilizado acesso aos investigados e seus advogados. Não é cabível manter indefinidamente os atingidos pela prova sem acesso a ela, a pretexto de que o conhecimento das provas colhidas prejudicaria novas investigações. Nesse sentido reiteradamente vem decidindo o Supremo Tribunal Federal e, mais recentemente, esta Corte Regional, manifestando o direito de acesso do indiciado e de seu advogado aos autos de investigação criminal, como garantia da publicidade dos atos processuais e especialmente pela plenitude do exercício do direito de defesa - que quando atingido direito individual deve ser assegurado inclusive na fase do inquérito policial. Não seria admissível que medidas restritivas a direitos dos cidadãos (prisão, seqüestro de bens, invasão de domicílio para busca e apreensão, violação dos sigilos constitucional ou legalmente protegidos...) fossem baseadas em investigações cujo segredo se mantenha. Seria a odiosa e inaceitável situação de prender (usando como exemplo a restrição mais gravosa) por crimes investigados, mas cujas investigações não podem os presos conhecer e atacar - prender-se e não se permitir conhecer o porquê! Nesse sentido vem decidindo esta Turma: PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO DE DILIGÊNCIAS FRENTE AO INVESTIGADO. CONCLUSÃO DA DILIGÊNCIA SIGILOSA. POSSIBILIDADE DE ACESSO AO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. 1. A constitucional publicidade dos atos processuais e o direito de acesso indispensável ao exercício da advocacia encontram limites na proteção social, nos estritos limites das hipóteses legais e enquanto a descoberta da diligência pudesse frustrar seus objetivos. Precedentes. 2. Não podem ser admitidas medidas restritivas a direitos dos cidadãos (prisão, seqüestro de bens, invasão de domicílio para busca e apreensão, violação dos sigilos constitucional ou legalmente protegidos...) baseadas em investigações cujo segredo se mantenha. 3. Sempre terão o investigado e seu advogado acesso aos autos de inquérito policial e, uma vez concluída a diligência sigilosa, mesmo a ela será então permitido acesso imediato dos investigados, não existindo direito ao Estado de vedar tal acesso pelo interesse de continuidade em novas diligências investigatórias. 4. Segurança concedida. (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.04.01.033233-7/PR, em que fui Relator) Em síntese, podem até ocorrer diligências sigilosas frente aos investigados, nas hipóteses legais e mediante especial justificativa judicial, mas isto apenas enquanto realizada sua execução e somente quando o conhecimento dos investigados possa prejudicar seu desenvolvimento. Para isso inclusive deve a diligência ser autuada em apartado enquanto se desenvolve, permitindo-se aos investigados o acesso pleno ao inquérito policial. Concluída a diligência, mesmo ela passa a ser de acesso aos investigados. Dessa forma, ainda que não integralmente cumpridas as diligências judiciais determinadas, já houve clara e grave restrição a direito individual, com o bloqueio de contas bancárias do impetrante, devendo desde logo ser garantido a ele acesso integral ao procedimento cautelar. Eventuais diligências em andamento ou com conseqüências necessariamente sigilosas para o desenvolvimento das investigações, deverão ser mantidas em apartado do procedimento principal enquanto não concluídas e enquanto também não atingirem direitos dos investigados. Defiro, pois, a liminar pleiteada, para permitir ao impetrante e seus advogados o acesso integral aos autos da representação criminal nº 2007.70.02.002502-3, com direito de vista e de fotocópias. Oficie-se solicitando as informações. Após, dê-se vista ao douto órgão do MPF. Intimem-se. Porto Alegre, 14 de maio de 2007.
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