Pedido de restituição de veículo apreendido. Indeferimento. Decisão judicial de natureza definitiva. Utilização do mandado de segurança como sucedâneo de recurso previsto em lei. Impossibilidade. Decisão que desafia recurso de apelação.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de mandado de segurança, com pretensão liminar, impetrado por GRACIANE ASCANIO DOS SANTOS, contra ato do MM. Juiz Substituto da Vara Federal e JEF Criminal de Bento Gonçalves/RS, que indeferiu pedido de restituição de veículo apreendido. Conforme se depreende dos autos, na data de 25.05.2007, foi efetuada a prisão em flagrante de Odair Antônio Brum, pela prática, em tese, dos delitos tipificados nos artigos 180, 297 e 334, § 1º, 'c', todos do Código Penal, além do ilícito previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, sendo posteriormente denunciado nos autos da ação penal nº 2007.71.13.001544-0/RS (em fase de oitiva de testemunhas). Quando da prisão de Odair, dentre outros objetos, foi apreendido o veículo GM/Ômega, placas MBH-7329. Em 19.09.2007, Graciane Ascanio solicitou fosse restituído o bem (fls. 11-16) tendo o ilustre julgador singular, acatando manifestação do Ministério Público, indeferido o pleito (fl. 22). Face a tanto, foi ajuizado o presente mandamus. Sustenta a Impetrante, em suma, ser a legítima proprietária do veículo, tendo-o adquirido na data de 24.05.2007, ou seja, no dia anterior à prisão de Odair, segundo 'Autorização para Transferência' acostada aos autos. Aduz ter efetuado a negociação de boa-fé, devendo, assim, ser-lhe restituído o referido automóvel, ao menos na condição de fiel depositária. Ab initio, insta registar que, nos termos do artigo 5º, inc. II, da Lei nº 1.533/51, não se dará mandado de segurança “de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição“. Esse comando legal restou corroborado pela Súmula nº 267 do STF, dispondo que “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição“. Por outro lado, está consolidado na doutrina e jurisprudência pátria que a via processual adequada para atacar decisão denegatória de restituição de bens apreendidos é a apelação, nos moldes previsto no artigo 593, inc. II, do Estatuto Penal Adjetivo. Segundo leciona Fernando da Costa Tourinho Filho (Código de Processo Penal Comentado, 4ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1999, p. 306) “se o Juiz julga o pedido de restituição de coisa apreendida (art. 120, § 1º, do CPP), se ordena, ou não, o seqüestro (art. 127 do CPP), se autoriza, ou não, o levantamento do seqüestro (art. 131 do CPP), se acolhe, ou não, o pedido de especialização e inscrição de hipoteca legal ou de arresto (arts. 134, 135, 136 e 137, todos do CPP), (...), em todos esses casos, o remédio é a apelação supletiva de que trata o art. 593, II“. Júlio Fabbrini Mirabete (Processo Penal, 10ª edição, Editora Atlas, São Paulo, 2000, p. 235) por sua vez, consigna que “o remédio cabível da decisão que indefere pedido de restituição de coisa apreendida é o recurso de apelação“. Logo, mostra-se incabível a utilização da via mandamental para tal desiderato, pois há recurso específico previsto na legislação processual penal. A propósito, vejam-se as ementas dos seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRESSUPOSTO OBJETIVO RECURSAL. FALTA DE CABIMENTO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE ARMAS. INDEFERIMENTO. DECISÃO JUDICIAL DE NATUREZA DEFINITIVA. UTILIZAÇÃO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO PREVISTO EM LEI. DECISÃO QUE DESAFIA RECURSO DE APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 267 DO STF. 1. A decisão judicial que resolve questão incidental de restituição de coisa apreendida tem natureza definitiva (decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito) sujeitando-se, assim, ao reexame da matéria por meio de recurso de apelação, nos termos do art. 593, inc. II, do CPP. 2. O mandado de segurança não é sucedâneo de recurso, sendo imprópria a sua impetração contra decisão judicial passível de recurso de apelação, consoante o disposto na Súmula nº 267 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STJ. (STJ, Segunda Turma, ROMS nº 14288/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, public. no DJU de 26.08.2002, p. 188). PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO CABIMENTO. 1. Somente se apresenta juridicamente possível a impetração de mandado de segurança contra ato judicial, nos casos teratológicos, de flagrante ilegalidade, ou abuso de poder, em que ocorra violação de direito líquido e certo do impetrante. 2. O cabimento de mandado de segurança contra ato judicial condiciona-se à inexistência de recurso específico previsto nas leis processuais apto a impedir a ilegalidade eventualmente apontada (art. 5º, inciso II, da Lei nº 1.533/51). 3. O Código de Processo Penal prevê procedimento específico para a restituição de coisas apreendidas e recurso próprio para a hipótese de indeferimento do pedido, qual seja, apelação (art. 593, inciso II). 4. Não cabimento do mandado de segurança. 5. Processo extinto sem julgamento do mérito. (TRF da 1ª Região, Segunda Seção, Mandado de Segurança nº 2002.01.00.033361-0, Rel. Des. Ítalo Fioravanti Sabo Mendes, public. no DJU de 18.12.2003, p. 2). APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO. RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS EM DILIGÊNCIA POLICIAL. 1. Não cabe mandado de segurança para obter a restituição de coisa apreendida em procedimento criminal, porquanto o legislador criou um procedimento especial para a liberação desses objetos (artigo 118 do CPP). 2. Processo extinto sem julgamento do mérito. (TRF da 4ª Região, Sétima Turma, Apelação em Mandado de Segurança nº 2002.72.00.005283-0/SC, Rel. Des. José Luiz Borges Germano da Silva, public. no DJU de 20.08.2003, p. 796). Não se pode olvidar que, nos casos em que a decisão impugnada for teratológica ou se verificar manifesta ilegalidade, poder-se-ia, em tese, admitir o writ. Entretanto, essa não é a situação dos autos, porquanto a manifestação ministerial - acatada pelo decisum monocrático - traz fundamentação razoável no sentido de que deve ser mantida, por ora, a apreensão do veículo, verbis: “(...) Primeiramente, há que se destacar que existem controvérsias acerca da propriedade do aludido bem. Com efeito, a despeito de a requerente sustentar figurar na condição de 'adquirente' do veículo com base no documento da fl. 110, não se permite concluir que seja, efetivamente, a proprietária do aludido bem, vez que tal documento presta-se, tão-somente, a autorizar a respectiva transferência do automóvel pelo DETRAN, cabendo ao comprador, na seqüência, providenciar o registro da efetiva transferência do veículo para o seu nome. Outrossim, ao se analisar as informações constantes no certificado de registro acostado à fl. 110, tem-se que, em princípio, o veículo pertenceria a Loini Muller, de sorte que, se eventualmente confirmada tal hipótese, a requerente estaria a postular, em nome próprio, direito alheio, o que se encontra vedado pelo ordenamento processual vigente, excepcionalizadas as hipóteses de legitimação extraordinária (arts. 6°, caput, CPC e 119, in fine, CPP). Nesse compasso, considerando que ainda existem dúvidas acerca da verdadeira propriedade do veículo, não se mostra o presente incidente meio idôneo a operacionalizar a pretensão veiculada pela requerente, vez que tal forma procedimental não abarca a possibilidade de ampla dilação probatória. Por fim, urge salientar que, mesmo naquelas hipóteses em que reste devidamente comprovada a titularidade de terceiro de boa-fé sobre o bem apreendido, não se afigura admissível sua restituição enquanto o mesmo revelar-se útil ao deslinde do processo. (...). A restituição de coisas e objetos apreendidos em razão da prática da infração penal, na condição de elementos do conjunto de vestígios encontrados no cenário criminoso, deve estar pautada, numa primeira análise, na sua imprescindibilidade para a formação do quadro probatório do procedimento de investigação e para a formação da opinio delicti e do convencimento judicial, estes últimos já em sede de persecutio criminis in juditio (art. 118, CPP). (...). No caso dos autos, além de não restar evidenciada a propriedade do veículo, inexistem informações firmes no sentido de que o bem apreendido não tenha sido preparado para a suposta prática do crime, de sorte que a coisa guarda interesse probatório para o processo, razões pelas quais, por ora, existe obstáculo legal à sua devolução.“ A par disso, segundo consulta ao sistema processual da Justiça Federal, constata-se que a Impetrante não interpôs apelo contra a decisão atacada. Assim, depreende-se que Graciane busca utilizar o presente mandamus como meio substitutivo da via recursal cujo prazo para ajuizamento deixou transcorrer in albis. Logo, não se encontram presentes os requisitos de admissibilidade desta ação mandamental. Registre-se, por fim, que a decisão proferida pelo julgador monocrático não é definitiva, já que, ao proferir a sentença nos autos da ação penal, o Magistrado decidirá sobre o perdimento do bem em favor da União (art. 91 do CP) ou sua restituição ao legítimo proprietário. Ante o exposto, com fundamento no artigo 8º da Lei nº 1.533/51, c/c o art. 165 do Regimento Interno deste Tribunal, indefiro a inicial do mandamus, por manifestamente incabível. Intimem-se. Publique-se. Após, arquivem-se os autos. Porto Alegre, 08 de novembro de 2007.
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