APELAÇÃO CRIMINAL N. 2008.34.00.011919-9/DF

RELATOR: DESEMBARGADOR PABLO ZUNIGA DOURADO -  

APELAÇÃO CRIMINAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS INFORMATIZADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. MAJORAÇÃO DA PENA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I. Apelações interpostas pelos réus Antônio Pereira da Silva e Maria do Rosário de Fátima Sousa da sentença pela qual o Juízo: (i) absolveu os réus Lourismar Gonçalves Lima, Antônio Alves de Souza Filho, Francisco Felício da Silva e Martins Ferreira da Cunha da imputação da prática do crime de estelionato qualificado (previdenciário) [CP, Art. 171, § 3º], reconhecendo “não existir prova suficiente para a condenação” (CPP, Art. 386, VII); (ii) condenou Maria do Rosário pela prática do crime de inserção de dados falsos nos sistemas informatizados da Administração Pública, em continuidade delitiva (CP, Art. 313-A, Art. 29, Art. 30 e Art. 71), a 4 anos e 1 mês, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de multa fixada em 17 diasmulta à razão de 1/20 do salário mínimo vigente na data dos fatos; (iii) condenou Antônio Pereira pela prática do crime de inserção de dados falsos nos sistemas informatizados da Administração Pública, em continuidade delitiva (CP, Art. 313-A e Art. 71), a 4 anos, 3 meses e 10 dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de multa fixada em 23 dias-multa à razão de 1/20 do salário mínimo vigente na data dos fatos. Denúncia recebida em 05/05/2008. Sentença prolatada em 29/04/2014.  II. (A) Antônio Pereira requer: (i) o reconhecimento da existência de continuidade delitiva com reunião deste processo aos demais a que ele responde, mediante o reconhecimento da conexão probatória e a remessa dos autos ao Juízo prevento; (ii) a absolvição com fulcro na insuficiência probatória (CPP, Art. 386, VII) ou na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (CPP, Art. 386, VI), diante do erro de tipo (CP, Art. 20); (iii) o reconhecimento da consunção e a desclassificação para o crime de estelionato qualificado (CP, Art. 171, § 3º); (iv) a redução das penas para o mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade. (B) Maria do Rosário requer: (i) o reconhecimento da continuidade delitiva (CP, Art. 71), com a reunião dos processos e a sua remessa ao Juízo prevento; (ii) a desclassificação do crime de inserção de dados falsos em sistemas informatizados (CP, Art. 313-A) para o crime de falsidade ideológica (CP, Art. 299); (iii) a redução das penas para o mínimo legal; (iv) a redução da quantidade de dias-multa em consideração à situação econômica dela. (C) Parecer da PRR1 pelo não provimento dos recursos. III. Apelações dos réus Antônio Pereira e Maria do Rosário. Preliminares de reunião dos processos em virtude da continuidade delitiva. Improcedência. (A) Nos termos da Súmula 235 do STJ, “[a] conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.” Hipótese em que a presente ação penal já foi julgada, ficando prejudicada a reunião dela com as demais ações às quais respondem os réus. (B) Por outro lado, a continuidade delitiva (CP, Art. 71) pode ser reconhecida na fase de execução da eventual sentença penal condenatória. Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal [LEP]), Art. 66, inciso III, alínea a. (TRF 1ª Região, ACR 584076.2003.4.01.3700/MA; RSE 26263-13.2010.4.01.3700/MA; CC 2778724.2009.4.01.0000/MT; STF, RvC 4794.) Hipótese em que que os fatos descritos na denúncia em causa dizem respeito apenas aos benefícios referidos nestes autos. Consequente inexistência de bis in idem. (C) Ademais, é evidente a ausência de conexão entre os benefícios indevidos referidos nestes autos e os benefícios indevidos concedidos a terceiros. As provas documentais são individuais, e, assim, inexiste ponto de contato entre as provas documentais constantes destes autos e as provas documentais existentes nas demais ações penais envolvendo esses réus. CPP, Art. 76. (D) “Compete ao juízo das execuções criminais analisar a configuração, ou não, de crime continuado relativo a processos diversos, para fins de unificação de pena, consoante dispõe o art. 66, III, alínea ‘a’, da Lei n. 7.210/84.” (TRF1, ACR 2009.34.00.019411-1/DF; TRF1, ACR 0001643-95.2009.4.01.3400/DF; ACR 0043615-11.2010.4.01.3400/DF. [Casos envolvendo Maria do Rosário e servidor do INSS.]) (E) Preliminares rejeitadas. IV. Apelação de Antônio Pereira. (A) Pretensão à absorção do crime de estelionato pelo de inserção de dados falsos em sistema informatizado. Improcedência. (B) A conduta do funcionário autorizado que insere dados falsos nos sistemas informatizados da Administração caracteriza o crime descrito no Art. 313-A do CP, e, não, o de estelionato. CP, Art. 171. V. Apelação de Maria do Rosário. Desclassificação do crime de inserção de dados falsos em sistemas informatizados (CP, Art. 313-A) para o crime de falsidade ideológica, CP, Art. 299. Improcedência. (A) Hipótese em que Maria do Rosário tinha conhecimento da condição funcional do acusado Antônio Pereira de “funcionário autorizado”. CP, Art. 313-A. (B) Em virtude da norma de extensão (CP, Art. 30) e da adoção pelo CP da teoria monista (CP, Art. 29), Maria do Rosário responde pelo crime de inserção de dados falsos no sistema informatizado. CP, Art. 313-A. VI. Apelação de Antônio Pereira. (A) Absolvição com fulcro na insuficiência probatória (CPP, Art. 386, VII) ou na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, diante do erro de tipo (CP, Art. 20). Improcedência. Presença do elemento subjetivo do tipo. As provas contidas nos autos, vistas de forma conjunta e analisadas de forma criteriosa e crítica pelo Juízo, são suficientes para fundamentar a conclusão respectiva. VII. Apelações de Maria do Rosário e de Antônio Pereira. Fixação da pena. (A) Consequências do crime. Prejuízo causado à Previdência Social. (STF, RHC 83718/SC; HC 89223/RJ; HC 81301/RJ; HC 72198/PR.) Exasperação da pena. Legitimidade. Hipótese em que o dano causado aos cofres públicos foi da ordem de R$ 66.857,87. Embora o dano aos cofres públicos constitua elemento do tipo penal, revelado na expressão “com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano” (CP, Art. 313-A), “o dano material [...] causado ao bem jurídico tutelado se revel[ou] superior ao inerente ao tipo penal.” (STJ, HC 388.549/SP; HC 345.409/MG.) Majoração da pena em 6 meses de reclusão para cada um dos acusados. Legitimidade. (B) Maria do Rosário. Culpabilidade. Hipótese em que o Juízo concluiu que “[a] culpabilidade [...] foi significativa. A censurabilidade de sua conduta excede à própria do tipo porquanto foi responsável por toda a articulação da prática ilícita, mediante a arregimentação dos beneficiários, a confecção da documentação fraudulenta e o encaminha[mento] da documentação ao INSS.” Fundamento idôneo. Na realidade, o legislador erigiu em circunstância agravante a conduta daquele que “promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”. CP, Art. 62, I. (C) Antônio Pereira. Majoração da pena-base de Antônio sob o fundamento de que ele “se valeu de sua condição de funcionário público, com amplo acesso aos dados e conhecedor dos procedimentos para habilitação e concessão dos benefícios”. Fundamento inerente à condição de funcionário público encarregado de analisar pedidos de benefícios previdenciários. Os elementos integrantes da definição legal do delito são inidôneos à majoração da pena-base. Assim, “não pode a reprimenda ser estabelecida acima do mínimo legal com supedâneo em integrantes do próprio tipo penal.” (STJ, HC 108989/PR; HC 394.149/SP; TRF1, ACR 00062866619994013200; ACR 00021149520104013200.) (D) Antônio Pereira e Maria do Rosário. Personalidade valorada negativamente com fundamento em procedimentos criminais sem trânsito em julgado da condenação. Inadmissibilidade. STJ, Súmula 444. (E) Consequente redução proporcional das penas. VIII. Apelações de Maria do Rosário e de Antônio Pereira providas em parte. 

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