Apelação Criminal N. 239449.2005.4.01.4200/rr

Penal e processual penal - peculato - formação de quadrilha - arts. 312, Caput, e 288 do código penal - recursos provenientes de convênios firmados com a união, desviados para conta-corrente do estado de roraima, movimentada por empresa privada, para pagamento de vencimentos a supostos servidores públicos - procurações outorgadas pelos fictícios servidores, para recebimento de vencimentos, os quais não eram integralmente repassados aos pretensos titulares - delitos perpetrados no âmbito da secretaria de administração do estado e no der/rr – competência da justiça federal - preliminar rejeitada - inépcia da denúncia - Imprestabilidade dos laudos elaborados pela polícia federal – documentos Idôneos - desnecessidade de outras provas - princípio da livre convicção do magistrado - materialidade comprovada, pelas procurações, recibos e laudos periciais do instituto de criminalística da polícia federal - depoimentos dos supostos servidores, que sequer sabiam que constavam em folha de pagamento do estado ou do der/rr – possibilidade de utilização de depoimentos de co-denunciados - depoimentos prestados na fase policial corroboradas por provas produzidas em juízo – demonstração de dano ao erário - art. 29 do cp - responsabilidade penal - não configuração do crime de quadrilha - inexistência de comprovação do animus associativo - continuidade delitiva - art. 71 do código penal - Regime de cumprimento de pena - art. 33, § 2º, b, do código penal – substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos – impossibilidade - art. 44, i, do código penal - perda do cargo público – necessidade de fundamentação específica - art. 92, parágrafo único, do código penal - apelação parcialmente provida. I - Compete à Justiça Federal o processo e o julgamento de Ação Penal cujos delitos referem-se a desvio de recursos relativos a convênios, firmados entre o Estado de Roraima e a União - consoante destacaram a denúncia e os Laudos de Exame Econômico-Financeiro, elaborados pela Polícia Federal -, indevidamente transferidos para a conta corrente do Governo do Estado de Roraima, livremente movimentada por empresa privada, para pagamento de servidores fictícios, incluídos em folha, cujo recebimento se fazia mediante procuração outorgada pelos supostos servidores, com repasse total ou parcial dos recursos recebidos, à autoridade que os indicava para inclusão em folha de pagamento. Preliminar de incompetência rejeitada. II - A denúncia deve apresentar a narrativa dos fatos criminosos e as suas circunstâncias, de modo a permitir o exercício da defesa pelos acusados. Na espécie, sem ser extremamente detalhada, a denúncia evidencia a participação das rés no delito, reservando-se, porém, a melhor averiguação das condutas para o curso da instrução criminal. Preliminar de inépcia de denúncia rejeitada. III - Não se declara a litispendência, em virtude da existência de mais de uma ação penal, se os bens jurídicos tutelados pelos tipos penais, capitulados, nas respectivas denúncias, são distintos, apesar de com fundamento nos mesmos fatos. IV - O peculato, previsto no art. 312 do Código Penal, tem como sujeito ativo do crime o servidor público, em razão do exercício do cargo. No entanto, nos termos do art. 30 do Código Penal, a condição de funcionário público - definida no art. 327 do mesmo Código Penal - integrante do tipo penal, por expressa disposição legal, transmite-se a todos os coautores do delito, desde que cientes da condição pessoal do autor. V - De acordo com orientação do Supremo Tribunal Federal, é viável a denúncia se há “presença reconhecida de indícios de que o parlamentar, com o auxílio do irmão, desviou, em proveito próprio, parte da remuneração de assessores parlamentares, o que configura, em tese, o crime de peculato, positivado no art. 312, § 1º do Código Penal“ (Inq. 2312, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, unânime, DJe-237 de 18/12/2009). VI - Materialidade do delito do art. 312 do Código Penal comprovada, principalmente diante das procurações e recibos constantes dos Apensos e dos Laudos de Exame Econômico-Financeiro do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, dando conta que verbas federais, provenientes de convênios com a União, foram transferidas para a conta corrente do Estado de Roraima - livremente movimentada por empresa privada - e indevidamente utilizadas no pagamento de vencimentos a pessoas que, por vezes - consoante se constata dos depoimentos dos próprios servidores “fantasma“ -, sequer sabiam que faziam parte da folha de pagamento do Governo do Estado de Roraima ou do DER/RR, ou ao menos trabalhavam para órgãos públicos estaduais. VII - A responsabilidade de gestão de verbas federais, repassadas ao Estado, em primeiro plano cabe ao Governador, que tem o dever legal de prestar contas ao TCU da sua utilização, nos estreitos limites da finalidade do respectivo convênio celebrado com a União. De outro modo, os diretores de órgãos governamentais - entre os quais a Secretaria de Administração e o Departamento de Estradas de Rodagem -, também têm atribuições legais de bem gerir as folhas de pagamento, prezando pela lisura dos procedimentos, das contratações de pessoal e do pagamento das respectivas remunerações aos servidores adequadamente nomeados e empossados. VIII - As rés, servidoras da Assembléia Legislativa do Estado de Roraima, beneficiaram seu chefe, o então Deputado Estadual Herbson, com as facilidades decorrentes da proximidade com os detentores de responsabilidades públicas, para desviar vultosos recursos, que deveriam ser empregados nos objetos estabelecidos nos convênios. IX - Ocorrência de dano ao Erário evidenciado pelos laudos periciais da Polícia Federal. A ausência de demonstração dos exatos valores referentes a esse dano causado à Administração não exclui a culpabilidade pelo crime de peculato, eis que a reparação integral do dano somente extingue a punibilidade na hipótese de peculato culposo (art. 312, § 3º, CP), o que não é o caso dos autos. X - Autoria e materialidade do peculato demonstradas nos autos. XI - Não configuração do vínculo associativo permanente e estável das rés com outras pessoas, com o fim de praticar reiteradamente crimes. Inocorrência do delito do art. 288 do Código Penal. Absolvição das rés. XII - Condenação das rés, como incursa nas sanções do art. 312 do Código Penal, mantida, absolvendo-as, contudo, da imputação tipificada no art. 288 do Código Penal. XIII - Aumento de pena, em face da continuidade delitiva, prevista no art. 71 do Código Penal, eis que as condutas das rés perpetraram-se mensalmente, por diversas vezes. XIV - Regime inicialmente semi-aberto para cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal. XV - “A perda do cargo, como efeito da condenação, exige fundamentação específica (art. 92, parágrafo único, do Código Penal)“ (STJ, HC 50525/MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJU de 22/10/2007, p. 319). Com fundamento nos pressupostos legais ou das circunstâncias objetivas para a decretação da perda do cargo, o Magistrado destacou expressamente à inconveniência da permanência das condenadas na esfera da Administração Pública, razão pela qual deve ser mantida a perda do cargo ou função pública das rés. XVI - Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida.

Rel. Des. Assusete Magalhães

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