HABEAS CORPUS N. 0032726-66.2017.4.01.0000/MA

RELATOR: DESEMBARGADOR BRUNO CÉSAR BANDEIRA APOLINÁRIO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO. ESTELIONATO (ART.171, §3º, DO CP). IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO OCASIONADA PELA INDEVIDA EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.   1. O recurso cabível na espécie seria a apelação, que proporciona ampla oportunidade para o contraditório e a valoração de todo o conjunto probatório colhido durante a instrução criminal, procedimento este incompatível com o rito célere do habeas corpus. O caso, portanto, seria de não conhecimento liminar da impetração.  2. Contudo, em casos excepcionais, de flagrante ilegalidade, os tribunais têm admitido o deferimento da ordem de habeas corpus de ofício, sobretudo, quando o recurso cabível não se revele adequado ou eficaz para afastar com prontidão o constrangimento eventualmente existente. Não obstante o presente habeas corpus tenha sido impetrado depois de certificada a intempestividade do recurso próprio, o STJ tem considerado possível o exame de ofício da matéria, desde que demonstrada a presença de ilegalidade flagrante3. Busca-se, na presente oportunidade, o reconhecimento de constrangimento ilegal na exasperação da penabase, o que teria ocasionado injusta elevação da pena aplicada e consequente impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e, em última análise, o injusto cerceamento da liberdade do paciente.  3. Em obediência aos ditames do art. 59 do Código Penal e do art. 93, IX, da Constituição Federal, a fixação da pena base deve ser fundamentada de forma concreta, idônea e individualizada, não sendo suficientes referências a conceitos vagos e genéricos, máxime quando ínsitos ao próprio tipo penal.   4. Depreende-se do decreto condenatório terem sido negativamente valorados os vetores culpabilidade, personalidade, circunstâncias e consequências do crime.  5. Para fins de individualização da pena, a culpabilidade deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, a maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpa, para que se possa concluir pela prática ou não do delito.   6. Trata-se aqui da culpabilidade em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. A culpabilidade em sentido estrito já foi analisada para compor a existência do delito (onde, além da reprovação social, analisaram-se a imputabilidade, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito). Entretanto, volta o legislador a exigir do juiz a avaliação da censura que o crime merece – o que, aliás, demonstra que esse juízo não incide somente sobre o autor, mas também sobre o crime que ele cometeu – justamente par norteá-lo na fixação da sanção penal merecida.   7. No caso, o Julgador de 1º grau afirmou que o fato de o acusado, ora paciente, haver atentado contra o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador confere maior reprovabilidade à sua conduta, por minguar recursos que seriam destinados à realização de políticas públicas.   8. Tal circunstância, todavia, não permite a exasperação da pena base sob o título de culpabilidade, porque a circunstância de o crime ter sido praticado contra o FAT que se insere no conceito de entidade de direito público, já é elementar do tipo pelo qual o paciente foi condenado (estelionato qualificado), o qual prevê um aumento definido por uma cota única (um terço), que inclusive foi considerada.   9. Os recursos de uma infinidade de outras entidades públicas também são destinados a políticas públicas e, por esse aspecto, não se verifica excepcionalidade a justificar a exasperação da pena por ter sido o crime cometido contra o FAT.  10. Em relação à personalidade e à exasperação da pena por esse fundamento, o juízo desfavorável quanto à personalidade do paciente, resultou da circunstância de haver nos autos um Exame Documentoscópico que atestaria que ele, utilizando outro nome, já havia efetuado vários saques de seguro-desemprego, daí a conclusão de que sua personalidade seria voltada à prática de delitos dessa natureza. O referido Exame Documentoscópico a que se refere o magistrado foi extraído de outra ação penal, a de número 20083700000852-9, que tramitava no mesmo juízo.   11. Ocorre que ações penais em andamento não se prestam a majorar a reprimenda, seja a título de maus antecedentes, conduta social negativa ou personalidade voltada para o crime, em respeito ao princípio da presunção de não culpabilidade. Ora, assim como ações penais em curso não se prestam a majorar a reprimenda, provas retiradas desses autos também não se prestam a tal desiderato, em homenagem ao princípio da presunção de inocência. Com muito mais razão, conclusões retiradas do relato do corréu do próprio processo em que se investiga o paciente também não se prestam a tal fim.  12. Portanto, como o juízo desfavorável da personalidade do paciente baseou-se, exclusivamente, em provas produzidas em processo ainda em curso e em depoimento do corréu do processo ora sob investigação, à luz da Súmula 444 do STJ, não se pode ter tal circunstância como incremento judicial da pena.  13. No que se refere ao vetor circunstância do crime, o magistrado considerou que o fato de ter sido o réu, ora paciente, o autor da falsificação da CTPS utilizada pelo corréu para receber indevidamente o valor do seguro-desemprego confere maior gravidade à sua conduta, à consideração de que sem essa falsificação a fraude não teria ocorrido. Nota-se, nesse ponto, ausência de fundamentação concreta para a incidência da exasperação, pois a tese de que o delito não teria ocorrido se o paciente não tivesse falsificado a CTPS do corréu constitui mera presunção, além do que desarrazoada a conclusão, pois nada impediria que terceira pessoa tivesse falsificado o documento e proporcionado a prática do delito. Além do mais, a fraude, no caso, não importando por quem praticada, é elementar do crime e, portanto, nãopode servir para exasperar a pena em qualquer das consideradas circunstâncias judiciais.  14. Por fim, o magistrado de origem não arrolou elementos concretos que justificassem o acréscimo da pena-base relativamente às consequências do crime, pois a pura e simples ausência do ressarcimento do prejuízo é resultado intrínseco aos delitos de cunho patrimonial. O prejuízo causado à vítima é inerente ao estelionato, crime de natureza patrimonial, motivo pelo qual, ausente qualquer elemento que demonstre a sua excepcionalidade no caso concreto, não pode figurar como circunstância judicial negativa.  15. Portanto, existem fundamentos suficientes para deferimento da ordem de ofício, pois, não havendo circunstâncias judiciais que justifiquem a exasperação, a pena base deverá ser fixada em no mínimo legal (1 ano).   16. Por outro lado, ante a agravante genérica prevista no art. 62, I, do CP, acrescese à pena base obtida 1/6, passando a reprimenda a 1 (um) ano e 2 (dois) meses. Somando-se, ainda, o acréscimo de 1/3 previsto no §3º do art. 171, a reprimenda passa a 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. Portanto, abaixo de 4 (quatro) anos. Proporcionalmente, a pena de multa passa a 14 (quatorze) dias multa, obedecido o valor fixado na sentença (1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do crime).  17. O regime inicial de cumprimento de pena privativa de liberdade, considerada a pena aplicada e a ausência de recurso por parte da acusação, seria o aberto, nos termos do art. 33, §2º, c, do CP. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos alinhados no art. 44 do CP, a pena privativa de liberdade imposta ao paciente seria substituída por duas restritivas de direito (art. 44, §2º, do CP), a serem definidas pelo Juízo da Execução, permanecendo inalterada a pena de multa.   18. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar a pena em 1 ano, 6 meses e vinte dias de reclusão, que deverá ser substituída por duas restritivas de direito (art. 44, §2º, do CP), a serem definidas pelo Juízo da Execução, cassando em consequência, o mandado de prisão expedido contra o paciente.

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