HABEAS CORPUS N. 0070111-82.2016.4.01.0000/BA

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO -  

Processo penal. Ordem de habeas corpus. Crime da lei de licitações. Artigo 90 da lei 8.666/93. Alegada ausência de justa causa. Não comprovação. Trancamento da ação penal. Medida excepcional. Inocorrência das hipóteses autorizadoras da concessão. Elaboração de parecer em certame licitatório. Teoria da "cegueira deliberada". Aplicabilidade. Relação de causalidade e liame subjetivo. Presença. Necessidade da persecução criminal. Pedido de intervenção no feito pelo conselho federal da oab. Deferimento. Ordem denegada.  1. A OAB, através de seu Conselho Federal, deseja auxiliar na defesa do ora paciente. Não obstante a ausência de previsão legal, mas reconhecendo-se a constitucionalidade do tema e o nítido interessa da precitada entidade, afigura-se possível sua intervenção no presente feito, na qualidade de assistente da parte.  2. O trancamento da ação penal é medida excepcional que só se justifica quando há manifesta atipicidade da conduta, presença de causa de extinção da punibilidade do acusado ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, evidenciando constrangimento ilegal.  3. A suspensão do inquérito policial ou trancamento de ação penal pela via do habeas corpus somente é autorizado na evidência de uma situação de excepcionalidade, vista como "a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas" (STF, HC 110.698).  4. In casu, o indiciado, ora paciente, foi denunciado por ter, supostamente, incorrido no delito previsto no art. 90, da Lei 8.666/93. A denúncia atribui ao inculpado, ora paciente, a reprovável conduta de ter aderido "subjetivamente à frustração do caráter competitivo do certame, motivo pelo qual deve ser responsabilizado, na medida de sua participação", e que sua postura conivente se amolda à Teoria da Cegueira Deliberada, "porquanto importou no estabelecimento consciente e voluntário de obstáculo para esquivar-se do aprofundamento da análise dos ilícitos, colocando-se numa posição de ignorância e, consequentemente, alegar desconhecimento como meio de defesa diante de eventual persecução criminal".  5. O deslinde do caso presente não se encontra no plano da aplicação pura e simples das normas de Direito. O só fato de o imputado responder pela função de parecerista ou de causídico ou ter procuração nos autos, a fim de exercer seu ofício profissional não cria para ele, enquanto advogado, imunidade o bastante para não se submeter ou não ser, eventualmente, por quaisquer condutas, acusado de ter participado, com seus pareceres ou com seus atos profissionais, de algum dos crimes previstos na Lei de Licitações.  6. "A prática de atos pelo advogado submete-se e restringe-se ao exame da estrita legalidade, não podendo ser invocada a imunidade profissional, que não é absoluta, para respaldar o cometimento de eventuais atos ilícitos, pois, do contrário, apresentar-se-ia de modo inconciliável com a dignidade da profissão, atentando contra todo o conjunto normativo que lhe rege o exercício regular e legítimo. A tão só figuração de advogado como parecerista nos autos de procedimento de licitação não retira, por si só, da sua atuação a possibilidade da prática de ilícito penal, porquanto, mesmo que as formalidades legais tenham sido atendidas no seu ato, havendo favorecimento nos meios empregados, é possível o comprometimento ilegal do agir" (STJ. HC 337.751, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, DJe de 01/02/2016).  7. O pretendido trancamento da ação penal mostra-se inapropriado diante da possibilidade dos fatos descritos nos autos configurarem ilícito penal, ao menos em tese, além do que estão presentes nos autos prova da materialidade e indícios da autoria do delito descrito pelo Ministério Público Federal.  8. Se discute em sede mandamental, nessa fase processual, e sem fazer um juízo condenatório ou absolutório, se a denúncia é inepta. Verifica-se se há justa causa para a continuidade da persecução criminal, se a exordial acusatória é apta e se ela descreve minimamente o fato atribuído ao inculpado, possibilitando as condições para, a partir dessa descrição fática, ele responder pelo ilícito ou pela conduta eventualmente apontada, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal. Fazse necessária a existência de um mínimo probante a sustentar e arrimar a argumentação acusatória, a fim de possibilitar um juízo de manutenção ou de trancamento da ação penal.  9. Ressai do processado que ao ora paciente é imputado o fato de, no exercício da função de procurador ou no exercício da advocacia, ter, deliberadamente, deixado de tomar conhecimento de elementos claros e evidentes, que prejudicavam necessariamente a sanidade da licitação, além de ter exarado parecer superficial e distante da realidade factual, instrumento que serviu como elemento jurídico para calçar o processo licitatório e que evidentemente, segundo imputa a denúncia, trouxe consequências de natureza pecuniária para a municipalidade, desaguando num certame efetivamente fraudado.  10. Aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada, onde o agente deixa de conhecer algo ou, na prática de um ato judicial ou administrativo, não se aprofunda no conhecimento exigível, imaginando que o fato de não tratar do assunto ou o desconhecer, o protegeria. É o caso aqui tratado, pois o ora paciente abriu mão de sua responsabilidade, de praticar ato de ofício, com o intuito deliberado de ajudar terceiros ou alcançar uma vantagem indevida.  11. "Segundo a doutrina, essa teoria fundamenta-se na seguinte premissa: o indivíduo que, suspeitando que pode vir a praticar determinado crime, opta por não aperfeiçoar sua representação sobre a presença do tipo objetivo em um caso concreto, reflete certo grau de indiferença em face do bem jurídico tutelado pela norma penal tão elevado quanto o daquele que age com dolo eventual, daí por que pode responder criminalmente pelo delito se o tipo penal em questão admitir a punição a título de dolo eventual". (in: Legislação Criminal Especial Comentada: Renato Brasileiro de Lima. 3ª. ed. rev, ampl. e atualizada. Editora Jus Podivm, 2015, p. 266 e segs).  12. Não há qualquer motivo para o trancamento da ação penal, tampouco desfazer o seu andamento, pois não se trata de um juízo de condenação ou absolvição, mas de aptidão da denúncia para sustentar eventual acusação. Os fatos estão descritos, os pareceres foram exarados, há um mínimo de justa causa, na medida em que não se está imputando ao indiciado a conduta de meramente lançar um parecer, mas sim de fazer um conluio para benefícios de alguns em detrimento da pública administração, fazendo-o mediante o documento de sua lavra que foi juntado aos autos.  13. Ordem de habeas corpus denegada. 

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