REL. DES. SIMONE SCHREIBER -
Direito penal e processual penal. Operação negócio da china. Sentença condenatória por uso de documento falso e descaminho. Apelações da acusação e das defesas. Nulidade da sentença em razão da inversão da ordem de atos processuais e do indeferimento do pedido de vista para manifestação pela defesa sobre a impugnação feita pela acusação aos documentos juntados quando da apresentação de alegações finais, não proclamada por este tribunal, com fulcro no art. 249, § 2º, do cpc. Afastamento da condenação por uso de documento falso, em razão de violação ao princípio da correlação. Ausência de provas quanto ao crime de descaminho. Apelação da acusação não provida quanto ao pleito de condenação de attílio milone e prejudicada quanto ao pedido de aplicação de concurso material entre os crimes de descaminho. Apelações da defesa providas. 1. Houve nulidade na sentença, em razão da realização do interrogatório dos acusados e da abertura do prazo para alegações finais antes do término da instrução criminal, pois não haviam sido ouvidas testemunhas arroladas pela defesa, e do indeferimento do pedido de vista para manifestação pela defesa sobre a impugnação feita pela acusação aos documentos juntados pelas defesas quando da apresentação de alegações finais. Não obstante, a nulidade não será proclamada pelo Tribunal, pois é hipótese de aplicação do art. 249, § 2º, do Código de Processo Civil, por analogia. 2. Não há nulidade na denúncia e na sentença, em razão da declaração da ilicitude da prova produzida pelas interceptações telefônicas e telemáticas. A declaração superveniente da ilicitude da prova não alcança o fato de que, à época, existiam indícios da possível prática de crimes pelos acusados, havendo, destarte, suporte para uma investigação policial. O recebimento da denúncia foi calcado na presença, naquela ocasião, de indícios mínimos de materialidade e autoria. A sentença foi prolatada em data anterior à declaração da ilicitude da aludida prova. Com a prolação de sentença, a questão não mais se insere no contexto da nulidade da investigação policial ou da ação penal, mas sim no da existência (ou não) de provas independentes das declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça que possam sustentar a sentença condenatória prolatada pelo Juízo a quo, a ser aferida por este Tribunal quando da análise do mérito das apelações. 3. Não há nulidade na sentença em razão da existência de fundamentação per relacionem. Não há óbice a que o julgador, ao apreciar a reiteração de questões já decididas nos autos, reporte-se aos fundamentos de suas decisões anteriores, adotando-as como razões de decidir, desde que o faça de forma expressa. É possível, inclusive, que o juiz adote alegações expendidas pelas partes em peças processuais para fundamentar suas decisões, transcrevendo-as expressamente, quando entendê-las pertinentes e adequadas ao enfrentamento de determinada questão. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 4. Quanto à busca e apreensão, este Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça já decidiram pela inexistência de irregularidades no tocante à forma de individualização, pela Polícia Federal, dos endereços a serem diligenciados, bem como no que pertine à apreensão de bens da empresa SAFETY INFORMÁTICA LTDA. (não investigada). Inexiste lei que exija a aposição de lacres no material apreendido. Ausência de ilegalidade e nulidade na confecção dos autos de apreensão, pois não houve prejuízo às defesas, posto que assegurado o contraditório no que tange à prova obtida. 5. Violação ao princípio da congruência entre a denúncia e a sentença quanto ao crime de uso de documento falso. A descrição do uso de documentos ideologicamente falsos, contida na denúncia, está inserida na explanação do iter criminoso dos delitos de descaminho. Não há menção, na exordial acusatória, de que os documentos ideologicamente falsos teriam potencialidade lesiva autônoma. Não houve emendatio libelli, mas sim clara inovação da acusação, implicando condenação por crime não imputado. Por outro lado, não há nulidade ou cerceamento de defesa na sentença em razão da condenação dos acusados como incursos no art. 334, § 1º, "c", do Código Penal, pois há imputação expressa na exordial acusatória de comercialização dos produtos descaminhados. Assim, o Juiz operou apenas uma emendatio libelli, por entender que os fatos narrados se subsumiam na moldura do art. 334, § 1º, "c", do Código Penal (antiga redação) e não na do art. 334, caput, do Código Penal, classificação que havia sido dada aos fatos pelo Ministério Público Federal na denúncia. Reconhecida a nulidade parcial da sentença de primeiro grau, este Tribunal deve excluir a condenação que extrapolou o pedido inicial, qual seja, a de LUIGI FERNANDO MILONE, SAMUEL GORBERG e DÉLIO VALDETARO JÚNIOR por uso de documento público ideologicamente falso (artigos 304 c/c 299, do Código Penal). 6. Ilicitude por derivação do Relatório IPEI nº RJ20080017, elaborado pela Receita Federal. Utilização de vários e-mails, arquivos eletrônicos e diálogo telefônico, obtidos na interceptação telefônica e telemática realizada no curso da investigação policial, prova declarada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça. 7. Ilicitude por derivação dos Procedimentos Administrativos Fiscais nº 10711.001017/2009-68, 10711.001169/2009-61, 10711.001170/2009-95, 10711.001278/09-88, 10711.001190/09-66, 10711.008285/2008-20, 10711.001322/2009-50, 10711.001735/2009-34, 10711.001804/2009-18, 18203.000643/2009-89, 18203.000742/2009-61, 18203.000750/2009-15, 18203.000715/2009-98, 18203.000749/2009-82 e 12466.002795/2009-49, em razão da utilização, pela Receita Federal de provas produzidas nas interceptações telefônicas e telemáticas, declaradas ilícitas pelo Superior Tribunal de Justiça, e na busca e apreensão, que são ilícitas por derivação. 8. Inexistência de provas lícitas suficientes para embasar a condenação. Do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas e dos termos de interrogatório, nada há que possa comprovar a materialidade dos crimes de descaminho e a autoria delitiva. Não há provas nos autos das Ações Penais nº 2006.51.01.523722-9 e 2009.51.01.810486-2, também instauradas a partir da Operação Negócio da China, que possam ser aproveitadas nesta ação penal para a manutenção da sentença condenatória. Absolvição dos apelantes, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (exceto no que diz respeito ao reconhecimento de nulidade por violação ao princípio da correlação). Manutenção da sentença absolutória concernente a ATTÍLIO MILONE. 9. O Exmo. Desembargador Federal Revisor MESSOD AZULAY NETO votou no sentido de: dar provimento às apelações de LUIGI FERNANDO MILONE, SAMUEL GORBERG e DÉLIO VALDETARO JUNIOR, para absolvê-los da prática dos crimes previstos no art. 334, § 1º, 'c' e 'd', e do crime previsto no art. 304 c/c o art. 299, todos do Código Penal, com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal; e declarar prejudicada a apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 10. O Exmo. Desembargador Federal ANDRÉ FONTES votou no sentido de: dar parcial provimento à apelação de SAMUEL GORBERG, para fazer incidir a atenuante de idade e para afastar a aplicação da pena de multa no delito de descaminho; dar parcial provimento às apelações de LUIGI FERNANDO MILONE e DÉLIO VALDETARO JÚNIOR, para afastar a aplicação da pena de multa no delito de descaminho; e dar parcial provimento à apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para condenar ATTÍLIO MILONE pela prática do crime do art. 304, c/c o art. 299, ambos do Código Penal, em continuidade delitiva, e em concurso material com o art. 334, § 1º, 'c', do Código Penal, também em continuidade delitiva. 11. Apelações de LUIGI FERNANDO MILONE, SAMUEL GORBERG e DÉLIO VALDETARO JUNIOR providas, por maioria. Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não provida quanto ao pleito de condenação de ATTÍLIO MILONE e prejudicada no tocante ao pedido de aplicação de concurso material, por maioria. Vencido o Exmo. Desembargador Federal ANDRÉ FONTES.
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