REL. DES. VALDECI DOS SANTOS -  

Penal. Processual penal. Apelações criminais. Estelionato em detrimento da previdência social. Ex-servidoras do inss. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Inocorrência da prescrição retroativa. Delito de caráter permanente. Materialidade e autoria comprovadas. Dolo configurado. Condenações mantidas. Dosimetria da pena. Circunstâncias judiciais desfavoráveis não obstam a fixação de regime inicial aberto para o cumprimento da pena. 1. Rejeitada a preliminar de cerceamento de defesa aventada pela ré Zilda Elena, tendo em vista que, por mais de uma vez, lhe foi dada a oportunidade de relatar a sua versão sobre os fatos, sendo decretada a sua revelia tão somente em razão de reiterada e injustificada ausência em ato processual. 2. Não prospera a preliminar de ocorrência da prescrição retroativa em relação à conduta da acusada Vera Lúcia. O estelionato contra a Previdência Social, em que há percepção de parcelas sucessivas do benefício, consubstancia delito de caráter permanente, em que o momento consumativo se protrai no tempo e cujo cômputo do lapso prescricional tem início a contar da data em que cessar a permanência, ou seja, a partir do momento em que ocorrer o último pagamento do benefício fraudulento. 3. No caso, a participação da acusada Vera não se findou com a concessão do benefício, sendo ela também a responsável pelas sucessivas alterações e agendamentos de perícias inexistentes, de modo a configurar a permanência do ato delituoso por ela praticado. Assim, o termo a quo do prazo prescricional em relação à sua conduta delituosa é 30 de abril de 2004, data da cessação do benefício fraudulento, em observância ao disposto no artigo 111, III, do Código Penal. Dessa forma, considerando que a denúncia foi recebida em 13 de agosto de 2009, claro está que entre as referidas datas não decorreu o prazo prescricional de oito anos, aplicável ao caso (artigo 109, IV, do Código Penal) 4. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o procedimento administrativo do INSS e demais documentos constantes dos autos. 5. A coautoria delitiva restou comprovada nos autos. Vera Lúcia da Silvae Zilda Elena Leonel Ferreira requereram em nome de Iraci Silveira Cleto, sem o seu conhecimento e mediante fraude, o benefício de auxílio-doença junto ao INSS, na Agência da Previdência Social de Itapetininga/SP. Apurou-se que, no período em que o benefício foi pago, Iraci era servidora estatutária do Estado de São Paulo e, assim, não poderia receber auxílio-doença do INSS, sendo manifesta, pois, a irregularidade da concessão. 6. A acusada Zilda Elena Leonel Ferreira, servidora aposentada do INSS, foi cadastrada como procuradora de Iraci, sem o conhecimento desta, tendo admitido, perante a autoridade policial, que comparecia ao banco, mensalmente, para sacar o valor relativo ao pagamento do benefício em questão. Além disso, na qualidade de ex-servidora do INSS, Zilda tinha conhecimento de todos os trâmites que envolvem a concessão de um benefício, não podendo alegar que desconhecia a ilicitude de seu ato. 7. A corré Vera Lúcia da Silva foi a servidora responsável pelo processo de concessão fraudulenta, constando, ainda, o seu número de matrícula nos demais procedimentos necessários à manutenção do benefício. Ademais, a acusada relatou, em Juízo, que, na época dos fatos, exercia função de confiança, sendo responsável por todos os procedimentos relativos ao auxílio-doença na Agência do INSS de Itapetininga/SP. Desse modo, a acusada tinha pleno conhecimento da legislação previdenciária, restando evidente o dolo em sua conduta, consistente na intenção de receber as prestações do benefício em proveito próprio. 8. Por fim, a extensa folha de antecedentes da acusada Vera demonstra a existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais contra ela, em relação à prática desse mesmo delito, tendo sido, inclusive, submetida a processo disciplinar, sendo-lhe aplicada a pena de demissão do serviço público, no ano de 2007. 9. Nos termos do artigo 68 do Código Penal, a pena base será fixada levando-se em conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima (art. 59, CP). 10. As circunstâncias judiciais de caráter residual são aquelas que, envolvendo aspectos objetivos e subjetivos encontrados no processo, podem ser livremente apreciadas pelo magistrado, respeitados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da finalidade da pena. 11. A pena-base da acusada Zilda Elena foi majorada em 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 32 (trinta e dois) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do valor do salário mínimo vigente à época do último fato delituoso. 12. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços a entidade assistencial, a ser designada pelo Juízo da Execução, pelo tempo de duração da pena privativa de liberdade, e na prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos, a serem recolhidos em prol de entidade pública com destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução, podendo tal valor ser parcelado no transcorrer da execução. 13. No tocante à acusada Vera, a pena-base foi aumentada em um ano, em razão da agravante prevista no artigo 61, II, alínea "g", do Código Penal, sendo aplicada, ainda, a majoração de 1/3 (um terço), por se tratar de crime cometido em detrimento da Previdência Social, nos termos do §3º do artigo 171 do Código Penal, restando definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do último fato, sendo vedada a substituição por penas restritivas de direitos. 14. Ainda, as rés foram condenadas, de forma solidária, a reparar o dano causado ao INSS pela infração, no valor de R$ 121.334,25 (cento e vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos), a ser devidamente atualizado até o efetivo pagamento, com fundamento no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. 15. Mantidas as penalidades impostas à Zilda Elena Leonel Ferreira, por restar cumprido o escopo da prevenção geral e específica, impondo-se a justa retribuição da pena derivada. 16. A [Tab]existência de diversos inquéritos policiais e ações criminais em curso contra a acusada Vera, malgrado não possa configurar maus antecedentes, em razão de ausência de trânsito em julgado, revela personalidade delitiva e conduta social desfavorável da ré, de modo a autorizar a fixação da pena-base em patamar superior ao da acusada Zilda. Ademais, as circunstâncias judiciais desfavoráveis obstam a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do artigo 44, inciso III, do Código Penal. 17. A sentença merece reparos no tocante ao regime inicial de cumprimento da pena fixado para a acusada Vera. Isso porque as circunstâncias judiciais desfavoráveis, por si só, não configuram razão suficiente para ensejar um regime mais gravoso da pena. Ressalte-se, ainda, que a acusada é pessoa idosa (65 anos - fl. 282), com endereço fixo e vida modesta, sendo, inclusive, representada pela Defensoria Pública da União nos presentes autos, de modo que o regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", se mostra mais compatível com as suas chances de recuperação. 18. Apelação de Zilda Elena Leonel Ferreira a que se nega provimento. Apelação de Vera Lúcia da Silva Santos a que se dá parcial provimento.  

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