Penal - processual penal - descaminho - artigo 334, “caput“ do cp - princípio da insignificância - aplicabilidade - recurso repetitivo stj - artigo 543 - c e §§ do cpc - comercialização de medicamentos proibidos - art.273, § 1º, b, inciso i cp - não demonstrada a intenção de praticar qualquer das condutas previstas nesse dispositivo legal - uso pessoal dos medicamentos - recurso ministerial desprovido - absolvição mantida. 1. A materialidade delitiva restou demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito de fls. 15/21, pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 29/68, pelo Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls.69/70 e 73/74, acompanhado da relação de mercadorias apreendidas, às fls.74/81, pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls.104/110, pelos Relatórios Fiscais acompanhados de fotografias do veículo abordado e das malas repletas de mercadorias alienígenas apreendidas, de fls.110/120 e 130/139 e pelo Laudo de Exame de Produto Farmacêutico de fls.166/173 e verso, que consignou que os medicamentos encontrados no interior do veículo não possuíam registro e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 2. No que concerne a autoria do delito de descaminho, viu-se dos autos que, no dia 11/02/2007, uma operação conjunta da Polícia Federal e da Receita Federal localizou e apreendeu no interior do veículo ocupado pelos apelados, mercadorias de procedência estrangeira sem a devida documentação legal de regular importação, consistentes em aparelhos eletrônicos, CD''s, fitas cassetes e VHS''s, bebidas alcoólicas e roupas de cama. 3. Os próprios acusados confessaram, em suas declarações prestadas tanto na fase policial (fls. 23/24, 25//26 e 27/28) como em juízo (fls.308/309, 310/311 e 312/313), que viajaram para o Paraguai com despesas de viagem e alimentação pagas pelo réu Benedito Pereira, com o intuito de ajudá-lo a transportar, em suas malas, mercadorias estrangeiras por ele adquiridas, sendo ele o verdadeiro proprietário das mercadorias apreendidas pela fiscalização no interior do veículo por eles ocupado, mercadorias essas que eram destinadas a comercialização, iludindo o recolhimento dos impostos devidos por essa importação. 4. O próprio corréu Benedito Pereira, em seu interrogatório no auto de prisão em flagrante, perante a autoridade policial, informou que costumava ir sempre ao Paraguai, quando recebia encomendas de clientes, e comercializava os produtos que trazia do Paraguai há cerca de quinze anos, e que, com essa atividade (descaminho), auferia renda média mensal um pouco superior a mil reais (interrogatório do conduzido de fls. 20/21). 5. Embora estejam suficientemente comprovadas a materialidade e autoria delitivas, entendo que agiu com acerto o juiz ao absolver os apelados, pela prática do delito prevista no artigo 334, caput, do Código Penal, em razão da pequena quantidade das mercadorias, a possibilitar a aplicação do princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade material da conduta atribuída aos réus. 6. Inicialmente, ressalto que sempre fui reticente quanto à aplicação do princípio da insignificância para os delitos de descaminho em que o valor do tributo não recolhido era inferior a R$ 10.000,00, por entender que o patamar previsto no artigo 20 da Lei 10.522/2002 era demasiado elevado. 7. De outro lado, firmei o entendimento de que não se tratava de mero crime tributário, mas também de delito que causa prejuízos à indústria e ao mercado nacional, e que freqüentemente é praticado de maneira habitual e reiterada, mostrando-se dificultoso aquilatar, em cada caso, a conveniência de se aplicar o princípio da insignificância. 8. Também fiz consignar, em outras ocasiões, que o objeto jurídico visado pela norma era a garantia da administração pública, especialmente o controle da entrada e saída de mercadorias do território nacional e o interesse da Fazenda Nacional, a que está ligada, intimamente, a política de desenvolvimento econômico do país. 9. Ocorre que há recentes julgados dos Tribunais Superiores que admitem a aplicação do princípio da insignificância em descompasso com as argumentações e a pretensão deduzida pela acusação. 10. Recentemente, foi suscitada questão de ordem nesta E. Corte, para modificar julgado que dava provimento a recurso em sentido estrito, para afastar a aplicação do princípio da insignificância. 11. É que, naquele processo, sobreveio a notícia de que fora julgado recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça adotando o patamar do artigo 20, da Lei 10.522/2002, para o reconhecimento da ocorrência do crime de bagatela. Tal recurso foi selecionado como repetitivo, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, e do artigo 1º e parágrafos da Resolução nº 8, de 07/08/2008, expedida por aquela Corte de Justiça. 12. Com efeito, a controvérsia discutida no presente feito já foi objeto de outro recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1112748-TO), sob a nova sistemática da Lei nº 11.672/2008, que tratou do julgamento dos recursos repetitivos. 13. Assim, não obstante o posicionamento adotado em outros julgamentos desta Egrégia 5ª Turma, revejo meu entendimento e acolho a aplicação do princípio da insignificância, nos moldes hodiernamente adotados nas instâncias superiores, motivo pelo qual concluo pela manutenção da sentença recorrida. 14. É que o acórdão sobre tema repetitivo está calcado em decisão do próprio Supremo Tribunal Federal e vem ao encontro do princípio da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. 15. Ressalto que o meu anterior entendimento acerca do tema, que foi acompanhado com muita freqüência pelos meus pares, era o de que o princípio da insignificância não se aplicava ao crime de descaminho, a não ser naquelas hipóteses previstas pela própria Lei 10.522/2002, em seu artigo 18, §1º. 16. Todavia, deixo de aplicar ao caso em tela e adoto o posicionamento que aplica o aludido princípio para os casos em que os débitos tributários não ultrapassem o limite de R$ 10.000,00. 17. Na hipótese dos autos, o valor das mercadorias soma a importância de R$ 6.143,50 (seis mil, cento e quarenta e três reais e cinqüenta centavos), conforme Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 104//110. E é preciso consignar que o teto do dispositivo de lei se refere ao valor dos tributos que incidem sobre as mercadorias, não dizendo respeito ao valor das mercadorias. Aliás, no caso, resta evidente que o valor dos tributos devidos pela internação das mercadorias no país é muito inferior a R$ 10.000,00, até mesmo porque somente em situações específicas o imposto de importação tem caráter extra-fiscal. Note-se que nem mesmo nessas situações se consegue vislumbrar uma alíquota tão alta que supere o patamar estabelecido pelo aludido dispositivo, para a hipótese vertente. 18. Frise-se que, nos últimos tempos, esta própria Egrégia Corte vem negando provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal, quando o valor dos tributos relativos às mercadorias apreendidas for inferior ao limite acima mencionado, inclusive na hipótese de a conduta já ter sido praticada anteriormente. 19. Adotada a aplicação do princípio da insignificância nos moldes do artigo 20, da Lei 10.522/2002. Precedentes desta E. Corte e do STF. 20. Quanto ao crime de importação dos produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais com comercialização proibida em território nacional, como dito acima, a materialidade delitiva encontra-se comprovada por intermédio do Laudo de Exame de Produto Farmacêutico de fls.166/173 e verso, que consignou que os medicamentos encontrados no interior do veículo e pertencentes ao co-réu Benedito, não possuíam registro e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 21. Os medicamentos apreendidos foram “POTENT-75“ e “RATI SALIL“ . Quanto ao primeiro, foi determinada a proibição de importação, distribuição, uso e comercialização em todo o território nacional, pela ANVISA, por meio da Resolução 3847, como medida de interesse sanitário. Quanto ao segundo, este medicamento não tem registro na ANVISA (cfe. Laudo de Exame de Produto Farmacêutico de fls.166/173). 22. O co-réu Benedito Pereira, que assumiu a propriedade da medicação apreendida, em seus interrogatórios perante a autoridade policial (fls.20/21) e em Juízo (fls.308/309 e reinterrogatório gravado por meio de mídia eletrônica de fls.482/483) confessou que adquiriu os medicamentos no Paraguai, ressalvando, contudo, que seriam destinados, não para a comercialização, e sim para uso pessoal. 23. E, da mesma forma que não há dúvidas de que os medicamentos apreendidos são de procedência estrangeira - Paraguai, também, não resta dúvidas de que os medicamentos eram destinados apenas ao consumo pessoal. 24. Em todas as oportunidades em que foi ouvido (fls.20/21, 308/309 e 482/483), o co-réu Benedito afirmou, de forma coesa e uniforme, que os dois medicamentos apreendidos entre seus pertences eram para seu uso pessoal, tanto o remédio de nome “POTENT-75“, motivado por problemas de impotência sexual, quanto a pomada anestésica “RATI SALIL“, devido a um problema de quelóide no pescoço. 25. Além do mais, a sua versão exculpatória foi corroborada pelo depoimento da própria testemunha de acusação, Rogério César Ferreira, Auditor Fiscal da Receita Federal, que participou da operação conjunta com a Polícia Federal, e confirmou que os medicamentos foram encontrados na bagagem pessoal do co-réu Benedito e, ao ser perquirido a respeito, afirmou que os remédios eram para seu uso pessoal (conforme depoimento prestado em juízo, de fls.348/349). 26. Assim, não restando demonstrada a intenção (elemento subjetivo - dolo) do apelado Benedito em comercializar medicamentos de venda proibida no país, a manutenção da decisão absolutória, neste caso específico, também é medida que se impõe. 27. Recurso ministerial desprovido. Absolvição mantida.
Rel. Des. Ramza Tartuce
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