Penal. Posse irregular de arma de fogo de uso permitido. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Tráfico internacional de arma de fogo. Materialidade. Autoria. 1. A Lei n. 9.437/97 foi revogada pelo art. 36 da Lei n. 10.826, de 22.12.03, a qual, porém, tipificou novamente as condutas anteriormente constantes da norma penal. Evidencia-se, portanto, a inocorrência de abolitio criminis, dado que as condutas subsistem tipificadas como crime. 2. A Lei n. 10.826/03 permite o registro do armamento adquirido licitamente, ou sua entrega às autoridades independentemente da regularidade da aquisição, hipótese em que se presume a boa-fé. A excludente, porém, não é meio de coonestar a conduta ilícita cuja tipificação ainda subsiste no ordenamento penal, de maneira tal que, surpreendido o agente em conduta que se conforme à norma tipificadora em vez daquela excludente, segue-se que responde pelo delito praticado. Note-se que esse prazo vem sendo sistematicamente prorrogado: para 31.12.08 (Lei n. 11.706/08) e depois para 31.12.09 (11.922/09, art. 20), não se podendo excluir novas prorrogações por medidas provisórias ou leis. Nada disso, contudo, interfere na a aplicabilidade da lei penal, como resulta evidente. 3. O réu foi preso em flagrante delito por ter em sua residência uma pistola Taurus cal. 380, além de significativa munição de diversos calibres, parte delas de origem estrangeira. Admitiu a posse da arma e parte da munição, isto é, aquela compatível com essa pistola. Isso basta para a configuração do delito do art. 12 da Lei n. 10.826/03. 4. A circunstância de a arma ter-lhe sido “doada“ por terceiro não elide a tipificação do delito, que se resolve na mera posse da arma, abstraída a modalidade do ato jurídico, lícito ou não, pressuposto para a realização da conduta penal. Semelhante circunstância tem alguma consequência para a regularização da arma, sua entrega ao Estado etc. 5. Mas não é disso que se trata na espécie, pois não há elementos no sentido de que o acusado providenciava a regularização do porte da arma em questão. A mera alegação é insuficiente para incidir a excludente de culpabilidade quanto à conduta concretamente verificada. Portanto, é adequada a condenação do réu por esse delito. 6. O mesmo sucede em relação ao delito de posse ilegal de arma de uso restrito (Lei n. 10.826/03, art. 16). 7. Assentada a materialidade delitiva, isto é, de que a espingarda Maverick cal. 12 e a pistola Ruger cal. .22 são de uso restrito, cumpre resolver acerca da autoria que, quanto a esse fato, é negada pelo réu. Sua negativa, contudo, não é consistente: não há nenhum indicativo de que a testemunha Sérgio Roberto Vicente teria interesse em mentir, acusando o réu desse grave delito. A versão narrada pela testemunha é bastante plausível e se harmoniza com as imagens reproduzidas no laudo sobre mídia (figura do indivíduo “A“ compatível com a do réu; cfr. fls.163). Por outro lado, parte da munição encontrada na residência é passível de ser empregada nesse armamento (cal. 12 e cal .22). É verdade que o réu também nega a apreensão dessa munição, com isso distanciando-se da autoria delitiva. 8. Mas a negativa não subsiste, considerado o conjunto probatório existente nos autos: a) a incisiva imputação da testemunha Sérgio Roberto Vicente; b) o laudo pericial que, embora não ateste a figura do acusado, sugere que dele efetivamente se trata; c) a apreensão de munição compatível com o armamento, demonstrada não somente pelas testemunhas que realizaram a diligência policial, como também pelo respectivo auto de apreensão. Por tais razões, deve ser o acusado condenado pelo delito do art. 16 da Lei n. 10.826/03. 9. O réu deve ser absolvido do delito de tráfico internacional de arma de fogo (Lei n. 10.826/03, art. 20). Pelo que se infere da sentença, a condenação se fundamenta sobretudo em razão da procedência alienígena da munição. Ocorre que o acusado afirma tê-la adquirido no Brasil, o que implica dizer ao depois de sua internação irregular. 10. Não há elementos de prova que permitam afirmar, com a segurança necessária, que o acusado teria efetivamente providenciado a importação, no sentido material de trazer do exterior para o País, ou tão somente favorecer terceiro que assim o faça. Nesse ponto, a denúncia não fornece uma descrição da importação, sendo certo ademais que as testemunhas nela arroladas e que foram ouvidas ao longo da instrução cingem-se à dinâmica dos fatos que se sucederam por ocasião do cumprimento da diligência de busca apreensão e da própria prisão do acusado. Por não haver prova suficiente da autoria, cumpre absolvê-lo desse crime. 11. Apelação do réu provida em parte. Apelação ministerial provida em parte.
Rel. Des. André Nekatschalow
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