REL. DES. HÉLIO NOGUEIRA -
Penal. Apelação criminal. Crime de evasão de divisas. Tipicidade. Crime de prestação de informação falsa em contrato de câmbio. Atipicidade rejeitada. Erro de tipo. Erro de proibição: inocorrência. Pena-base. Valor dos contratos: majoração. 1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou os réus como incursos nos artigos 21, parágrafo único, e 22, parágrafo único, ambos da Lei nº 7.492/1986, c.c. os artigos 70 e 71 do Código Penal, cada um à pena de 08 anos de reclusão e 90 dias-multa. 2. A operação de câmbio, por instituição financeira autorizada para tanto (in casu,o Banco do Brasil), deve corresponder a alguma transação comercial de fundo, registrada no BACEN e se realizar em tempo determinado, emitindo-se as Declarações de Importações correspondentes, cumprindo ao Banco Central fiscalizar se as instituições autorizadas a operar câmbio vêm cumprindo com a regra de revestir suas operações com as necessárias cautelas e mantê-las sob constante acompanhamento, defendendo as reservas cambiais do País (art. 1º, III da Resolução nº 1.620/89, então vigente na época). 3. Tal fato não se evidenciou na hipótese dos autos, como visto, em franca afronta às normas cambiais, pelo que se afiguram obviamente não autorizadas as saídas de divisas do país, já que irregulares, subsumindo as condutas dos réus ao tipo penal previsto no art. 21, § 1º, da Lei nº 7.492/86, não sendo, ademais, o Banco do Brasil - mero realizador da operação de câmbio - o responsável pela sua autorização de remessas de divisas ao estrangeiro. Fica evidente, de outro lado, que a emissão de valores ao exterior após a realização do câmbio entre moedas, se calcada em documentos falsos - como é o caso dos autos - consubstancia ausência de autorização legal. 4. Não procede a alegação da defesa dos acusados de atipicidade da conduta em relação ao artigo 21 da Lei 7.492/86, ao argumento que em momento algum se utilizaram de falsa identidade ou sonegaram informação, tendo seus dados pessoais sido facilmente identificados, uma vez que os acusados foram denunciados e condenados por fornecer informação falsa, conduta essa capitulada na parte final do parágrafo único do artigo 21 da Lei 7.492/86. 5. Não assiste razão à defesa ao sustentar a atipicidade da conduta, ao argumento que os acusados não forneceram informação falsa no contrato de câmbio. O crime do artigo 21, parágrafo único, segunda figura, da Lei 7.492/86 assemelha-se ao delito de falsidade ideológica, previsto no Código Penal. A conduta típica consiste no fornecimento de informações falsas em operação de câmbio e, nessa senda, pode ser detectável pela análise dos documentos. 6. Restou apurado no procedimento administrativo do Banco Central que, no período de 24 de abril a 11 de junho de 1997, os acusados celebraram vários contratos de câmbio com pagamento antecipado relativo a importação de mercadorias da Claymore Trading, remetendo para o exterior US$12.619.743,25. 7. A despeito da autorização da instituição financeira (Banco do Brasil) para o fechamento do contrato de câmbio, o crime de prestação de informação falsa se perpetrou no momento do fechamento dos respectivos contratos, com a falsa informação que de haveria ingresso das mercadorias importadas no prazo estipulado. 8. Não se sustenta a alegação de erro de tipo por ausência de dolo. Não é crível que Patrick tenha se deixado levar pela ingenuidade, de que estaria entrando em uma transação lícita, ao emprestar seu nome para uma pessoa que sabia que tinha restrição cadastral, outorgando-lhe poderes e ainda abrindo uma conta em banco. Ademais, Patrick sequer comprovou nos autos a alegada venda de sua quota na sociedade a Inácio. 9. Não procede a alegação de erro de tipo suscitada por Inácio. O defensor constituído de Inácio sequer arrolou como testemunha as pessoas que supostamente o induziram a erro na defesa prévia, deixando ainda de apresentar qualquer documentação que comprovasse suas alegações. Não é crível que o apelante Inácio, contador, não tenha desconfiado da lisura dos diversos contratos de câmbio que assinou a pedido dos gerentes da Cambridge, com quem trabalhara na época que era contador da Cebrarcom, sendo que alguns contratos superavam quase atingiam o valor de um milhão de dólares. 10. Não procede a alegação de erro de proibição, ao argumento que os acusados Inácio e Patrick acreditavam que todas as operações eram lícitas, pois a movimentações financeiras foram autorizadas pelo Banco do Brasil, julgando não estar cometendo ilícito algum, sendo certo que o artigo 21 do Código Penal dispõe que "o desconhecimento da lei é inescusável". Ademais, não é crível que Patrick, policial civil, e Inácio, contador experiente, acreditavam na licitude da remessa de doze milhões de dólares para o exterior por meio dos contratos de câmbio com recursos que desconheciam. 11. Incabível o reconhecimento do alegado erro de proibição, porque as alegações não restaram cabalmente comprovadas nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-las, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal. O dolo restou configurado pela aceitação dos réus na elaboração dos contratos de câmbio, com recursos desconhecidos. 12. Pedido de aplicação da teoria da consunção do crime prestação de informação falsa pelo crime de evasão de divisas não acolhido. Deve ser mantido o concurso formal de delitos, previsto no art. 70 do Código Penal, já que o crime previsto no art. 21, § 1º da Lei nº 7.492/86 não é necessariamente meio necessário para a prática do delito de evasão de divisas, já que este ocorreria mesmo sem a prestação de falsa informação sobre o câmbio, atingindo ainda os delitos objetividades jurídicas diversas: no crime de evasão de divisas a proteção visa fundamentalmente o Erário e a política econômico-financeira do país; já o delito estampado no art. 21, § 1º da Lei nº 7.492/86 objetiva a tutela da segurança nas operações de câmbio e a política cambial do Estado, matéria de interesse constitucional (art. 22, VII da CF). Embora ligados, não se divisa a existência de um dos crimes para a consecução do outro, pelo que não há, na singularidade do caso, a relação de consunção pretendida. 13. Razoável a fixação da pena-base acima do mínimo legal, considerado o valor expressivo constante nos contratos de operação cambial, que superam a quantia de 12 milhões de dólares. 14. Quanto à consideração de desfavorabilidade das circunstâncias judiciais antecedentes em relação ao corréu Inácio, dada a ausência de certidão de sentença condenatória transitada em julgado nos autos (Súmula 444 do STJ), não podem ser considerados para majorar a pena 15. No tocante à alegação de culpabilidade excessiva em relação ao corréu Patrick, verifico que o acusado não se valeu da condição de policial civil para praticar a conduta delituosa, de modo que referida circunstância não pode ser valorada negativamente. 16. Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena deve ser o semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, do Código Penal, sendo inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 17. Recursos improvidos. De ofício reduzidos os números de dias-multa.
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