Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS -
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADO. DOSIMETRIA. MAJORAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. QUANTUM DE AUMENTO EM DECORRÊNCIA DA CONTINUIDADE DELITIVA. REFLEXOS NA PENA DE MULTA. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA.- Não há que se falar em cerceamento de defesa, pois o Defensor constituído do réu foi devidamente intimado pela imprensa oficial (art. 370, § 1º, CPP) acerca da expedição das cartas precatórias, restando cumprido o disposto no artigo 222 do CPP e na Súmula n.º 273 do Superior Tribunal de Justiça.- O Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Entendimento de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional.-A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, não depende de qualquer norma integrativa, bastando supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24, o que será melhor analisado por ocasião da materialidade delitiva.- A materialidade delitiva restou cabalmente demonstrada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais n.º 13857.000341/2003-15 (a qual engloba os processos administrativos 13857-000340/2003-62 e 13857-000373/2003-11), e os documentos que a acompanham, em especial o Termo de Início da Ação Fiscal, as Declarações de Ajuste Anual anos-calendários 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, o Demonstrativo do Débito Consolidado e respectivo Auto de Infração de IRPF, o Relatório Fiscal e o Termo de Encerramento, os quais demonstram a efetiva redução de tributo federal no período narrado na exordial.- Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade delitiva acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.- Despicienda a realização de exame pericial nos recibos de despesas odontológicas entregues ao Fisco, considerando que o acusado não está sendo processado por falsificação de documento particular ou uso de documento falso. De qualquer forma, a inidoneidade desses documentos advém de mera análise do contexto fático probatório carreado aos autos.- A autoria não foi questionada e igualmente restou demonstrada. Em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a apuração do valor devido é obtida com base nas informações constantes da Declaração de Ajuste Anual, cuja responsabilidade é do contribuinte.- Nos crimes contra a ordem tributária, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo se comprovar que houve intenção em sua conduta. No caso em concreto, o dolo exsurge das circunstâncias fáticas, pois o réu era o responsável pelas informações fornecidas em suas Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, de modo que sua conduta em inserir deduções fictícias, inclusive com a apresentação de recibos falsos, evidencia o intuito fraudulento de reduzir tributo.- Mantida a fixação da pena até a terceira fase em 02 (dois) anos de reclusão. Ausentes agravantes ou atenuantes a serem sopesadas. Na terceira fase a sentença considerou como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Sob esta ótica, ante a ausência de causas de aumento e de diminuição, fica mantida até a terceira fase a pena de 02 (dois) anos de reclusão.- Considerando a prática delitiva continuada por cinco anos consecutivos (1997, 1998, 1999, 2000 e 2001), e autorizado o aumento em face do recurso ministerial, a majoração da pena deve se dar na fração de 1/2 (metade), nos termos do entendimento adotado, perfazendo a reprimenda de 03 (três) anos de reclusão.- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal).- A pena privativa de liberdade até a terceira fase restou fixada em 02 (dois) anos de reclusão, o que corresponde a 10 (dez) dias-multa. Com o acréscimo de ½ (metade) em decorrência da continuidade delitiva, a reprimenda deve ser elevada para 15 (quinze) dias-multa.- Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.- Mantida a fixação do regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.- Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada foi corretamente substituída por uma restritiva de direitos consubstanciada em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela mesma duração da pena privativa de liberdade, à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, que deverá ser cumprida nos termos do artigo 46, §§ 1º a 4º, c.c. o artigo 55, ambos do Código Penal, na forma a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal, bem como 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário mínimo, nada havendo a modificar.- Apelação do réu não provida.- Apelação do MPF parcialmente provida.
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