Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI -
APELAÇÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO TENTADO. ART. 157, §3º (REDAÇÃO AO TEMPO DOS FATOS), C/C ART. 14, INCISO II, CP. ART. 2º DA LEI Nº 12.850/2013. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA AFASTADA. MATERIALIDADE DOS CRIMES COMPROVADA. DESCLASSIFICAÇÃO INCABÍVEL. AUTORIA. DEMONSTRADA. CRIME DO ART. 15 DA LEI Nº 10.826/03. ABSORÇÃO. DOSIMETRIA. CRIME DE LATROCÍNIO TENTADO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. ATENUANTE DA CONFISSÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA TENTATIVA. CRIME DE CONSTITUIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, "D", DO CÓDIGO PENAL. RECONHECIMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 2º, §2º, DA LEI Nº 12.850/2013. CONCURSO DE CRIMES. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA.1. Aos acusados foram imputados os crimes de latrocínio na modalidade tentada, praticados em 17 de março de 2017 na cidade de Aguaí/SP em detrimento das agências da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, bem como de constituição de organização criminosa, na forma do artigo 2º, §4º, inciso IV, da Lei nº 12.850/2013.2. Afastada a preliminar de inépcia da denúncia alegada pela defesa, no sentido de que a exordial não teria individualizado a conduta criminosa dos autores do crime. Na fase inicial da ação penal vigora o princípio in dubio pro societate, não se exigindo, nessa etapa, prova cabal da materialidade e da autoria delitiva, o que somente se verificará ao fim da instrução.3. Comprovada a materialidade do crime previsto no artigo 157, §3º (redação ao tempo dos fatos) c/c o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, pelos elementos coligidos ao feito, dos quais se destaca a prova oral produzida em juízo, máxime os depoimentos dos policiais vítimas da violência, que ressaltaram o animus necandi na conduta perpetrada pelos agentes delitivos (não se alcançando o resultado morte por circunstâncias alheias à sua vontade).4. Incabível a desclassificação da conduta perpetrada no caso em apreço para o crime de roubo majorado em concurso com o delito de resistência. O latrocínio é crime complexo, que exige o dolo na conduta de subtrair o patrimônio, e dolo ou culpa no evento morte, ainda que tentado. Na hipótese dos autos, não há dúvida a respeito do elemento subjetivo dos criminosos em ambas as condutas. Os policiais militares vítimas do evento criminoso foram categóricos em seus depoimentos judiciais ao declarar que os disparos efetuados em face dos agentes policiais eram devidamente direcionados a eles, sendo possível visualizar, em seus corpos, a mira laser do fuzil utilizado na execução do crime. E, sendo indubitável que a violência ora descrita fora empregada durante e em decorrência do delito contra o patrimônio, resta caracterizado o crime de latrocínio.5. Demonstrada a materialidade do crime do artigo 2º da Lei nº 12.850/2013, especialmente pelo extenso trabalho investigativo dos policiais civis (devidamente documentado nos autos), que restou corroborado em juízo pelos depoimentos dos policiais civis do Estado de São Paulo.5.1. Os elementos probatórios evidenciam a estabilidade e a permanência da organização criminosa, denotando o papel de cada um dos agentes delitivos, tais como apoio logístico, fornecimento de informações, de armas, transporte de veículos e pessoas, subsídios para manuseio de artefatos explosivos, proteção e vigilância, auxílio para a fuga em momento posterior à prática delitiva.6. A autoria delitiva restou demonstrada, de forma indene de dúvida, pelos elementos probatórios acostados aos autos, em especial pela prova oral produzida em juízo, por meio da qual se consignou a presença e participação dos acusados no evento criminoso ocorrido em Aguaí/SP, delimitando-se, outrossim, a função de cada um no âmbito da organização criminosa.7. Tendo sido o crime do artigo 15 da Lei nº 10.826/2003 praticado no mesmo contexto dos crimes de latrocínio, com o fim de garantir a sua execução, aplica-se o princípio da subsidiariedade, não havendo falar em punição autônoma para o crime de disparos de arma de fogo.8. Dosimetria. Primeira fase. Exasperada a pena-base do crime de latrocínio tentado em função da valoração negativa das circunstâncias e das consequências do crime.8.1. Os crimes de latrocínio foram praticados durante o período da madrugada, mediante a utilização de carros blindados e forte armamento privativo das Forças Armadas, em pequena cidade do interior paulista, o que justifica a majoração da pena-base ante as circunstâncias em que cometidos os delitos.8.2. O prejuízo material causado na agência bancária foi de aproximadamente R$300.000,00 (trezentos mil reais) e, conforme relato do gerente de serviços do Banco do Brasil, o estabelecimento atingido se tratava da única agência do Banco do Brasil existente na cidade à época, mantida fechada para reparos no período compreendido entre março e outubro daquele ano de 2017.9. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea para um dos corréus, visto que as versões apresentadas pelo réu - em especial na fase de inquérito - foram utilizadas para a formação do convencimento do julgador, nos moldes da Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça.10. Mantida a aplicação da causa de diminuição do artigo 14, inciso II, parágrafo único, do Código Penal no patamar mínimo de 1/3 (um terço), em razão do iter criminis percorrido no caso concreto.11. O delito de latrocínio, conquanto seja infração de natureza complexa com pluralidade de bens jurídicos protegidos pela lei penal (patrimônio e vida), é classificado como crime patrimonial. Dessa forma, o elemento relevante para a determinação do número de delitos praticados e, por conseguinte, o concurso de crimes, é a violação do patrimônio. Verificada a tentativa de subtração de dois patrimônios distintos e levando-se em conta os desígnios autônomos, caracteriza-se o concurso formal impróprio.12. Aplicada a agravante do artigo 61, inciso II, "d", do Código Penal para o crime do artigo 2º da Lei nº 12.850/2013, referente ao emprego de meio que pode resultar em perigo comum. De fato, a utilização de artefatos explosivos na prática de crime contra o patrimônio das instituições financeiras representava elemento estável da organização criminosa, de modo que deve ser provido o pedido do órgão ministerial nesse ponto.13. Reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 2º, §2º, da Lei nº 12.850/2013, eis que as circunstâncias do caso em apreço evidenciam a utilização ostensiva de armas de fogo na atuação da presente organização criminosa, valendo-se até mesmo de armas de uso privativo das Forças Armadas. Ademais, o emprego de armas de fogo tratava-se, na hipótese, de elemento estável do crime associativo, sendo notória sua utilização para a prática das infrações penais.14. Os crimes de latrocínio tentado e constituição de organização criminosa foram cometidos em concurso material, eis que praticados mediante mais de uma ação, de modo a ensejar a aplicação cumulativa das penas, nos moldes do artigo 69 do Código Penal.15. Considerando a presente condenação de um dos corréus, ante o provimento do recurso do Ministério Público Federal nesse ponto, e estando presentes os pressupostos legais da medida constritiva de liberdade, deve ser decretada sua prisão preventiva. Quanto aos demais acusados, persistindo os motivos que ensejaram a decretação da custódia cautelar, e diante da ausência de alteração do quadro fático-processual desde a imposição da medida, deve ser mantido o acautelamento.
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